Nesta sexta-feira, 17, no seu último dia de trabalho, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, manifestou-se a favor da descriminalização do aborto realizado até a 12ª semana de gestação. Com o voto dele, o placar do julgamento ficou em dois votos a zero pela retirada da prática do âmbito penal.

O processo julgado foi apresentado pelo PSOL em 2017 e questiona a criminalização da interrupção voluntária da gravidez, argumentando que a punição viola direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, e afeta de forma mais severa mulheres negras e de baixa renda.

Atualmente, o Código Penal brasileiro só admite o aborto em três situações: gravidez resultante de estupro, risco à vida da gestante e casos de anencefalia fetal.

Em seu voto, Barroso afirmou que o Estado não deve impor coerção penal sobre mulheres que optam por interromper uma gestação indesejada. Para o ministro, a abordagem deve ser pautada pela saúde pública, e não pelo direito penal.

“A questão não é ser a favor ou contra o aborto. É decidir se uma mulher que vive esse infortúnio deve ser presa. Se o Estado tem o direito de obrigá-la a manter uma gravidez que ela não quer ou não pode levar adiante”, declarou.

Barroso também ressaltou que a criminalização atinge, sobretudo, mulheres em situação de vulnerabilidade social, que não têm acesso a serviços seguros.

“As mais pobres são as que sofrem as consequências. Já as que dispõem de recursos podem buscar alternativas em outros países ou clínicas particulares”, observou.

Apesar da posição pela descriminalização, o ministro fez questão de afirmar que não defende o aborto como prática. Segundo ele, o papel do Estado é investir em educação sexual, ampliar o acesso a métodos contraceptivos e oferecer suporte a gestantes em condições adversas.

“O objetivo é reduzir a ocorrência, não punir quem se encontra diante de uma escolha difícil”, disse.

Barroso também fez referência à dimensão religiosa do tema. Ele reconheceu o valor das tradições judaico-cristãs que condenam o aborto, mas ponderou que o Estado deve preservar a liberdade e a dignidade das mulheres.

“É preciso respeito à fé das pessoas. Mas será que tratar o próximo como se gostaria de ser tratado inclui lançar ao cárcere uma mulher que vive esse drama?”, questionou.

O julgamento foi interrompido após o ministro Gilmar Mendes solicitar destaque, o que suspende a análise do caso no plenário virtual. O processo havia começado a ser examinado em 2023, quando a ministra Rosa Weber, então relatora, também votou pela descriminalização.

A decisão de Barroso marca seu último voto no Supremo Tribunal Federal — ele deixa o cargo neste sábado, 18, após anunciar aposentadoria antecipada.

Atuação de enfermeiros e técnicos

O ministro também decidiu nesta sexta-feira que enfermeiros e técnicos de enfermagem podem auxiliar na realização de abortos previstos em lei — como nos casos de estupro, risco à vida ou à saúde da gestante e gestação de fetos anencéfalos.

A decisão também impede que esses profissionais sejam punidos criminal ou administrativamente pelo exercício da função. Barroso determinou a suspensão de processos e de sanções aplicadas a profissionais de enfermagem em todo o país, além de proibir a criação de obstáculos à realização do aborto legal.

O entendimento foi firmado em duas ações movidas por entidades da área da saúde, que denunciaram a precariedade do atendimento a mulheres que buscam o procedimento em hospitais públicos. Segundo o ministro, a atuação de enfermeiros e técnicos deve observar os limites da formação profissional, especialmente nos casos de aborto medicamentoso em estágios iniciais da gestação.

Para fundamentar a decisão, Barroso ampliou a aplicação do artigo 128 do Código Penal — que atualmente protege de punição apenas médicos — também aos profissionais de enfermagem. “O legislador da década de 1940 não poderia prever que, com a evolução tecnológica, a interrupção da gravidez poderia ser feita de forma segura por profissionais que não são médicos. Não se pode permitir que o anacronismo da lei penal impeça o resguardo de direitos fundamentais consagrados pela Constituição”, afirmou.

A medida tem efeito imediato, mas ainda precisará ser confirmada pelo plenário do STF.