A cena é constrangedora. Em plena sessão da Assembleia Legislativa do Tocantins (Aleto), o presidente Amélio Cayres (Republicanos), do alto da mesa diretora, precisou interromper os trabalhos e pedir, não uma, mas duas vezes, que os deputados voltassem ao plenário. A maioria havia se refugiado na sala VIP, deixando o auditório praticamente vazio. Quando parte deles retorna, Amélio abre os braços num gesto de irritação. O plenário sem quórum virou símbolo da fase que a Aleto atravessa: um poder acuado, disperso e tentando parecer funcional enquanto ainda respira sob o impacto que a Polícia Federal deixou por lá.

Desde a deflagração da segunda fase da operação Fames-19, que afastou o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), a primeira-dama Karynne Sotero e colocou dez deputados na mira da PF, o clima na Assembleia é de desconfiança e vigilância permanente. Poucos querem aparecer, ninguém quer ser o próximo.

O efeito da operação foi devastador. A imagem do Legislativo entrou em colapso junto com a do governo, e Amélio, antes uma figura em ascensão, virou um personagem em busca de ar. No dia da operação, a própria família Cayres foi atingida: o filho do presidente foi flagrado pela PF com R$ 25 mil em espécie dentro de uma sacola da Aleto, em um carro oficial, segundo relatório policial.

Amélio, que até setembro era o sucessor natural de Wanderlei, viu seu projeto político desabar junto com o governo. O presidente da Aleto chegou a ser tratado como o candidato do governador ao Palácio Araguaia em 2026, uma aposta que Wanderlei repetia em conversas e eventos públicos. A operação, porém, transfromou o cenário: o escândalo expôs a base governista, paralisou as articulações e isolou o próprio Amélio, que tenta, desde então, reconstruir uma imagem de liderança institucional antes que a política o empurre definitivamente para as cordas.

Com a perda de tração política para a disputa majoritária de 2026, a Assembleia sob pressão do Ministério Público para dar mais transparência ao uso das emendas parlamentares, que somam R$ 240 milhões por ano, e as costumeiras sessões esvaziadas, o desafio do presidente é duplo: conter o desgaste da instituição e salvar o próprio capital político.

Reação

O presidente tenta reagir como pode. Em meio à crise, apostou em uma campanha de recuperação institucional. Peças publicitárias nas redes sociais exaltam “os trabalhos da Casa de Leis” e tentam descolar a imagem dos deputados da operação policial. “Somos 24, não apenas os 10 da Fames. A imagem institucional precisa ser zelada”, pontuou um parlamentar em conversa reservada.

Amélio também destacou que, sob sua gestão, a Aleto manteve o índice de despesa com pessoal abaixo dos limites de alerta, prudencial e máximo estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Os gestos públicos também mudaram. Amélio recebeu o governador interino na Aleto para discutir a situação fiscal do estado. Nesta quarta-feira, 15, esteve ao lado de deputados e de Laurez Moreira (PSD) no Palácio Araguaia, durante o ato de encaminhamento do Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) dos servidores. Na mesma manhã, desceu até a porta da Aleto para conversar com professores em protesto pelo PCCR, um gesto que buscou demonstrar abertura e presença. A aposta no PCCR é que a imagem da Aleto pode melhorar com o avanço da pauta e a previsão é que os deputados explorem o tema.

Dias antes, também acompanhou Laurez em agenda no Bico do Papagaio, reduto político da família Cayres, um encontro fora da agenda pública, mas cheio de significado. São gestos calculados, sinais de sobrevivência de quem entende que a política exige presença quando o terreno começa a sumir sob os pés.

Futuro

Enquanto isso, as conversas sobre 2026 seguem, mas sem Amélio no protagonismo. O grupo que orbitava Wanderlei Barbosa começa a rascunhar uma possível “terceira via” na disputa pelo governo, entre os blocos já formados de Dorinha Seabra (União) e Laurez Moreira (PSD). O nome agora ventilado é o do deputado federal Alexandre Guimarães (MDB), antes cotado para o Senado.

A avaliação de políticos, e das demonstrações dos próprios pares na Aleto, é que Amélio pode ter perdido a condução do jogo que até poucos dias estava ganhava com larga vatagem, e isso já poderia afetar seu mandato como presidente da Casa, com risco até de comprometer seu futuro político. “Parece que não existia um plano B. Por exemplo, disputar uma vaga de deputado federal, caminho tradicional de ex-presidentes da Assembleia, não é algo certo até aqui nesse novo desenho”, resume um cacique político.