Marcos Holanda: “Acreditamos que qualquer país que se desenvolve investe fortemente na infância”

01 junho 2025 às 11h54

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Aconteceu em Palmas, a oitava edição do Fórum Norte e Nordeste da Indústria da Construção (FNNIC). O evento reuniu autoridades, empresários do setor, representantes do governo federal, estadual e municipal, além de entidades ligadas à construção civil, urbanismo e habitação. Durante a programação, foram debatidos temas fundamentais para o desenvolvimento urbano sustentável, habitação popular e mobilidade, entre outros.
O evento teve como foco o papel da habitação como motor de desenvolvimento econômico e redução das desigualdades regionais. Com presença do Ministro das Cidades, Jader Filho, do governador Wanderlei Barbosa, do prefeito Eduardo Siqueira Campos e de lideranças do setor produtivo, o evento promoveu debates sobre soluções habitacionais sustentáveis, avanços no Minha Casa Minha Vida e desenvolvimento urbano integrado.
Destaque para a assinatura de contratos de 889 novas moradias no Tocantins e para o Painel FNNIC Social, que abordou investimentos na Primeira Infância como estratégia de transformação social. Na véspera, uma reunião no Tribunal de Contas do Estado reuniu prefeitos e gestores para alinhar políticas públicas de habitação e urbanismo.
O presidente do Fórum, Marcos Holanda, esteve no Jornal Opção Tocantins para conversar sobre o evento e seus desdobramentos.
Marcos Antônio Costa Buarque de Holanda é engenheiro civil, empresário da construção civil há mais de 37 anos e mestre pela USP. Ex-professor da Universidade Federal de Alagoas, presidiu o Sindicato da Indústria da Construção de Alagoas por dois mandatos. Atualmente, lidera FNNIC, articulando construtoras, incorporadoras, autoridades e entidades de 16 estados brasileiros em defesa de políticas públicas, habitação popular, desenvolvimento urbano sustentável e inclusão social.
Por que nesta edição Palmas foi escolhida?
Quando assumi a presidência do Fórum há quatro anos, tomamos uma decisão de que precisávamos conhecer todos os estados da região Norte e Nordeste. Definimos como prioridade visitar, de seis em seis meses, um estado dessas regiões. Construímos uma diretoria onde temos uma representação: em cada estado do Nordeste temos uma diretoria e, em cada estado do Norte, também. Por que escolhemos isso como projeto prioritário? Porque entendemos que não tem como tirar conclusões estratégicas de um local se não estivermos presentes nele. Não adianta fazer uma reunião à distância, quando o objetivo é conhecer.
Começamos com o primeiro evento em Alagoas, minha terra, em Maceió. Depois fomos para o Amapá, realizamos um grande evento. Em seguida, Paraíba, Amazonas, Pernambuco, Acre, Sergipe e agora estamos no Tocantins. As escolhas surgem de acordo com o interesse da liderança local em sugerir sua cidade e seu estado como sede do fórum. É uma decisão interna e o objetivo é visitar todos os estados. Este é o oitavo evento.
O evento no Tocantins é extremamente estruturado, já está segmentado. Reunimos pessoas do setor da construção para discutir as necessidades, fortalezas e dificuldades do local onde o fórum acontece.
Pensamos em Palmas e vimos como podemos contribuir para o seu crescimento. Esta é a quarta vez que venho aqui e enxergo que é uma cidade planejada, com 323 mil habitantes, sem favelas, com uma estrutura de agronegócio e mineração muito forte.
Dentro desse aspecto econômico, a indústria da construção tem papel fundamental para promover um desenvolvimento sustentável e equilibrado. Isso fará com que a cidade e o estado cresçam de forma qualitativa.
Temos muitos vazios urbanos. É uma cidade muito extensa, com muitos terrenos. O evento vai debater essa situação? A concentração de população em um local e a ausência em outros, fazendo o aluguel subir muito.
Sim. Vou falar de dois pontos importantes. Primeiro, a cidade precisa ser pensada para que as pessoas estejam a 15 minutos dos seus locais de interesse. Quanto mais aglutinada for, mais próxima dos movimentos urbanos, maior a capacidade de oferecer qualidade de vida. Quando se espalha demais, o deslocamento fica difícil, o transporte urbano encarece, os custos de limpeza e infraestrutura também. A cidade de 15 minutos é tudo que Palmas merece para ter desenvolvimento de qualidade.
O segundo ponto é o Minha Casa Minha Vida. Ficamos muito felizes em contribuir com o Ministério das Cidades para que o novo programa se voltasse para pessoas de baixa renda, de um a dois salários mínimos. Se olharmos historicamente, nos últimos dez anos, excluindo o ano passado, R$ 100 bilhões de reais retornaram dos projetos do Minha Casa Minha Vida para o governo federal por falta de capacidade de compra das pessoas no Norte e Nordeste. O cliente de baixa renda nessas regiões não consegue dar um sinal de R$ 80 ou R$ 90 mil reais para comprar um imóvel, mas consegue pagar R$ 450 ou R$ 500 de prestação, o que já paga no aluguel.
O Ministério das Cidades, junto com a Caixa Econômica e ouvindo muito o Fórum, tomou uma decisão importante: permitir que emendas parlamentares entrem como complemento de renda para a compra do imóvel. O governo federal já oferece um limite de até R$ 55 mil de subsídio, e as emendas podem acrescentar mais R$ 20 ou R$ 30 mil. Além disso, governos estaduais e prefeituras podem colaborar com terrenos ou recursos de até R$ 45 mil, como é o caso de Goiás. Assim, para um imóvel de R$ 220 mil, a pessoa financia cerca de R$ 100 mil e conta com esse apoio. É uma alternativa estratégica da nova configuração do programa, já em vigor.
O governo federal já está construindo entre 40 e 45 mil unidades e, com a nova etapa, lançará mais 110 mil. O fórum ajuda estruturando esse arcabouço estratégico para dar condição ao comprador de acessar a casa própria. O objetivo é viabilizar os estados e cidades do Norte e Nordeste.
Veja o exemplo do Amapá: dois anos atrás, apenas seis imóveis foram vendidos pelo Minha Casa Minha Vida. Agora, já são 800 unidades viabilizadas este ano. Tudo mudou com essa nova configuração. O sucesso de qualquer projeto depende do envolvimento da classe empresarial, da política e dos governos para acontecer.
E temos que reconhecer o papel do presidente Lula, que retomou o Minha Casa Minha Vida como prioridade em seu governo, via Ministério das Cidades, Caixa Econômica e parcerias com governos e prefeituras.
Palmas aparece com destaque na intenção de compra de imóveis. Como o setor da construção enxerga isso para responder à demanda crescente?
A grande convergência de sucesso de um estado e município está na interferência positiva do governo. O governador Wanderlei nos recebeu muito bem, o prefeito Eduardo também, tanto que fizemos o evento na casa do governo do estado. Nunca houve um evento da indústria da construção desse porte em Palmas.
O déficit habitacional e a situação de aluguel e população de rua vêm crescendo. Como o evento vai debater isso?
Tivemos 11 paineis que discutiram essas questões. Vou destacar o painel PIPA, um projeto social muito bem estruturado e bancado pelo setor privado, idealizado por um dos donos da Bateria Moura. Atendemos 2.000 crianças de 0 a 3 anos em 17 municípios. Acreditamos que qualquer país que se desenvolve investe fortemente na infância. Uma criança de 0 a 3 anos desenvolve 80% da sua capacidade cognitiva nesse período. Se não investirmos nessa fase, o futuro não avança.
Preocupamo-nos com o nível de ensino, o salário dos professores e a qualidade da educação. Países que deram saltos qualitativos priorizaram a infância. Sem isso, não há desenvolvimento.
Como equilibrar desenvolvimento sustentável e meio ambiente?
Qualquer intervenção urbana leva a preocupações, mas se feita com responsabilidade, beneficia a sociedade. O Norte é uma região rica, mas ainda sofre com pobreza e favelização. Precisamos explorar a mineração e outros recursos de forma ordenada, sem deixar as pessoas em situações precárias. Um saco de cimento em algumas localidades chega a R$ 80. Os preços de imóveis no Norte não podem ser os mesmos do Sul e Sudeste.
O desenvolvimento precisa ser pensado. Por isso, trazemos arquitetos e engenheiros para debater isso. Outro tema que discutiremos é a questão das enchentes e como as cidades podem se preparar.
Palmas cresceu muito rápido. A estrutura não acompanhou. Como corrigir isso?
Esta é a hora de consertar o que foi mal resolvido. Não conheço nenhuma capital que tenha essa oportunidade como Palmas. Muitas vezes, os planejadores esquecem de quem vive o cotidiano da cidade.
Fico feliz de ter apoio e trazer pessoas para discutir temas importantes para Palmas e o Tocantins.
Qual a importância de trazer essa discussão para Palmas, saindo do eixo Sul e Sudeste?
Fui vice-presidente de uma entidade nacional que abrangia todos os estados. Naturalmente, pela característica do Brasil, que é um país com vários “Brasis”, os interesses se concentravam muito no Sul e Sudeste. Quem conhece a realidade local é quem mora aqui. Quem abre a geladeira do prefeito de Palmas não sou eu, é alguém que vive aqui.
Fomos cobrados por um grupo de políticos, cerca de 15 deputados federais, 10 senadores e alguns governadores, que nos disseram: “Ou vocês constroem uma entidade regional, onde possamos ter uma aproximação, mais liberdade e discussões intensas, ou vão ficar à margem”. Concordamos e fundamos o Fórum Norte e Nordeste.
Começamos a discutir os problemas de cada estado, fizemos um planejamento estratégico com 77 horas de trabalho para definir o que queríamos para esse movimento político. Ajudamos muito o setor da construção civil a evoluir. Hoje temos uma cadeira cativa nas discussões nacionais sobre o desenvolvimento da região Norte e Nordeste, com apoio dos governadores. Isso nos deixa muito felizes porque era uma missão que deveríamos ter, de olhar para essas duas regiões maravilhosas.
O Nordeste é excepcional e o Norte também, mas o Sul e Sudeste já estão muito estruturados. E o dinheiro que voltou, os R$ 100 bilhões que não foram aplicados aqui nos últimos anos, não foi culpa do Sul e Sudeste. Foi porque não conseguimos viabilizar os projetos. Com R$ 100 bilhões, você constrói uma cidade. Por isso a necessidade de regionalizar a entidade. O Brasil são vários Brasis e as questões sociais, políticas e ambientais são diferentes em cada lugar. Precisávamos de uma entidade regional para defender os interesses dessas duas regiões.
E o Tocantins, onde se diferencia no meio disso tudo? Como o senhor enxerga a posição do Tocantins e de Palmas?
Tirando os problemas, o Tocantins é um estado exemplo de como foi pensado. Ele oferece a oportunidade de se planejar um estado e uma cidade de forma melhor. Tem uma proposta econômica e financeira extremamente interessante, baseada no agronegócio e na mineração.
O movimento habitacional aqui tem uma relevância diferenciada em relação à região Norte. Palmas é uma cidade que inspira. Mesmo com algumas dificuldades, é possível, de forma inteligente, proporcionar à sociedade uma cidade organizada, interessante e sustentável.
O senhor comentou que muitos problemas são resolvíveis, uns mais caros, outros mais baratos.
Todos os problemas têm alternativas. Alguns custam mais caro, outros são mais fáceis. No caso de Palmas, é muito mais barato continuar estruturando, planejando, do que deixar crescer desordenadamente. E eu não acredito que falte dinheiro. Acho que o Brasil tem condição, dentro da sua capacidade financeira, de fazer uma transformação importante para as futuras gerações.
Tem uma frase que usamos em um projeto meu e da minha esposa — ela é fotógrafa de arte e eu arquiteto — em um projeto que é o maior da América Latina, na Bahia, que diz: “Você poderá não saber o que fez pelas crianças, mas elas saberão”.
Esse é o espírito. Amanhã posso não estar mais aqui, mas o que foi feito, deixado de legado, permitirá que essas crianças sejam homens e mulheres de valor. Queremos fazer as coisas certas, sérias e ajudar o Brasil, o Norte e o Nordeste a se desenvolverem.
O senhor sente abertura dos governos locais, do prefeito e do governador? Goiás, por exemplo, tem um programa habitacional próprio. Aqui, temos um projeto de lei em andamento. Como o senhor avalia essa abertura política?
A grande resposta para isso é a forma como fomos recebidos aqui no Tocantins para fazer esse evento. O governador e sua base nos deram um apoio muito grande. O secretário Ronaldo Dimas, que foi prefeito de Araguaína e hoje atua na prefeitura de Palmas, também ajudou muito na nossa parceria com o município.
Quando se percebe que o ente público tem consciência de que um movimento político como este vai ajudar o estado e a cidade, é sinal de que estamos no caminho certo. E vocês, como herdeiros de voz, precisam participar, questionar, elogiar o que é bom e criticar o que for ruim, para melhorar.