As decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assinadas nesta terça-feira, 2, pelo ministro Mauro Campbell Marques, que afastaram o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) e a primeira-dama Karynne Sotero por seis meses, consolidam anos de investigação sobre um esquema de desvio de recursos públicos no Tocantins. Confira linha do tempo da Operação Fames-19 abaixo.

O foco inicial foram contratos de fornecimento de cestas básicas durante a pandemia de Covid-19, que teriam dado prejuízo de mais de R$ 70 milhões aos cofres públicos estaduais, mas as apurações apontaram indícios de lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa que se estenderam até os dias atuais. Por se tratar de governador em exercício, a competência para autorizar medidas cautelares é do STJ, que centraliza os inquéritos relacionados ao caso.

Esse não é um episódio isolado na história política do Tocantins. Desde a criação do estado, em 1988, parte dos governadores perderam o mandato. Em 2026, o Tocantins completará 20 anos sem que um governador consiga concluir um mandato de quatro anos.

Nos últimos 16 anos, cinco governadores enfrentaram cassações, afastamentos ou renúncias: Marcelo Miranda foi cassado pelo TSE em 2009 e novamente em 2018; Siqueira Campos deixou o cargo em 2014 por motivos pessoais; Mauro Carlesse foi afastado pelo STJ em 2021 por suspeita de obstrução de justiça. 

Confira uma lista do tempo do caso das cestas básicas abaixo. 

2020–2021 – O início do esquema

  • A Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), politicamente atribuída ao então vice-governador Wanderlei Barbosa, recebeu grande volume de recursos para enfrentar a pandemia.
  • Parte desse dinheiro veio de emendas parlamentares estaduais destinadas à compra de cestas básicas.
  • As contratações eram feitas com empresas recém-criadas ou de fachada, sem histórico na área de alimentação. Muitas vezes os contratos eram inexecutados total ou parcialmente, mas os pagamentos eram integralmente realizados.
  • A Polícia Federal identificou quatro núcleos atuando de forma articulada:
    1. Políticos: Wanderlei Barbosa, sua esposa Karynne Sotero e deputados estaduais que direcionavam emendas;
    2. Servidores: assessores especiais como Taciano Darcles Santana Souza, Thiago Marcos Barbosa de Carvalho (sobrinho do governador), Marcus Vinícius Ribeiro Santana e outros;
    3. Empresários: donos de fato de empresas como MC Comércio de Alimentos, MFF Comércio e Serviços, Mari Distribuição, Mercado das Carnes, Médio Norte Alimentos, J.G. de Sousa Neto, Delikato, Sabores Regionais e Silva & Reis;
    4. Financeiro e lavagem: operadores que faziam saques em espécie, depósitos fracionados e pagamentos de boletos em nome do governador.

Outubro de 2021 – Licitações direcionadas

  • Mensagens interceptadas mostram fraude em certames. Em conversa de 19 de outubro, Paulo César Lustosa Limeira, ex-marido da primeira-dama, combinou previamente com fornecedores que a empresa Portinari seria vencedora, simulando concorrência.

2023 – Avanço das apurações

  • A Polícia Federal elabora a Informação de Polícia Judiciária nº 002/2023, reunindo diligências que indicavam o envolvimento direto de Wanderlei Barbosa.
  • Com base nesses elementos, o STJ instaura o Inquérito nº 1.650/DF.
  • A Polícia Civil do Tocantins, em apurações paralelas, encontra indícios da participação de parlamentares e de transferências de valores do empresário Welber Guedes de Morais para contas de Wanderlei Barbosa e de seus filhos.
  • O caso é remetido ao STJ, gerando o Inquérito nº 1.663/DF.
  • Outros desdobramentos são reunidos no Inquérito nº 1.664/DF, sobre ameaças e extorsões ligadas ao esquema.

21 de maio de 2024 – A pousada de luxo

  • Conversas entre Rérison Antônio Castro Leite, filho do governador, e Marcos Martins Camilo, chefe de gabinete, mostram orientações para que os documentos da Pousada Pedra Canga, em construção na Serra de Taquaruçu, permanecessem em nome de Rérison.
  • A PF conclui que parte dos recursos desviados estava sendo canalizada para financiar o empreendimento, avaliado como de alto padrão.

21 de agosto de 2024 – Operação Fames-19

  • O STJ autoriza a deflagração da primeira fase da Operação Fames-19, no âmbito da Cautelar Inominada Criminal nº 129/DF.
  • São cumpridos mandados de busca e apreensão contra o governador e seus aliados.
  • Uma expressiva quantia em dinheiro vivo é apreendida com Wanderlei Barbosa e auxiliares.
  • O celular de Paulo César Lustosa Limeira é apreendido e, posteriormente, periciado.

Após agosto de 2024 – Diálogos 

A análise do aparelho de Paulo César Lustosa mostra que ele atuava como negociador de propinas em contratos do governo e de prefeituras.

  • Em mensagens trocadas com seu irmão, Wilton Rosa Pires, ele cita que, desde a transição do governo Mauro Carlesse para Wanderlei Barbosa, os esquemas de corrupção já estavam estruturados.
  • Conversas também revelam que propinas eram sempre pagas em espécie, e que o governador era visto como “guloso” em relação ao dinheiro.

2025 – Consolidação das provas

  • Relatórios complementares da PF mostram que operadores financeiros ligados ao gabinete do governador realizavam depósitos fracionados (smurfing) e pagavam boletos de alto valor em nome de Wanderlei Barbosa.
  • Documentos societários da Pousada Pedra Canga são registrados com urgência na JUCETINS, em tentativa de justificar aportes milionários sem origem lícita aparente.

2 de setembro de 2025 – Decisão do STJ

  • O ministro Mauro Campbell Marques defere medidas cautelares no Pedido de Busca e Apreensão nº 79/DF e na Cautelar Inominada Criminal nº 139/DF.
  • Entre elas, estão o afastamento de Wanderlei Barbosa do governo, a suspensão das atividades de empresas de fachada e a proibição de contato entre os investigados.
  • Pedidos de afastamento de deputados estaduais e do presidente da JUCETINS não foram acolhidos.

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