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Artigo de Opinião
Entre a receita e o poder: a disputa pelo saber na saúde

Por Thiago Barbosa Soares

Um dos saberes mais valorizados nas sociedades ocidentais é o saber médico. Não apenas por curar males do corpo e até da mente, também, em inúmeros casos, por fazer da vida mais suportável, quando não, por trazer maior simetria estética à compleição física de quem a deseja. Uma das profissões mais valorizadas que, mediante remuneração relativa à carga horária trabalhada e esforço despendido, concorre, no imaginário coletivo, para determinar como se pode estar mais saudável, viver mais e melhor por meio de medicamentos, procedimentos cirúrgicos e aconselhamentos especializados. Segundo essa perspectiva, o saber médico confere a quem o detém poderes quase divinos somente comparados, do ponto de vista do funcionamento do circuito coletivo, aos de um juiz, uma vez que versa sobre a vida e como essa pode operar. Todo questionamento acerca dos dizeres médicos, conforme o próprio saber médico, é um tipo de “afronta” a quem realmente possui o saber científico.

Diante desse cenário segundo o qual o discurso médico enquadra-se como um reflexo das desigualdades de saber-poder, este artigo discute a notícia “Nova norma permite que farmacêuticos prescrevam medicamentos, incluindo os controlados; entenda” (Carvalho, 2025), publicada em 20 de março de 2025, pelo portal virtual Jornal Opção Tocantins, procurando revelar como conflitos de interesses profissionais são mediados por estruturas de saber-poder e estratégias de legitimação, uma vez que, como destacam Foucault (2004) e Bourdieu (2007), o discurso médico-farmacêutico não é neutro: é um campo de batalha onde se disputa quem tem o direito de dizer sobre o corpo, a doença e a cura.

Uma breve discussão

Sob a ótica da governamentalidade (Foucault, 2008), a resolução articula uma estratégia de descentralização sanitária típica das racionalidades neoliberais (Rose, 1999), nas quais o Estado transfere responsabilidades para atores não médicos, visando otimizar recursos e ampliar o acesso a medicamentos. No entanto, essa aparente democratização esbarra em mecanismos de controle sutis: o RQE, embora habilite farmacêuticos, mantém a regulação estatal sobre quem pode prescrever, reinscrevendo a lógica disciplinar sob novas roupagens. A norma não rompe com a governamentalidade, mas a reconfigura, expandindo o campo de atuação farmacêutica sob vigilância institucional. Aqui, a biopolítica opera em duplo movimento: ao mesmo tempo que fragmenta o monopólio médico, produz novos corpos dóceis, farmacêuticos especializados, cuja autoridade depende de certificações técnicas. Essa ambiguidade expõe o paradoxo do neoliberalismo: a descentralização é sempre acompanhada de recentralização via regulação.

Ao ampliar as atribuições farmacêuticas por meio de mecanismos como o Registro de Qualificação de Especialista (RQE), a resolução desestabiliza a formação discursiva biomédica hegemônica, historicamente centrada no monopólio médico sobre o diagnóstico e a prescrição. Essa contranarrativa, ancorada em termos como “Farmácia Clínica” e “especialização", opera como um ritual de veridicção (Foucault, 2010), isto é, do dizer realmente verdadeiro, redefinindo quem detém autoridade para intervir no corpo biológico. Contudo, a resistência das entidades médicas, que mobilizam enunciados como incapacidade de diagnóstico, evidencia a violência epistêmica inerente a disputas por jurisdição profissional, nas quais a manutenção de regimes de verdade (Foucault, 2012) depende da exclusão de saberes e poderes concorrentes. A norma, desse modo, transcende a esfera técnica, tornando-se um artefato político que reescreve as regras do jogo discursivo, questionando quem pode enunciar verdades sobre a vida e sob quais critérios.

Considerações finais

A judicialização da norma, exemplificada pela invalidação da resolução de 2013, ilustra a contingência histórica da formação discursiva biomédica e a centralidade do judiciário como instância arbitral do verdadeiro. Ao decidir sobre a legitimidade de enunciados concorrentes (autorização vs. incapacidade), o sistema jurídico materializa a governamentalidade em ação, reforçando alianças entre saber médico e poder estatal.

Essa dinâmica expõe como o direito performatiza hierarquias disciplinares, reafirmando a medicina como ciência soberana da vida (Foucault, 2004), ao mesmo tempo que revela a fragilidade de fronteiras profissionais outrora tidas como imutáveis. Nesse horizonte, a resolução do CFF, ao tensionar essas estruturas, demonstra que as formações discursivas não são estáticas, mas produtos de lutas materiais e simbólicas, nas quais a biopolítica (Foucault, 2008b) atua como tecnologia de regulação da governamentalidade, incluindo e excluindo agentes conforme estratégias de controle.

Portanto, como foi visto, a norma insere-se em uma racionalidade neoliberal (Rose, 1999), que descentraliza responsabilidades sanitárias sob o discurso da eficiência, mas mantém mecanismos de vigilância, como o RQE, reinscrevendo a lógica disciplinar em novas roupagens. Essa aparente democratização do acesso a medicamentos esbarra no paradoxo neoliberal: a descentralização é acompanhada de recentralização regulatória, produzindo corpos dóceis (Foucault, 2014) cuja autoridade depende de certificações técnicas. Assim, a resolução não rompe com a governamentalidade, mas a reconfigura, expandindo o campo farmacêutico sob tutela institucional. Sob a ótica discutida aqui, o caso evidencia que disputas por saber-poder não se limitam a conflitos profissionais, mas redefinem os próprios critérios de legitimidade que organizam a vida coletiva, reafirmando que, na economia do poder, até mesmo uma vírgula pode ser um campo no qual se decide o destino de vidas.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.

CARVALHO. Júlia. Nova norma permite que farmacêuticos prescrevam medicamentos,

incluindo os controlados; entenda. Jornal Opção, Tocantins, 2025. Disponível em:

prescrevam-medicamentos-incluindo-os-controlados-entenda-555271/. Acesso em: 17

abr. 2025.

FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. Tradução de Roberto Machado. 6. ed.

Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica - Curso dado no College de France

(1978-1979). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros - Curso no Collège de France (1982-

1983). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8.

ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel

Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

ROSE, Nikolas. Powers of Freedom: Reframing Political Thought. Cambridge:

Cambridge University Press, 1999.

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O crime ocorreu em junho de 2024. De acordo com o Ministério Público do Tocantins (MPTO), Ilda ateou fogo diretamente em Bruno, que não teve chance de se defender. A acusação sustentou que o homicídio foi duplamente qualificado: pelo uso de fogo e por dificultar a defesa da vítima.

Durante a sessão, o MPTO foi representado pelo promotor de Justiça Rogério Mota, do Núcleo do Tribunal do Júri, e pela promotora substituta Anelise Schlickmann.

Segundo os laudos periciais e os depoimentos colhidos ao longo do processo, o crime aconteceu nas primeiras horas da manhã. A vítima foi surpreendida e atingida pelas chamas.

Além da pena de prisão, Ilda Serrat dos Santos também foi condenada a pagar R$ 50 mil de indenização aos pais da vítima, conforme determina o Código de Processo Penal.

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