Romaria não é palanque

15 agosto 2025 às 15h50

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As romarias do Senhor do Bonfim — em Araguacema, Tabocão e Natividade — são manifestações profundas da fé tocantinense. Todos os anos, milhares de devotos atravessam estradas, enfrentam o calor e caminham quilômetros para pagar promessas, agradecer milagres e renovar votos espirituais. É um momento de comunhão e devoção, que transcende a política.
Neste ano, porém, entre romeiros e orações, a presença de autoridades chamou atenção. Governador, vice-governador, senadores, deputados, prefeitos e vereadores marcaram presença. Alguns se apresentaram como romeiros que participam das celebrações há anos. Um deles, inclusive, escolheu o evento para lançar oficialmente sua pré-candidatura a senador em 2026. A cena, presenciada por fiéis e amplamente registrada, transformou um ato de fé em ato político. Se em agosto de 2025 a corrida pré-eleitoral já se mostra intensa, a expectativa para o próximo ano é de um verdadeiro cabo de guerra político.
Muitos negaram que fosse um ato político, mas a partir do momento em que se utiliza a estrutura do Estado (com segurança, motorista e estadia pagos com dinheiro público) a atuação é, sim, política.
Não se discute aqui o direito de qualquer pessoa, inclusive políticos, de viver sua religiosidade. O problema é quando um espaço que deveria ser exclusivamente de devoção é usado como palco para anúncios e articulações eleitorais. A fé é íntima, pessoal e comunitária; transformá-la em vitrine política desvia o sentido da romaria e instrumentaliza a crença alheia.
O Brasil é um Estado laico, ao menos no papel. Isso significa que nenhuma religião deve ser usada como ferramenta de poder, e nenhum agente público deve associar seu projeto político à devoção popular. Mesmo fora do período eleitoral, essa mistura é nociva, pois confunde a mensagem espiritual com a mensagem de campanha.
Há também o debate sobre prioridades. Recursos públicos e emendas parlamentares destinados a festas religiosas podem ter valor cultural e econômico, mas não podem se sobrepor às necessidades urgentes de saúde, educação e infraestrutura, áreas em que muitos municípios ainda enfrentam carências graves.
Romaria não é palanque. Fé não é moeda de troca. Respeitar essa separação protege a democracia, a Constituição e o sentido mais puro da devoção que move milhares de romeiros todos os anos.