Juros são obstáculo ao crescimento do país e mostram resistência do BC em reconhecer que ambiente econômico mudou

20 junho 2025 às 10h44

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Desde setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) eleva sistematicamente a taxa básica de juros, que saiu de 10,50% para 15% na última reunião. Foram noves meses de aumentos sucessivos, a despeito dos sinais de alívio no quadro inflacionário e do agravamento dos custos sociais e fiscais provocados por essa política suja, sem sentido e que joga contra o país. Após o último ajuste em 0,25 ponto percentual, o recado está claro: a manutenção da Selic em patamar elevado ainda será prolongado. Ou seja, o Banco Central tem menos uma estratégia de contenção da inflação que uma escolha ideológica ancorada no conservadorismo econômico.
A decisão tem impacto fiscal imediato: cada ponto percentual adicionado da Selic, em média, representa um aumento de R$ 50 bilhões à dívida bruta do Governo Federal. Se o juro básico for mantido nesse patamar pelos próximos 12 meses, o rombo será de, no mínimo, R$ 22 bilhões. Isso sem contar os efeitos adicionais nos títulos indexados ao IPCA e variação cambial, que tendem a agravar ainda mais o quadro fiscal. Contraditoriamente é esse quadro que o Banco Central alega estar tentando preservar com a política de juros altos.
Mas o paradoxo vai além: a inflação dá sinais consistentes de queda, a pressão de custos se dissipou, o consumo permanece contido e a atividade econômica esfria. A insistência em manter juros em patamares proibitivos é, no fundo, um descolamento da realidade e uma resistência a reconhecer que o ambiente mudou.
Os dados mais recentes apontam para uma inflexão clara no processo inflacionário. O Índice Geral de Preços (IGP-10) registrou queda de 0,97% entre maio e junho. O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que representa 60% do IGP, caiu 1,54% no mesmo período, com baixas generalizadas entre bens finais, intermediários e matérias-primas. Produtos agropecuários — tradicionalmente voláteis — recuaram 4,14%, e produtos industriais, 0,59%. Já o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que compõe 30% do IGP, desacelerou de 0,42% para 0,28%, com queda nos preços de alimentos básicos como tomate, arroz e ovos.
O IPC-S, que mede a inflação semanal para o consumidor, confirmou a tendência ao mostrar variação de apenas 0,25% nas quatro semanas encerradas em 15 de junho. A inflação dos alimentos, que preocupava analistas e famílias, praticamente desapareceu: a variação caiu de 0,55% em meados de maio para 0,04% um mês depois.
Juros alto menos investimento produtivo
A taxa Selic serve como referência para todas as demais taxas de juros da economia. Quando ela está em 15%, o custo de financiamento para as empresas — seja para expansão, compra de máquinas, construção de novas unidades ou desenvolvimento tecnológico — se torna elevado. Isso significa que muitos projetos que seriam economicamente viáveis com juros mais baixos deixam de ser realizados.
Empresas calculam o chamado “custo de oportunidade do capital”, ou seja, a taxa mínima de retorno que justifica um investimento. Com juros reais (descontada a inflação) acima de 9%, poucas iniciativas empresariais conseguem superar esse limiar de retorno. O resultado é uma queda nos investimentos produtivos, o que enfraquece o crescimento econômico de forma estrutural.
Além de inibir o investimento das empresas, juros altos encarecem o crédito para os consumidores — cartões de crédito, empréstimos pessoais, financiamentos de veículos e imóveis. Com isso, o consumo das famílias cai, o que afeta diretamente a receita das empresas, sobretudo nos setores de varejo, serviços, construção civil e indústria de bens duráveis.
Com menos investimento e consumo, o ritmo de crescimento do PIB desacelera. Empresas postergam contratações, deixam de abrir novas vagas e, em muitos casos, precisam enxugar quadros. A política de juros altos, que visa conter a inflação, pode acabar produzindo um ambiente recessivo, em que o desemprego não apenas para de cair, como volta a subir.
Segundo dados do IBGE e do Ipea, o investimento é responsável por cerca de 20% da formação do PIB brasileiro. Uma queda persistente nos investimentos produtivos impacta negativamente a geração de emprego e renda, principalmente nas atividades mais intensivas em mão de obra, como construção civil, agricultura e indústria de transformação.
Juro real
Com a inflação cadente e a Selic mantida em 15%, a taxa real de juros — descontada a inflação — pode ultrapassar 9,60% nos próximos 12 meses. Trata-se de uma das mais altas do mundo, sem qualquer justificativa concreta para uma economia que cresce abaixo do seu potencial e convive com elevada capacidade ociosa. A taxa real não apenas desestimula investimentos privados e inibe o consumo das famílias, como também fragiliza o financiamento público, em especial em um contexto de tentativa de reequilíbrio fiscal.
O Copom, em sua última nota, afirmou que fará uma “pausa para observar os efeitos acumulados da política já aplicada”. Mas é difícil ignorar que o efeito mais direto dessa política tem sido o travamento das engrenagens da economia real. Diante da ausência de inflação de demanda, insistir na elevação dos juros não contribui para a estabilidade — apenas para o encarecimento do crédito, a deterioração da dívida pública e a desaceleração da atividade.
A impressão é de que o Banco Central segue enfrentando uma inflação que já perdeu tração — e o faz com armas de grosso calibre, que acabam atingindo alvos errados. Empresas adiam planos de expansão, famílias endividadas reduzem consumo, e o próprio governo federal tem menos margem de manobra para investir ou conter a dívida, pressionada pelos juros pagos ao mercado. E tudo isso em nome de uma meta de inflação que se tornou, na prática, um fim em si mesma, sem conexão com a dinâmica econômica.
Ao insistir na manutenção de uma política monetária tão restritiva, o Copom priva o país de alternativas de crescimento sustentado. A ambição de recuperação mais robusta, com geração de empregos e melhoria de renda, será empurrada, na melhor das hipóteses, para depois de 2026. Até lá, o Brasil continuará com um pé no freio, mesmo quando o semáforo da inflação já está no verde.