Guilherme de Andrade

O cenário político francês dos últimos meses serve como espelho para muitos países em todo o mundo. O avanço da extrema-direita é algo já consolidado em diversas nações: França, Itália, Brasil, Argentina, entre outros. Seja nos cargos de maior prestígio do poder Executivo ou em posições nas câmaras legislativas, os representantes desse espectro político ganham espaço e poder, enquanto os setores que deveriam fazer uma oposição firme e implacável a esse avanço, ainda engatinham. 

Em junho deste ano, o presidente francês Emmanuel Macron dissolveu a Câmara Legislativa da França após a prévia das eleições do Parlamento Europeu, que mostraram uma esmagadora vitória para o partido de extrema-direita de Marine Le Pen, o Rassemblement National (RN). Macron convocou eleições parlamentares antecipadas como último recurso para manter o prestígio político de seu grupo e, ao mesmo tempo, frear o avanço do RN. 

Apesar da aposta do presidente francês, o primeiro turno da eleição antecipada reafirmou a prévia da votação para o Parlamento Europeu. O partido de Le Pen obteve 33% dos votos, enquanto o bloco da esquerda teve 28%, e os centristas de Macron ficaram com 20%. Tudo depende agora do segundo turno que acontece na semana que vem. Atualmente, dos 577 assentos no parlamento francês, considerando apenas as votações mais recentes, o RN teria direito a 297 cadeiras, formando assim a maioria necessária para indicar o novo primeiro-ministro francês.

Vale reforçar que o RN é um partido de extrema-direita, anti-imigrante, eurocético (contra maiores aprofundamentos com a União Europeia) e conhecido por declarações e propostas racistas e antissemitas. O partido conseguiu uma melhora de sua imagem na opinião pública se aproveitando do descontentamento da população com a atual gestão de Macron, os altos preços do custo de vida na Europa, e a preocupação com a onda de imigração, chegando assim, às portas do poder na França.

Exemplo

O que a França vive hoje já foi vivido em diversas partes do mundo. No Brasil, houve a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e também a formação da atual composição do parlamento, feita em 2022. O que diferencia, entre outros pontos de natureza mais estrutural e histórica, é a reação da oposição à extrema-direita. 

Enquanto no Brasil, nas duas últimas eleições, se viu uma aproximação dos setores de centro com os representantes do ultraconservadorismo, e uma esquerda desarticulada e orgulhosa, na França, apesar da situação difícil, a resposta da oposição à extrema-direita foi diferente. 

Os setores franceses de centro, em sua maioria, se aliaram à esquerda e, juntos, decidiram retirar suas candidaturas em regiões onde existem três candidatos na disputa, a fim de não dividir votos e dar melhores chances de derrotar os representantes do RN. Até o momento, mais de 180 candidatos que chegaram ao segundo turno confirmaram a desistência do pleito a fim de formar um “cordão sanitário” contra o avanço da extrema-direita na França.

Quando comparamos essa mobilização com o caso brasileiro, o solo para crescimento do ultraconservadorismo aqui se mostra mais fértil do que na Europa. Políticos de centro preferem se aliar a figuras da extrema-direita do que com representantes da esquerda, tidos como “párias comunistas” pelos eleitores da ala conservadora brasileira. Enquanto isso, a própria esquerda no Brasil se mostra incapaz de qualquer unidade ou articulação conjunta no intuito de barrar esse tipo de avanço. 

Ciro Gomes, maior expoente ligado à esquerda (exceto o próprio PT) nos pleitos de 2018 e 2022, frequentemente preferiu atacar a gestão petista do que os adversários ligados a Jair Bolsonaro. Críticas ao “janjismo” adotado no terceiro mandato de Lula, denúncias em veículos de imprensa sobre possíveis casos de corrupção no governo do petista, afirmações sobre “decepção” com a nova gestão, entre outras declarações de Ciro Gomes viram munição para alas da extrema-direita avançar no território político. “Isso [Polarização política] só se resolverá quando Lula sair do jogo”, chegou a comentar em entrevista coletiva. 

Enquanto isso, a postura do próprio Partido dos Trabalhadores indica inflexão, se mostrando incapaz de abrir mão de candidaturas a fim de ceder espaço para representantes de qualquer ala do espectro político. Lula deu sinais de aproximação com outros setores, adotando, por exemplo, Geraldo Alckmin como vice e Simone Tebet como ministra, só que essa aproximação com diferentes alas parece ter chegado no limite. A velocidade de mobilização e a maleabilidade dos políticos franceses está num cenário muito distante do caso brasileiro. 

Enquanto isso, os cidadãos brasileiros vivem com o fantasma do “bolsonarismo” mais próximo do que nunca, com o Congresso Nacional mais conservador da história do país dedicado a travar o funcionamento do governo que conseguiu derrotar o avanço da extrema-direita de Jair Bolsonaro. Em outubro deste ano, acontecem as eleições municipais no país e o segmento da sociedade que elege a extrema-direita se mostra mais bem articulada do que nunca, e, no intuito de conquistar qualquer competitividade, a oposição a eles precisa tomar lições com a França