O Mês da Consciência Negra não é um convite à celebração superficial, tampouco um ritual anual de boas intenções. É um chamado inadiável à crítica profunda de um país que, apesar de se proclamar plural, ainda hesita em confrontar a ossatura racial que estrutura suas relações sociais, institucionais e econômicas. Honrar o legado dos antepassados significa reconhecer que a história do Brasil é inseparável da resistência negra, e que o combate ao racismo não se encerra em discursos protocolares, mas se traduz em ação, reparação e compromisso histórico e ação.

A escravidão no Brasil perdurou por quase quatro séculos, sustentando a economia colonial e imperial, moldando hierarquias sociais e produzindo desigualdades que persistem de maneira brutal. O 13 de Maio não significou liberdade plena; representou a transição da violência legalizada para a exclusão institucionalizada. A República nascente não garantiu terra, educação ou cidadania aos libertos. O país apenas reinventou suas amarras, e o racismo, astuto, deixou de ser norma jurídica para se tornar prática social silenciosa, perversa, cotidiana.

É nesse contexto que o mês de novembro se impõe como marco político e epistemológico. Evocar Zumbi dos Palmares é exigir que o Brasil deixe de se acomodar ao mito pacificador da democracia racial e reconheça que não há harmonia onde persiste desigualdade estrutural.

A luta contemporânea contra o racismo se expressa em indicadores que desnudam a realidade: negros são maioria entre as vítimas de homicídio, entre os encarcerados, entre os desempregados e subempregados, nas periferias sem acesso a serviços públicos dignos. São minoria nos espaços de poder, nas universidades de elite, na ciência, na magistratura, no parlamento, na mídia. Não há neutralidade possível diante desses fatos. Racismo não é opinião: é uma estrutura que mata, encarcerar, exclui e silencia.

A educação, nesse cenário, deixa de ser mero instrumento pedagógico e se torna ato político. A implementação efetiva das Leis 10.639/2003 e 12.519/2011 é condição mínima para reescrever a história que o país tentou ocultar. Conhecer Luiz Gama, Dandara, Lélia Gonzalez, Abdias Nascimento e Carolina Maria de Jesus não é concessão identitária; é recuperar pilares concretos de nossa formação intelectual e cultural. É reconhecer que a produção de conhecimento negro, tantas vezes marginalizada, constitui parte essencial do patrimônio intelectual brasileiro.

O Mês da Consciência Negra convoca o país a abandonar a retórica conciliadora e adotar a coragem intelectual de enfrentar seu passado e seu presente. Consciência não é quietude. Consciência é desassossego. É incômodo. É enfrentamento ético e político. O compromisso com a igualdade racial exige políticas públicas estruturais, protagonismo negro na tomada de decisões, combate institucional ao racismo e promoção ativa de oportunidades.

O Brasil não será verdadeiramente democrático enquanto a liberdade negra for promessa adiada e a cidadania negra for condicional. Celebrar o Mês da Consciência Negra é afirmar que não aceitamos um país que naturaliza desigualdades. É escolher a inquietação que transforma, a memória que repara e a justiça que liberta.