Cinco processos da Guerrilha do Araguaia podem ser reabertos após impacto do filme ‘Ainda Estou Aqui’

04 março 2025 às 10h42

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O filme ‘Ainda Estou Aqui’ pode ter um impacto jurídico além do Oscar. Ele ajudou o retorno do debate sobre a Lei da Anistia, e o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu analisar se a norma se aplica a casos de desaparecimentos forçados na ditadura militar. Se o STF afastar a anistia nesses casos, 18 ações criminais contra ex-agentes da repressão podem ser destravadas. As informações foram levantadas pelo Memorial da Resistência de São Paulo, Agência Pública e confirmadas pelo Jornal Opção Tocantins.
O julgamento, ainda sem data, poderá abrir caminho para responsabilizar envolvidos em crimes contra a humanidade, como os desaparecimentos de Rubens Paiva e Mário Alves. O ministro Flávio Dino citou diretamente o filme ao destacar a importância da decisão. O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou 56 ações contra ex-agentes da repressão entre 2012 e 2024, das quais 33 envolvem desaparecimentos. Até 200 novos casos poderiam ser abertos caso a decisão seja favorável.
Por outro lado, casos sem desaparecimento, como torturas e assassinatos com corpos encontrados, não seriam revistos. Especialistas apontam que a decisão pode ser um marco na luta por justiça e responsabilização de crimes cometidos durante a ditadura.
Guerrilha do Araguaia
Além das 18 ações já mencionadas, o impacto do filme ‘Ainda Estou Aqui’ também pode levar à reabertura de seis processos relacionados à Guerrilha do Araguaia, movimento armado do PCdoB contra a ditadura militar, ocorrido no Bico do Papagaio (atual norte do Tocantins, sul do Pará e Maranhão). O Exército reprimiu violentamente a guerrilha, com torturas, execuções e desaparecimentos forçados, afetando camponeses, indígenas e ribeirinhos.Após a repressão, o governo investiu na colonização e pecuária para evitar novos focos de resistência. Até hoje, buscas por desaparecidos e disputas sobre a memória do conflito marcam a região.
Os processos de desaparecimento de André Grabois, Antônio Alfredo de Lima, Divino Ferreira de Souza, Oswaldo Orlando da Costa, João Gualberto Calatrone podem ser analisados novamente. Esses guerrilheiros foram mortos ou desapareceram durante a repressão, e suas histórias de luta e resistência continuam a ser investigadas, inclusive pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já condenou o Brasil pelos desaparecimentos de 62 pessoas envolvidas na guerrilha, incluindo os cinco aqui citados.
Confira a seguir o perfil de cada desaparecido político.
André Grabois (1946-1973)

Filho de Maurício Grabois, líder do PCB, André Grabois nasceu no Rio de Janeiro e viveu na clandestinidade após o golpe de 1964. Enviado à China pelo PCdoB, recebeu treinamento militar e político e também passou pela Albânia antes de retornar ao Brasil em 1967. Estabelecido no sudeste do Pará, tornou-se comandante do Destacamento A da Guerrilha do Araguaia, sendo conhecido como Zé Carlos e querido pelos moradores locais.
Foi morto em 13 de outubro de 1973 durante a Operação Marajoara, planejada para eliminar a guerrilha na região. Relatos indicam que foi surpreendido e metralhado por militares enquanto buscava suprimentos. Seu corpo nunca foi oficialmente localizado.
Antônio Alfredo de Lima (1938-1973) (sem foto)
Trabalhador rural e posseiro no Pará, Antônio Alfredo de Lima vivia com sua família em São João do Araguaia, onde enfrentava conflitos com grileiros. Em 1972, passou a apoiar o Destacamento A da Guerrilha do Araguaia, fornecendo alimentos e ajudando na locomoção dos guerrilheiros.
Foi morto e desaparecido durante a Operação Marajoara, em 13 de outubro de 1973, no mesmo episódio que vitimou André Grabois e outros guerrilheiros. Há relatos conflitantes sobre sua morte: alguns indicam que foi morto no local do confronto, enquanto outros afirmam que, ferido, foi levado ao centro clandestino de detenção e tortura conhecido como Casa Azul, em Marabá, antes de ser executado.
Divino Ferreira de Souza (1938-1973)

Liderança estudantil em Goiás, Divino Ferreira de Souza militou no movimento secundarista e no PCdoB. Em 1966, foi enviado à China para treinamento político e militar. Após retornar ao Brasil, viveu na clandestinidade, instalando-se na região do Araguaia, onde atuou como comerciante e guerrilheiro sob o codinome Nunes.
Foi capturado durante a Operação Marajoara, em outubro de 1973. Relatos indicam que sobreviveu ao confronto inicial, foi preso e submetido a tortura na Casa Azul, em Marabá. As versões sobre sua morte divergem: algumas apontam para execução sumária logo após sua prisão, enquanto outras sugerem que permaneceu sob custódia por dois meses antes de ser morto.
Oswaldo Orlando da Costa (1938-1974)

Conhecido como Oswaldão, foi militante do PCdoB e um dos principais guerrilheiros da Guerrilha do Araguaia. Nascido em Passa Quatro (MG), estudou no Rio de Janeiro e na Tchecoslováquia, onde cursou engenharia de Minas antes de receber treinamento militar na China. Retornou clandestinamente ao Brasil após o golpe de 1964 e se estabeleceu na região do Araguaia como garimpeiro, tornando-se uma figura respeitada pelos moradores locais.
Comandante do Destacamento B da guerrilha, escreveu a “Carta de Osvaldão a seus amigos”, convocando a população à resistência. Relatos indicam que foi morto em abril de 1974, fuzilado após ser ferido por um mateiro. Seu corpo teria sido mutilado, exposto publicamente e jogado em uma vala na Base Militar de Xambioá (TO).
Oswaldo foi uma das vítimas da Operação Marajoara, que visava eliminar a guerrilha no Araguaia.
João Gualberto Calatrone (1951-1973)

Conhecido como Zebão, foi militante do PCdoB e liderança do movimento estudantil no Espírito Santo. Formado como técnico de contabilidade, mudou-se para a região do Araguaia em 1970, onde se tornou tropeiro e mateiro, integrando o Destacamento A da guerrilha.
Morreu em 13 de outubro de 1973, durante uma emboscada militar na localidade de Caçador, no Pará. Ele e outros guerrilheiros foram surpreendidos por soldados enquanto preparavam alimentos. Seu corpo, junto aos de Zé Carlos e Alfredo, foi transportado e enterrado na casa de um morador local, mas posteriormente desapareceu.
João foi uma das vítimas da Operação Marajoara, que visava exterminar a guerrilha no Araguaia.