Gestão da Saúde de Porto Nacional é investigada por suspeita de irregularidades em licitação de R$ 2,2 milhões

28 abril 2025 às 11h51

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Possíveis irregularidades em uma licitação da saúde em de Porto Nacional estão sendo investigadas pelo Ministério Público do Tocantins (MPTO) que instaurou um inquérito para apurar o caso. O procedimento tem como alvo o Pregão Eletrônico nº 006/2024, realizado pelo Fundo Municipal de Saúde para aquisição de insumos hospitalares no valor de R$ 2.209.833,39.
A investigação foi aberta após o MP identificar ”fortes indícios de que diversos itens foram contratados por valores significativamente abaixo dos praticados no mercado”, o que pode configurar inexequibilidade, ou seja, preços tão baixos que tornam impossível a entrega regular dos produtos. Há ainda suspeitas de fraude e conluio entre empresas.
Entre os investigados, o MP menciona o pregoeiro Wilington Izac Teixeira e a secretária de Saúde Cristiane Nunes de Oliveira Aires Amaral.
A denúncia
Tudo começou com uma denúncia anônima protocolada no MP em novembro de 2024, feita por servidores públicos que relataram um supostas irregularidades dentro da gestão de compras da saúde municipal, sob responsabilidade do pregoeiro, o “Teixerinha”, como citado no corpo da denúncia:
Não vemos outra forma, como servidores, de acabar com o que está ocorrendo aqui em Porto Nacional com a gestão do pregoeiro Teixerinha e com a conivência dos gestores.
Segundo o relato, algumas empresas estariam ofertando valores irrisórios, como R$ 0,01 por fralda, para supostamente afastar concorrentes sérios e manipular o contrato com entregas parciais, substituições indevidas e superfaturamento indireto. A prática, segundo os denunciantes, “garantiria margens de retorno para todos os envolvidos”.
A denúncia também apontava a ausência de exigência de certificações sanitárias, a contratação de empresas sem estrutura física e sem Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE) compatível, e até a participação de empresas ligadas a pessoas com histórico criminal. Um dos nomes mencionados foi o de Muriel Santos Melo, citado em investigações sobre estelionato, falsificação de documentos públicos, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Ele estaria ligado a uma das empresas vencedoras do pregão, a JVMed Comércio de Medicamentos LTDA.
A resposta dos envolvidos
A denúncia levou à abertura de um Procedimento Preparatório (nº 2024.0013349), no qual o MP pediu esclarecimentos da Secretaria Municipal de Saúde. Em fevereiro de 2025, os principais suspeitos responderam oficialmente por meio de ofícios assinados pelo próprio pregoeiro Wilington Teixeira e pelo secretário executivo da Assistência Farmacêutica, Sóstennes José Silvestre.
Nas respostas, os gestores negam qualquer irregularidade. Alegam que os preços baixos foram frutos de livre concorrência e que, quando os valores ficaram abaixo de 50% do estimado, foram feitas as diligências previstas no edital para verificar a viabilidade das propostas. “Foram apresentadas justificativas técnicas pelas empresas vencedoras”, afirmou Teixeira em sua defesa.
A respeito da ausência de CNAE específico, os gestores citam jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) e doutrina jurídica para justificar que a habilitação não depende, necessariamente, de descrição minuciosa do objeto social da empresa, desde que haja comprovação de capacidade técnica.
Conflitos entre denúncia e defesa
Para o MP, a defesa apresentada não foi suficiente. A promotoria destacou que, mesmo com a previsão de averiguações no edital, não houve comprovação documental de que elas tenham sido feitas. Além disso, a principal empresa vencedora, a MC Cirúrgica Produtos Hospitalares, já teve mais de meio milhão de reais liquidados até fevereiro de 2025, enquanto os denunciantes alegam que essa mesma empresa não possui estoque nem estrutura para fornecer os itens contratados.
A MC Cirúrgica Produtos Hospitalares também é mencionada na denúncia por sua suposta ligação com João Coelho Neto, investigado em esquema de contratação de cestas básicas destinadas ao Governo do Tocantins, que motivou a Operação Fammes-19 da Polícia Federal em meados de 2024.
Além disso, os valores adjudicados, embora um pouco acima dos denunciados, ainda permanecem muito abaixo da média de mercado. Um exemplo citado foi o de seringas adquiridas por R$ 0,09, quando o preço estimado era R$ 0,17 com uma diferença de mais de 47%.

O que está sendo feito agora
Com os indícios apurados, o MP decidiu converter o procedimento em Inquérito Civil Público para aprofundar a investigação, como a requisição de notas fiscais, análise das estruturas societárias das empresas envolvidas e vistoria nos locais de armazenamento dos produtos.
Além disso, o MP recomendou ao prefeito Ronivon Maciel (UB), a suspensão imediata dos efeitos do contrato resultante da licitação e bloqueio de novos pagamentos até o encerramento das investigações.
O pregoeiro responsável, Wilington Izac Teixeira, foi notificado a prestar esclarecimentos formais sobre sua atuação no pregão.
O que diz a prefeitura
O Jornal Opção Tocantins entrou em contato com a gestão que afirmou que o processo licitatório foi conduzido dentro da legalidade, conforme a Lei nº 14.133/2021, com desclassificação de propostas inexequíveis e análise técnica de preços. A pasta também rebateu questionamentos sobre a compatibilidade do CNAE das empresas participantes, citando entendimento do TCU que prioriza a comprovação de capacidade técnica. Segundo a secretaria, não houve favorecimento e todas as informações estão sendo prestadas nos autos.
Confira a nota na íntegra:
Nota – Secretaria Municipal da Saúde
A Secretaria Municipal da Saúde informa que todo o processo de licitação citado foi conduzido de forma legal, respeitando integralmente a Lei nº 14.133/2021, que regula as licitações públicas em todo o país.
Durante o certame, a Secretaria Municipal de Compras, por meio do pregoeiro responsável, desclassificou todas as propostas com preços muito abaixo do mercado (preços inexequíveis), conforme previsão legal. Em alguns casos, as empresas foram solicitadas a apresentar a composição de preços, ou seja, demonstrar como chegaram aos valores ofertados.
Após análise, e constatando que alguns preços eram sim viáveis, o pregoeiro aceitou as propostas, sempre com base na lei.Não houve favorecimento de qualquer fornecedor participante do processo. Todo o procedimento foi conduzido com isonomia, responsabilidade e dentro da legalidade.
Por outro lado, ocorreu o apontamento da participação de empresas com CNAE incompatível, esclarecemos que o entendimento consolidado pelo TCU no Acórdão nº 571/2006 – 2ª Câmara, cujos fundamentos se aplicam ao caso: “Se uma empresa apresenta experiência adequada e suficiente para o desempenho de certa atividade, não seria razoável exigir que ela tenha detalhado o seu objeto social a ponto de prever expressamente todas as subatividades complementares à atividade principal.”
O Tribunal de Contas da União, seguindo essa lógica, considera ilegal a exigência de exclusão de licitantes apenas por não possuírem CNAE específico, quando comprovada a capacidade técnica, que foi o caso em questão, os participantes apresentaram o atestado de capacidade técnica conforme previsão do edital.
A Secretaria Municipal da Saúde vem prestando todas as informações nos autos.
Secretaria Municipal da Saúde
O Município desconhece qualquer irregularidade nos fatos narrados e reafirma que todo o procedimento licitatório foi conduzido em estrita conformidade com a legislação vigente, especialmente a Lei Federal nº 14.133/2021, com observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Cumpre esclarecer que o preço apontado na denúncia, e que chegou a ser publicado pelo jornal, foi referente a valores inicialmente ofertados no início da disputa, durante a fase pública do pregão eletrônico. Entretanto, o preço efetivamente praticado foi diverso e superior ao mencionado na denúncia, conforme registrado nos autos e devidamente homologado. Tudo indica que o denunciante, possivelmente participante do certame, agiu de forma precipitada, sem aguardar a conclusão do processo licitatório, resultando em informações distorcidas e desconexas da realidade.
Em atenção aos pontos abordados pela reportagem, as respostas são as seguintes.
1. Suspensão do contrato e bloqueio de pagamentos
Até o momento, o Município não recebeu qualquer recomendação formal, notificação ou decisão judicial determinando a suspensão da Ata de Registro de Preços ou o bloqueio de pagamentos. Eventual suspensão será oportunamente analisada após o conhecimento das causas apontadas, sempre resguardando o interesse público e a legalidade.
2. Ciência e posicionamento do Prefeito
O prefeito não foi formalmente cientificado da instauração do Inquérito Civil. Contudo, a gestão municipal acompanha o procedimento com responsabilidade institucional e reafirma total disposição para prestar esclarecimentos aos órgãos de fiscalização.
3. Fiscalização da capacidade de fornecimento
Durante a fase de habilitação, foram exigidos dos licitantes vencedores não apenas a apresentação de atestados de capacidade técnica compatíveis com o objeto licitado, mas também todos os documentos de habilitação previstos na Lei Federal nº 14.133/2021, nos estritos termos do edital, abrangendo as qualificações jurídica, técnica, fiscal, trabalhista e econômico-financeira.
Adicionalmente, para as propostas que apresentaram valores significativamente inferiores ao estimado, foram solicitadas planilhas de composição de custos, conforme disciplinado nos itens 7.5 a 7.8 do edital, como medida destinada a assegurar a efetiva exequibilidade dos preços ofertados.
Importante destacar que todos os atos praticados, incluindo habilitação, diligências e manifestações das empresas participantes, estão devidamente registrados em chats públicos no sistema eletrônico (Portal de Compras Públicas), o qual opera em integração com o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), assegurando a completa auditabilidade e a plena transparência de todas as etapas do certame.
As entregas realizadas também foram submetidas a conferências e inspeções amostrais pelas unidades da Central de Abastecimento Farmacêutico, como forma de controle da conformidade dos produtos entregues.
A Administração Municipal reafirma sua plena disposição para fornecer aos órgãos de controle todas as planilhas, documentos e informações necessárias, reiterando seu compromisso com a lisura, a governança e a correta aplicação dos recursos públicos.
4. Pessoas investigadas ligadas a empresas vencedoras
O processo licitatório teve o objetivo de contratar empresas, sendo exigidos, para fins de habilitação, os documentos previstos no edital, em conformidade com a Lei Federal nº 14.133/2021. Todas as empresas habilitadas apresentaram a documentação exigida, comprovando regularidade e capacidade jurídica para contratar com a Administração Pública. Não estavam na lista de inaptos e nem sequer foram declaradas inidôneas.
Ressalta-se que, na praxe das licitações públicas, não se exige a apresentação de documentos individuais dos representantes legais das empresas, mas apenas da pessoa jurídica licitante, salvo em hipóteses específicas previstas em lei, o que não se aplicava ao caso em análise. Não existia qualquer elemento formal que ensejasse a inabilitação das empresas participantes.
Caso seja comprovada posteriormente qualquer irregularidade, a secretaria de Saúde adotará as providências cabíveis, aplicando rigorosamente as sanções previstas na legislação vigente.
5. Pagamentos à MC Cirúrgica Produtos Hospitalares
A empresa MC Cirúrgica Produtos Hospitalares EIRELI recebeu, até a presente data, o montante aproximado de R$ 502.096,34, referente a entregas devidamente atestadas pelas unidades de saúde, conforme os procedimentos de conferência e recebimento previstos no edital e no contrato.
Destaca-se que a grande maioria dos insumos adquiridos já foi utilizada para suprir as necessidades da rede pública municipal de saúde, assegurando o atendimento contínuo aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
O saldo remanescente da Ata de Registro de Preços permanece registrado no sistema de gestão de compras, à disposição para eventual utilização, observadas as orientações técnicas e jurídicas decorrentes das apurações em curso.
6. Situação funcional do pregoeiro e da secretária de Saúde
Todo o procedimento licitatório foi realizado de forma exclusivamente eletrônica, por meio da plataforma Portal de Compras Públicas, sistema este que opera com integração direta ao Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), assegurando a rastreabilidade e a plena auditabilidade dos atos praticados.
Nesse ambiente eletrônico, não há contato físico entre o pregoeiro e os licitantes, sendo todas as interações — propostas, habilitações, diligências, impugnações e recursos — registradas em chats públicos e disponibilizadas para ampla fiscalização pelos órgãos de controle.
A secretária de Saúde, por sua vez, exerce exclusivamente a função de ordenadora de despesas, sem qualquer participação na condução técnica ou operacional do certame, cuja responsabilidade recai integralmente sobre a equipe de licitações.
Importante registrar que a fase de execução contratual, compreendendo o acompanhamento, o registro e o controle das entregas, compete à Assistência Farmacêutica, setor técnico responsável por assegurar o cumprimento das condições estabelecidas no edital e no contrato, em conformidade com os princípios da administração pública.
Ambos os servidores possuem reputação ilibada e reconhecida conduta ética e moral, não havendo, até o momento, qualquer fato concreto que justifique a instauração de procedimento disciplinar ou de apuração interna.
7. Apuração interna
Até o presente momento, não foi instaurado procedimento de apuração interna ou disciplinar, uma vez que o Município aguarda o recebimento formal dos elementos que fundamentaram a abertura do Inquérito Civil.
Concluída a comunicação oficial e realizada a análise pelas unidades técnicas e jurídicas competentes, caso sejam verificadas incongruências insanáveis, indícios de irregularidade ou violações aos princípios da administração pública, o Município adotará de forma imediata as providências legais cabíveis, inclusive a instauração de sindicância, processo administrativo disciplinar ou outras medidas necessárias à preservação do interesse público.
Considerações finais
A Prefeitura de Porto Nacional reafirma que:
- Todo o processo licitatório foi transparente, regular e competitivo;
- Todas as respostas e documentos comprobatórios foram prestados e apresentados ao Ministério Público.
Reafirmamos o compromisso com a gestão ética, a boa-fé administrativa e a total colaboração com os órgãos de controle e fiscalização.