Desigualdade salarial no Tocantins: mulheres recebem 18,7% a menos que homens, aponta relatório
27 setembro 2024 às 18h04
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No Tocantins, a diferença salarial entre homens e mulheres é de 18,7%, conforme aponta o 2º Relatório de Transparência Salarial, divulgado pelos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e das Mulheres. No Estado, os homens recebem uma média de R$ 2.923,49, enquanto a remuneração feminina é de R$ 2.377,71. O levantamento foi realizado com base nas informações fornecidas por 203 empresas com mais de 100 funcionários, de acordo com a exigência da Lei nº 14.611/2023, chamada de Lei de Igualdade Salarial, que visa a equiparação salarial entre os gêneros em funções equivalentes.
A disparidade salarial varia conforme o grupo ocupacional. Para cargos de direção e gerência, por exemplo, a diferença chega a 24,1%. O relatório também aborda as desigualdades raciais no mercado de trabalho. Mulheres negras, que compõem a maioria das trabalhadoras nas empresas participantes (12,7 mil), recebem em média 27,9% a menos do que as mulheres não negras, que somam 5,2 mil. Entre os homens, a diferença salarial entre negros e não negros é de 13,81%.
Além disso, o relatório destaca as ações das empresas para promover a igualdade de gênero no Estado. Cerca de 50,5% das empresas tocantinenses possuem planos de cargos e salários, e apenas 33,3% adotam políticas de incentivo à contratação de mulheres. Com relação à promoção de mulheres para cargos de gerência e direção, 36,4% das empresas implementam essa prática, enquanto 24,2% adotam políticas de incentivo para a contratação de mulheres negras.
A Lei de Igualdade Salarial exige que as empresas com mais de 100 funcionários enviem relatórios de suas contratações e políticas que facilitem o acesso e permanência de mulheres, o prazo final para enviar o relatório é dia 29 de setembro. Caso as empresas não publiquem seus relatórios e não apresentem planos de mitigação, poderão ser multadas em até 3% do valor da folha de pagamento. O relatório sugere que a transparência salarial pode se tornar uma ferramenta de pressão para que essas disparidades sejam corrigidas.
A esse respeito, o Jornal Opção Tocantins conversou com Cynthia Miranda, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Tocantins e doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UNB), que disse que essa desigualdade, apontada no relatório, é apenas um reflexo de uma desigualdade de gênero muito mais ampla no Brasil. Cynthia destacou que o Brasil ocupa uma posição muito desfavorável também no ranking de igualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial. O país ocupava a posição 94 em 2022, de um total de 146 países. Em 2023, subiu para 57, e neste ano ocupa o 70º lugar.
A professora também destacou a desigualdade política: “uma das coisas que puxa o índice do país para baixo é justamente a desigualdade política”, referindo-se à baixa representação das mulheres, não apenas em cargos eletivos, mas também em posições de liderança dentro das empresas. Ela falou do trabalho doméstico, que é majoritariamente feito por mulheres: “se observarmos que o trabalho doméstico é um trabalho fundamental para a manutenção da sociedade, que é feito basicamente por mulheres. É um trabalho invisível, é um trabalho que não tem valor, mas é um trabalho fundamental para manter a coesão social”, disse.
Cynthia também ressaltou a segregação profissional baseada em gênero, onde áreas predominantemente femininas são menos valorizadas financeiramente e socialmente: “ainda há uma diferença entre as profissões consideradas femininas e masculinas, e aquelas vistas como masculinas geralmente recebem uma remuneração e valorização social”, explica.
Outro ponto importante que ela destacou é que essa desigualdade impacta diretamente na criatividade e inovação das empresas. “Outro ponto que destaco é que a desigualdade salarial entre homens e mulheres tem um impacto negativo nas empresas, na própria questão da inovação e criatividade. A partir do momento que você não estimula financeiramente todos os funcionários, homens e mulheres, para ganhar o mesmo, você perde a oportunidade de que essas mulheres tenham interesse em desenvolver novas ideias, criativas e inovativas”.
Sobre a Lei de Igualdade Salarial, ela afirmou que, apesar de um avanço, apenas a legislação não basta para resolver o problema. “A criação da legislação é essencial, mas ela por si só não resolve. É necessário um acompanhamento rigoroso e o compromisso com a implementação, além de uma cobrança efetiva para que as empresas cumpram as normas”, enfatizou Cynthia.
Ela também apontou outro fator crucial que dificulta a ascensão das mulheres no mercado de trabalho: a sobrecarga da dupla e até tripla jornada. “Assumir um posto de decisão em uma empresa implica não só em maior renda, mas também em mais responsabilidades. Aí, você imagina uma mulher que já é responsável pelo trabalho doméstico, cuidar dos filhos, cuidar de enfermos, e ainda trabalha dentro e fora de casa. Além disso, muitas vezes estuda”, comenta a professora.
Cynthia chama a atenção para a falta de políticas públicas que deem suporte às mulheres nessas situações, como creches acessíveis ou serviços de apoio domiciliar, o que limitaria as oportunidades de ocuparem posições de liderança. “A chance de essa mulher aceitar um posto de decisão é pequena, porque ela não tem rede de apoio nem políticas que permitam conciliar todas essas responsabilidades”, afirmou.
Na parte final da entrevista, a professora Cynthia Miranda reforçou a importância de empresas e governos atuarem de forma conjunta e estratégica para combater a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Ela destacou o programa Pró-Equidade de Gênero e Raça do governo federal, mas ressaltou que, sozinho, ele não é suficiente para transformar a realidade, especialmente considerando as diferentes regiões do Brasil, cada uma com suas peculiaridades e demandas. “A nossa região Norte, por exemplo, tem suas especificidades, limitações e demandas. Então, é preciso que os governos estaduais se engajem, criem políticas e legislações, e acompanhem a sua implementação”, comentou Cynthia.
Por fim, a professora defendeu que as empresas precisam criar mais redes de apoio e possibilidades de aperfeiçoamento para as mulheres dentro das organizações, garantindo que elas tenham as mesmas oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional que os homens.