Descompasso entre servidores e realidade das unidades teria agravado crise na Secretaria de Cidadania e Justiça
23 julho 2025 às 16h14

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Matéria atualizada às 13h56, de 24/07/2025
A saída de Reginaldo Menezes da chefia da Secretaria de Cidadania e Justiça (Seciju), anunciada no início da semana, trouxe à tona o cenário de um possível desequilíbrio entre as estruturas dos sistemas penal e socioeducativo do Tocantins. Fontes internas revelam que, antes de deixar o cargo, o ex-secretário teria intensificado visitas técnicas sem aviso prévio às unidades socioeducativas, motivado por denúncias de suposto revezamento irregular de servidores e suposta ausência de demanda suficiente para justificar a atual estrutura funcional.
Em nota, a Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju) informou ao Jornal Opção Tocantins que desconhece as situações mencionadas. “No entanto, todos os pontos levantados serão apurados pela nova gestão, para que eventuais inconsistências sejam sanadas com responsabilidade, observando os critérios legais, administrativos e o melhor interesse da gestão pública”, disse.
Em uma das unidades de internação, localizada em Santa Fé do Araguaia, a situação teria chamado atenção de Reginaldo: relatos indicam que servidores permaneciam no local por curtos períodos ou sequer compareciam, mesmo recebendo integralmente seus salários. “Tem mais servidor do que interno. O Estado está pagando para o servidor ir embora antes da hora. Isso é jogar dinheiro público fora”, afirmou um servidor ligado ao sistema penitenciário, sob anonimato.
As visitas feitas por Reginaldo, sem prévio aviso à superintendência, teriam provocado desconforto interno e motivado a discussão acalorada entre ele e a superintendente do Sistema Socioeducativo, Zeroides Sousa Miranda – episódio que antecedeu a exoneração do secretário, como revelado anteriormente. Para interlocutores, a tensão teria sido agravada pelo fato de Reginaldo ter supostamente repassado ao alto escalão informações consideradas sensíveis sobre a estrutura e o funcionamento do sistema socioeducativo. No entanto, o ex-secretário, que voltou a ser executivo da Secretaria da Segurança Pública (SSP), afirma que sua saída já estava programada.
Tensão política
Apesar do desgaste gerado, há quem considere que a superintendente saiu fortalecida do embate. “Ela saiu como a mulher que derrubou um secretário. Isso foi bom pra imagem dela. Mas ele estava certo em fiscalizar”, avaliou um servidor. A leitura política do episódio pode ter pesado mais que os dados apurados nas visitas, segundo fontes da própria secretaria.
Internamente, também circula a preocupação de que o governo possa tentar remanejar servidores do socioeducativo para atuar no sistema prisional, o que pode gerar um entrave judicial. “Ouvi que queriam jogar esse pessoal do sistema socioeducativo no penal como se fossem policiais penais. Mas não pode, é inconstitucional, o concurso é diferente”, alertou um agente.
Enquanto isso, servidores do sistema penal denunciam sobrecarga e estrutura precária. “Aqui a gente está morrendo de trabalhar, e lá estão fingindo que têm serviço. A diferença é gritante, mas ninguém mexe nisso”, disse o mesmo servidor.
Nilomar dos Santos Farias, que já havia comandado a Seciju entre 2012 e 2014, reassume a pasta com o desafio de reorganizar a estrutura e responder às críticas.
Sindicato repudia equiparação entre carreiras
Recentemente, o Sindicato dos Policiais Penais do Tocantins divulgou nota oficial manifestando repúdio à tentativa de equiparação entre servidores do sistema socioeducativo e os policiais penais em relação à indenização por trabalho em ambiente de risco. Segundo a entidade, trata-se de uma “banalização” que ignora as especificidades, os riscos e a natureza policial da carreira.
“Trata-se de uma comparação injusta e indevida, pois essas carreiras não enfrentam os mesmos riscos, insalubridade e periculosidade do sistema prisional – reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma das profissões mais perigosas e estressantes do mundo”, diz o sindicato.
Na nota, a entidade também compara o efetivo e a carga de trabalho nas duas áreas: Polícia Penal: um policial penal para cada 30 presos; Sistema Socioeducativo: sete agentes para cada menor apreendido.
De acordo com o sindicato, atualmente são 1.066 policiais penais atuando em unidades superlotadas com mais de 4 mil detentos no Estado, sendo 800 apenas em Palmas. Já no sistema socioeducativo, são 328 agentes para cerca de 42 adolescentes em cumprimento de medida. “Muitos desses servidores estão lotados em funções administrativas por falta de demanda”, afirma a entidade.
A nota finaliza defendendo que cada categoria busque seu próprio reconhecimento legal: “É inaceitável que, de forma leviana, tentem justificar essa reivindicação escondendo a realidade do governo e da sociedade. Quem quer receber por atividade de risco precisa, de fato, exercê-la.”
Associação refuta
A Associação dos Servidores do Sistema Socioeducativo do Tocantins (Assoeto) pontuou, em nota, que a atuação nas unidades segue parâmetros definidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), com equipes técnicas e administrativas responsáveis pelo acompanhamento das rotinas e do cumprimento da carga horária dos servidores.
A entidade ressaltou que a existência de um número reduzido de adolescentes internados não significa ausência de trabalho ou de demanda no sistema, mas reflete a prioridade legal da aplicação de medidas em meio aberto e a adoção de estratégias de ressocialização fora do regime de internação. Segundo a associação, esse cenário exige acompanhamento técnico permanente, além de planejamento, fiscalização e presença constante dos servidores nas unidades.
Em relação à comparação entre as estruturas do sistema penal e do socioeducativo, a Assoeto ponderou que se tratam de funções distintas, com legislações, atribuições e riscos específicos. A entidade afirmou ainda que eventuais discussões sobre gratificações ou indenizações devem respeitar as particularidades de cada carreira, sem desconsiderar os desafios enfrentados por profissionais que atuam diretamente com adolescentes em situação de vulnerabilidade.
