Banco digital ligado à facção criminosa paulista possui empresas em Palmas, aponta Polícia Civil de São Paulo

13 outubro 2024 às 13h11

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A Polícia Civil de Mogi das Cruzes (SP), por meio da Operação Decurio, revelou no começo de agosto deste ano que um banco digital, a fintech 4TBank, com sede naquela cidade, teria movimentado mais de R$8 bilhões de reais nos últimos cinco anos. A suspeita é que todo esse valor tenha circulado por pelo menos 20 empresas, na grande maioria de fachada, algumas delas estabelecidas em Palmas, capital do Tocantins. As empresas teriam sido utilizadas para lavagem de dinheiro vinculado à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que atua em todo o país em atividades de crime organizado, como tráfico de drogas e roubos a bancos.
A investigação da Polícia Civil de São Paulo apurou que o esquema faz parte de uma tentativa do PCC de se infiltrar nas Eleições Municipais de 2024 em São Paulo. O caso foi amplamente divulgado por portais de notícias Terra e UOL, e pelo jornal Estadão, e causou surpresa pela menção idêntica de um restaurante de comida japonesa de Palmas, utilizando o nome de “Rede Kampai Restaurantes LTDA”, como uma das empresas que atuariam para a facção.
No entanto, após apuração da redação do Jornal Opção Tocantins junto à Receita Federal, foi possível verificar que a empresa em questão teria se utilizado da identidade do tradicional restaurante da capital para se ocultar, tendo sido inclusive confirmado pela reportagem que a mesma empresa modificou seu nome no dia 17 de setembro deste ano, logo após a Operação da PC de São Paulo, para “Rede Nacional de Contabilidade Tributária LTDA”. Suas atividades econômicas também foram alteradas para a área de consultoria em tecnologia da informação e contabilidade, conforme o documento de Comprovante de Inscrição, obtido pela reportagem. No endereço em que a empresa que utilizava o nome do Kampai está cadastrada não há nenhum estabelecimento comercial em funcionamento. A situação se repete com outras empresas investigadas em Palmas.

As empresas supostamente de fachada com sede na capital tocantinense estão cadastradas em nome de Matie Obam, uma jovem de 24 anos que é apontada como dona do 4Tbank. Segundo a polícia paulista, quem estaria por trás dessas empresas seria João Gabriel Yamawaki, de 52 anos, que se encontra preso, e é padrasto de Matie Obam, que aparecia como sócia-administradora das empresas em Palmas e outras de São Paulo. As empresas em nome de Matie teriam sido responsáveis pela movimentação de mais de R$ 100 milhões ilicitamente.
O dinheiro era parte de um esquema maior, articulado através do 4TBank, criado por Yamawaki, que facilitava a lavagem de bilhões de reais. Segundo o Banco Central, o banco digital nunca teve autorização para operar. Yamawaki, que mantinha o controle das operações, utilizava a enteada Matie, como “laranja” para disfarçar suas atividades ilícitas. Ele registrou empresas em Palmas e outras em São Paulo no nome de Matie para ocultar seu envolvimento direto no esquema. Contudo, a polícia descobriu que Yamawaki era o responsável por desviar grandes quantias para contas bancárias em várias cidades, como parte de uma estratégia do PCC para lavar dinheiro e, em última instância, influenciar campanhas eleitorais.
A mãe de Matie, Marie Sasaki Obam, esposa de Yamawaki, também está sendo investigada. Ela chegou a se candidatar a vereadora pela União Brasil, mas desistiu após o início das investigações. Eles residiam em um condomínio de luxo de Mogi, com os filhos de Marie
Histórico
A investigação, que começou a partir de apuração da polícia de Mogi sobre tráfico de drogas, na época em que foram apreendidos 28 kg de maconha e 8 kg de cocaína em uma cidade vizinha em 2023, onde Fabiana Manzini estava presente. Ela negou a posse da droga, mas a polícia afirma que Fabiana intermediava o tráfico para seu marido, Anderson Manzini, que é um dos líderes do PCC e está preso desde 2002.
Anderson é primo de João Gabriel, suspeito de operar a 4TBank. Conversas no celular de Fabiana indicam que João Gabriel ajudava na compra de drogas no Paraguai. As investigações revelaram movimentações financeiras suspeitas de mais de R$ 8 bilhões em 46 contas bancárias, levando a Justiça a bloquear esses valores.
Uma conta em particular atraiu atenção do Coaf por receber depósitos em notas de R$ 20 com “forte cheiro de maconha”. O advogado da 4TBank negou as acusações de ligação com atividades criminosas, afirmando que a empresa busca autorização do Banco Central. A defesa de Fabiana Manzini alegou que ela foi absolvida das acusações de tráfico relacionadas às drogas apreendidas
No final de agosto de 2024, com mais 12 pessoas, Yamawaki foi preso e levado para uma penitenciária de segurança máxima, onde aguarda julgamento. Matie Obam, por sua vez, está cumprindo prisão domiciliar, sob monitoramento eletrônico, após a polícia considerar que ela foi manipulada por seu padrasto para participar do esquema. As autoridades impuseram restrições severas a suas atividades financeiras e comerciais enquanto as investigações continuam.
A Polícia Civil de Mogi das Cruzes também bloqueou contas bancárias e bens associados ao esquema. Ao todo, foram bloqueados R$8 bilhões em bens e dinheiro, e as investigações continuam em andamento para identificar outros envolvidos no esquema de lavagem de dinheiro do PCC. Na última semana, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) denunciou à Justiça 19 suspeitos de envolvimento no esquema.