A segunda fase da Operação Fames-19, deflagrada pela Polícia Federal no início de setembro, trouxe novos elementos sobre supostos esquemas de corrupção no Tocantins durante a pandemia de Covid-19. Além das apurações no âmbito da operação, um relatório da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor/SR/PF/TO), ao qual a reportagem teve acesso, revela que, durante buscas na residência do deputado Amélio Cayres (Republicanos), que preside a Assembleia Legislativa do Tocantins, os agentes encontraram R$ 25 mil em espécie escondidos dentro de um veículo oficial da Casa de Leis. O carro, um VW/Polo, estava sob a posse do filho do parlamentar, Raul Cayres, que declarou utilizar o automóvel para fins particulares, mas não soube explicar a origem do dinheiro, guardado em uma sacola da própria Assembleia.

De acordo com o relatório, a quantia apreendida se enquadra na chamada “posse suspeita” de numerário, quando valores expressivos são encontrados em condições de ocultação, sem justificativa plausível nem documentação que comprove origem lícita. Para a PF, a situação corresponde à fase inicial da lavagem de capitais, conhecida como placement, momento em que recursos de possível origem ilícita são mantidos fora do sistema financeiro para evitar rastreabilidade.

Apesar disso, não houve lavratura de auto de prisão em flagrante, já que os elementos colhidos não eram suficientes para vincular imediatamente a propriedade do montante ao verdadeiro titular. A polícia optou pela apreensão dos valores, dos aparelhos eletrônicos e da documentação, bem como pela condução dos envolvidos para oitiva formal, entendendo ser essa uma medida mais cautelosa e juridicamente segura.

Além do dinheiro, os agentes apreenderam uma série de documentos ligados a imóveis e movimentações financeiras atribuídas a Amélio Cayres. Entre eles estão contratos imobiliários, escrituras, guias de ITBI, carnês de IPTU e declarações de ITR em nome de familiares e terceiros, mas custeados pelo próprio deputado, o que para os investigadores indica pulverização da titularidade formal de bens ao mesmo tempo em que ele permanecia responsável pelos pagamentos. Também foram recolhidas contas de consumo e despesas diversas que apontam para a manutenção de imóveis ligados ao parlamentar, ainda que formalmente não estivessem registrados em seu nome, além de anotações sobre contas bancárias de terceiros e extratos com movimentações fracionadas e transferências pulverizadas. O conjunto, segundo a PF, reforça a suspeita de ocultação patrimonial e utilização de “laranjas” para dissimular a verdadeira propriedade de bens e valores, expedientes característicos da lavagem de dinheiro.

O relatório também destaca que as buscas foram acompanhadas por representantes legais, entre eles o advogado de defesa do parlamentar, Lucas Antônio Martins de Freitas Lopes, e integrantes da Assembleia Legislativa. As diligências, afirma a PF, ocorreram de forma adequada, necessária e proporcional, assegurando os direitos e garantias fundamentais, mas ao mesmo tempo garantindo a preservação da prova para aprofundamento investigativo.

A segunda fase da Operação Fames-19 teve como alvo gabinetes de deputados estaduais e residências de parlamentares, além de resultar no afastamento judicial do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos). O relatório foi encaminhado ao ministro relator Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e deverá subsidiar os próximos passos da investigação que apura corrupção e possível lavagem de capitais no estado.

Posição

Na manhã desta terça-feira, 23, a reportagem do Jornal Opção Tocantins procurou a assessoria do presidente, mas até o momento não teve retorno sobre o pedido de esclarecimento. O espaço segue aberto para manifestação.