Uma decisão do ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Pedido de Busca e Apreensão Criminal (PBAC) nº 95/DF, revela em detalhes como o governador afastado do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), e um grupo de 17 pessoas ligadas a ele — entre familiares, assessores, policiais militares e aliados políticos — teriam atuado para dificultar o avanço das investigações da Operação Fames-19.

A operação resultou no afastamento de Wanderlei Barbosa e da primeira-dama, Karynne Sotero Campos, no dia 3 de setembro de 2025, por outra decisão do ministro Mauro Campbell Marquesm medida posteriormente referendada pela Corte Especial. O casal é investigado por desvios de recursos públicos ocorridos entre 2020 e 2021, período em que o Tocantins estava sob estado de emergência em saúde pública devido à pandemia de Covid-19.

O documento, que embasou novas buscas e apreensões deflagradas pela Polícia Federal nesta quarta-feira, 12, descreve uma sequência de ações que, segundo o STJ, configuram embaraço à investigação de organização criminosa. A suposta manobra, segundo a Corte, começou na noite de 2 de setembro de 2025, quando o advogado e ex-secretário Thomas Jefferson Gonçalves Teixeira teria alertado o governador sobre a operação iminente.

Chegada de Thomas à casa de Wanderlei | Foto: PF

De acordo com a decisão, Thomas Jefferson visitou a casa de Wanderlei Barbosa às 23h07 daquele dia, permanecendo por apenas sete minutos e sem deixar registros telefônicos. Logo após a visita, o governador e a primeira-dama, Karynne Sotero Campos, deixaram a residência às pressas, levando malas e documentos.

Quando a Polícia Federal cumpriu os mandados na manhã seguinte, encontrou o cofre do casal aberto e esvaziado, além de um celular “resetado” para o modo de fábrica, indicando tentativa de destruição de provas. Um jantar intocado e a televisão ligada mostravam que a saída havia ocorrido pouco antes da chegada dos agentes.

O alerta antecipado sobre a operação, afirma o STJ, frustrou parte das diligências policiais, ao permitir que documentos e aparelhos eletrônicos fossem destruídos ou escondidos antes da chegada dos agentes.

A PF encontrou um cofre vazio, dispositivos apagados e residências sem vestígios relevantes. Em alguns casos, conforme a PF, os rastreadores de veículos oficiais usados pelos envolvidos haviam sido deliberadamente desativados.

Essas condutas configuram, segundo a decisão, crime material de embaraço à investigação, previsto na Lei nº 12.850/2013, por terem imposto “dificuldades concretas à colheita de elementos de convicção”.

Ao deferir os novos mandados de busca e apreensão, o ministro Mauro Campbell destacou que os fatos demonstram “a atuação orquestrada de diversos agentes públicos e privados” para “impedir o regular andamento da persecução penal”.

Segundo ele, “a obstrução não se deu de forma isolada, mas de maneira planejada, envolvendo núcleos de poder político e policial comprometidos com a preservação de interesses ilícitos”.

Esvaziamento coordenado 

A investigação identificou que, enquanto o casal era esperado para depor na PF, às 14h do dia 3 de setembro, um grupo de militares, servidores e aliados políticos se mobilizou para esvaziar um imóvel ligado à sogra do governador, na Quadra 603 Sul, em Palmas.

Movimentação na porta da casa da sogra de Wanderlei | Foto: PF

Imagens e laudos periciais confirmaram a presença de figuras próximas ao chefe do Executivo, incluindo o chefe da Casa Militar, coronel Wander Araújo Vieira, o tenente Rogério França Borges, o ex-chefe de gabinete Marcos Martins Camilo e até a deputada estadual Cláudia Lélis.

Todos foram identificados carregando malas, mochilas e caixas — o que, segundo o STJ, evidencia “uso desabrido do aparato estatal” para embaraçar a investigação.

A movimentação envolveu ainda veículos oficiais e automóveis registrados em nome de “interpostas pessoas”, apontadas como laranjas da família Barbosa, como Mauro Henrique Rodrigues, Ruivaldo Fontoura e Antoniel Pereira do Nascimento.

Como cada grupo teria atuado

O ministro Mauro Campbell dividiu os investigados em quatro núcleos principais:

1. Núcleo familiar:

Formado por Wanderlei Barbosa, Karynne Sotero, os filhos Yhgor Leonardo e Rérison Antônio, além da sogra Joana D’Arc Sotero e das enteadas Yasmin Lustosa e uma adolescente que não teve o nome divulgado. Esse grupo teria recebido o aviso prévio da operação e agido para eliminar provas e subtrair bens. Yasmin e Joana D’Arc foram flagradas no imóvel da 603 Sul durante a retirada de objetos.

2. Núcleo de obstrução e contrainteligência:

Seria encabeçado por Thomas Jefferson, ex-secretário de Parcerias e Investimentos e sócio de um dos filhos do governador. Ele é apontado como o mensageiro do alerta sobre a operação. A ele se somam Wander Araújo, Rogério França, Marcos Camilo, Lucas Maciel, Irineu Amorim e Cláudia Lélis, todos, segundo a PF, com atuação direta no esvaziamento do imóvel e ocultação de materiais.

3. Núcleo de confiança e informantes:

Inclui Alan Rickson Araújo e William Nunes de Souza, apontados como colaboradores de Thomas Jefferson e responsáveis por repassar informações internas do governo mesmo após o afastamento de Wanderlei Barbosa.

4. Interpostas pessoas:

Composto por Mauro Henrique Rodrigues, Ruivaldo Fontoura e Antoniel Pereira, que teriam cedido veículos, imóveis e identidades formais para ocultar o patrimônio do governador e de sua família.

Deputada Cláudia Lélis

A decisão confirma que a deputada estadual Cláudia Lélis (PV) esteve presente na residência da 603 Sul no momento do esvaziamento. Segundo laudo facial da Polícia Federal, ela foi identificada entre as pessoas que transportavam caixas, mochilas e malas. O episódio levou o ministro a incluir seu nome entre os alvos das novas buscas.

Deputada Cláudia Lélis na casa da sogra de Wanderlei | Foto: PF

Quem é quem e o que teria feito

Wanderlei Barbosa (Republicanos)

Governador afastado do Tocantins. Apontado como líder do grupo que teria sido avisado com antecedência da operação da PF e ordenado o esvaziamento de imóveis para destruir provas.

Karynne Sotero Campos

Primeira-dama. Deixou a residência oficial às pressas com o governador. Apontada como coautora na remoção de documentos e bens pessoais.

Joana D’Arc Sotero

Sogra do governador. Proprietária formal do imóvel da 603 Sul, usado para ocultar materiais e receber itens retirados da casa do casal.

Yasmin Lustosa Sotero

Enteada de Wanderlei. Aparece nas imagens da PF carregando caixas e mochilas durante o esvaziamento do imóvel da sogra.

Yhgor Leonardo Barbosa (deputado Léo Barbosa)

Filho do governador. Esteve na casa do pai no momento em que Thomas esteve. Também foi visto na casa da sogra de Wanderlei e teria sabido previamente da operação

Rérison Antônio Barbosa

Filho do governador e sócio de Thomas Jefferson. Terá se beneficiado de operações de blindagem patrimonial. Esteve na casa do pai no momento em que Thomas esteve e teria sabido previamente da operação

Thomas Jefferson Gonçalves Teixeira

Advogado e ex-secretário de Parcerias e Investimentos. Apontado como suposto autor do vazamento da operação. Teria avisado o governador pessoalmente horas antes do cumprimento dos mandados.

Cel. Wander Araújo Vieira

Chefe da Casa Militar. Teria coordenado o apoio logístico e operacional para o esvaziamento da casa da 603 Sul, mobilizando policiais e veículos.

Ten. Rogério França Borges

Militar da Casa Militar. Foi visto participando do transporte de bens e documentos.

Irineu Carvalho Amorim

Policial militar que teria auxiliado no transporte e ocultação de materiais em endereços vinculados ao grupo.

Marcos Martins Camilo

Ex-chefe de gabinete do governador. Visto no esvaziamento do imóvel e retirada de caixas e malas. Foi alvo de outras fases da operação. 

Lucas Maciel Soares

Assessor próximo a Wanderlei Barbosa. Atuou como intermediário na movimentação de pertences e veículos usados para ocultação. Era servidor comissionado da Secretaria Extraordinária de Participações Sociais.

Cláudia Lélis (PV)

Deputada estadual. Identificada em imagens periciais durante o esvaziamento do imóvel da 603 Sul, transportando malas e caixas.

Alan Rickson Andrade de Araújo

Apontado como informante interno. Teria repassado dados estratégicos ao grupo após o afastamento de Wanderlei. É servidor de carreira do Estado, concursado como analista de TI. Tinha cargo de assessor de Estruturação de Parcerias e Concessões na Secretaria de Parcerias e Investimentos (SPI).

William Nunes de Souza

Colaborador de Thomas Jefferson. Teria participado da rede de contrainteligência, auxiliando na troca de informações sensíveis. Era servidor comissionado da SPI.

Mauro Henrique da Silva Xavier

Empresário, interposta pessoa. Cedeu veículos e imóveis em seu nome para o grupo, como o veículo que Rérison Castro dirige e a chácara que Wanderlei e Karynne frequentam no povoado Campo Alegre, Paranã. 

Ruivaldo Aires Fontoura

Ex-presidente do Itertins. Apontado como laranja do núcleo familiar. Teria registrado bens e ativos pertencentes ao governador.

Antoniel Pereira do Nascimento

Teria sido usado como testa de ferro para movimentar bens e veículos associados a Wanderlei e familiares. Servidor efetivo da Prefeitura de Palmas cedido à Secretaria Executiva da Governadoria

O que dizem os investigados 

Wanderlei Barbosa

O Governador Wanderlei Barbosa recebeu com estranheza mais uma operação da Polícia Federal ao mesmo tempo que aumenta a expectativa pelo julgamento do Habeas Corpus que pode devolvê-lo ao cargo.

Ao mesmo tempo reitera a sua disponibilidade para colaborar com as investigações e mantém a sua confiança na justiça e nas instituições.

Karynne Sotero

A primeira-dama Karynne Sotero repele as acusações infundadas de tentativa de embaraço às investigações feitas de forma anônima à Justiça.

Também lamenta a tentativa de intimidação contra seus familiares, inclusive a sua mãe, uma senhora de mais de 75 anos que acabou passando mal e tendo que ser hospitalizada.

Por fim, reitera a sua inteira disposição de colaborar com a Justiça para o esclarecimento dos fatos.

Thomas Jefferson

O advogado e ex-secretário de Participações e Investimentos Thomas Jefferson comunica que nunca trabalhou para causar qualquer embaraço às investigações. Sua atuação junto ao governador Wanderlei Barbosa se deu na condição de secretário de estado, sendo absurdas as tentativas de criminalizar a sua atividade laboral.

Rérison Castro

O advogado Rérison Castro lamenta profundamente as acusações infundadas feitas contra ele. Informa ainda que colabora com as investigações, que vão demonstrar a sua inocência no transcorrer do processo.

Cláudia Lélis

A deputada estadual Cláudia Lelis (PV) foi surpreendida, nesta quarta-feira (12), com o cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e executado pela Polícia Federal (PF).

A parlamentar afirma estar tranquila e confiante em relação às investigações, uma vez que não praticou qualquer conduta ilícita.

Cláudia Lelis destacou, contudo, ter se surpreendido com a operação, especialmente considerando que o fundamento apontado para a medida teria sido uma visita de solidariedade ao governador Wanderlei Barbosa e à primeira-dama Karynne Sotero, sua amiga pessoal, em razão da operação realizada em 03/09/2025 (Operação Fames-19, 2ª fase).

A deputada reitera seu respeito às instituições, em especial ao Poder Judiciário e à Polícia Federal, e aguarda com serenidade a oportunidade de prestar todos os esclarecimentos necessários, confiante de que a verdade será plenamente esclarecida.

Léo Barbosa

O deputado estadual Léo Barbosa informa que colabora com as investigações em curso e que jamais concorreu ou colaborou para atrapalhar quaisquer investigações. Reitera sua total confiança na Justiça e provará sua inocência de todas as acusações no transcorrer do inquérito.

Polícia Militar

A Polícia Militar do Tocantins (PMTO), em resposta à solicitação referente à Operação Nêmesis, deflagrada pela Polícia Federal nesta quarta-feira, 12, informa que o Coronel Wander Araújo bem como o Sargento Irineu Carvalho, integram os quadros ativos da corporação.

A instituição ressalta que a investigação citada se refere a fatos ocorridos em período em que os Policiais Militares ocupavam funções na Casa Militar.

A PMTO esclarece que não possui acesso aos autos, não sendo possível prestar mais informações no momento, porém se mantém à disposição da justiça para colaborar com o que for necessário.

A corporação reafirma seu compromisso com a legalidade e a transparência em todas as suas ações.

O Jornal Opção Tocantins tenta contato com os demais citados.