O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) manifestou, em nota pública, sua “profunda preocupação” com o Projeto de Lei nº 2.159/2021, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta altera significativamente as regras do licenciamento ambiental no Brasil e, segundo a autarquia, pode trazer impactos irreversíveis ao patrimônio cultural brasileiro.

Vinculado ao Ministério da Cultura, o Iphan é responsável, desde 1937, pela preservação do patrimônio histórico, artístico e arqueológico nacional. A entidade destaca que sua atuação está ancorada na Constituição Federal, que reconhece a cultura como um direito coletivo e legitima a intervenção estatal na proteção da memória e da diversidade cultural brasileira.

Entre as principais críticas ao projeto está a criação da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite que o empreendedor assuma, por autodeclaração, o cumprimento das exigências legais, sem necessidade de análise prévia dos órgãos responsáveis. Além disso, o texto prevê a dispensa de licenciamento em diversos tipos de empreendimento, o que, para o Iphan, ameaça não apenas a integridade dos ecossistemas naturais, mas também locais históricos e sítios culturais relevantes.

“A redução do papel do Iphan nos processos de licenciamento enfraquece a análise especializada indispensável para assegurar que o desenvolvimento ocorra com respeito à história, à diversidade cultural e à memória coletiva da sociedade brasileira”, afirma a nota.

Como exemplo, o Instituto cita a descoberta do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro — sítio arqueológico que se tornou Patrimônio Mundial reconhecido pela Unesco. Segundo o órgão, esse achado só foi possível graças à sua participação em um processo de licenciamento ambiental. “Se as regras do projeto estivessem em vigor à época, essa memória teria sido apagada”, alerta o documento.

Além de sítios arqueológicos, o Iphan ressalta que o licenciamento tem sido essencial para proteger locais sagrados de povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como bens tombados e manifestações culturais imateriais. Ao todo, são mais de 2 mil ações anuais conduzidas pelo instituto no âmbito do licenciamento.

Para o Iphan, o projeto desfigura o papel do Estado na proteção dos direitos coletivos ao delegar exclusivamente ao empreendedor ou ao órgão licenciador decisões que exigem conhecimento técnico específico sobre patrimônio cultural. “O resultado pode ser a perda irreversível de referências culturais e o aprofundamento de desigualdades sociais já consolidadas”, adverte a nota.

“Preservar o patrimônio cultural é também preservar a democracia, a justiça e o direito à memória”, reforça o Iphan, que se coloca à disposição para colaborar na elaboração de um marco legal que garanta desenvolvimento sustentável e inclusivo.

Nota na íntegra:

“O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, responsável pela preservação do patrimônio cultural brasileiro desde 1937, manifesta sua profunda preocupação em relação ao Projeto de Lei nº 2.159/2021, que propõe diversas alterações no processo de licenciamento ambiental no País.

Ao longo de sua história, o Iphan tem contribuído para a proteção e valorização da cultura brasileira por meio de instrumentos como o tombamento, o registro de bens culturais imateriais e o cadastro de sítios arqueológicos. Durante seus 88 anos de existência, a atuação do Iphan está fundamentada na Constituição Federal, que reconhece a importância do patrimônio cultural como direito coletivo e avaliza a intervenção da autarquia para sua valorização e proteção, assegurando a preservação da memória e da cultura brasileiras.

Já o licenciamento ambiental é, por natureza, um instrumento de precaução e justiça socioambiental. Entre seus princípios, está o de garantir o equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente em todas as suas dimensões – natural, social e cultural. Dessa forma, ele também cumpre um papel essencial no combate às desigualdades históricas, ao assegurar que os empreendimentos respeitem os direitos coletivos e a memória de comunidades vulnerabilizadas.

Graças à sua atuação no licenciamento ambiental, o Iphan tem promovido mais de 2.000 ações anuais voltadas à preservação, pesquisa e valorização do patrimônio cultural brasileiro. Um exemplo emblemático foi a descoberta do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, que, pela sua importância, é considerado não apenas um bem do Brasil, mas um Patrimônio Mundial reconhecido pela Unesco. Essa identificação só foi possível com a participação do Iphan em um processo de licenciamento ambiental, que, se realizado sob as regras propostas no atual Projeto de Lei, jamais teria ocorrido, e essa memória teria sido apagada. Da mesma forma, o Iphan tem promovido a proteção de locais sagrados pertencentes a povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como de locais tombados e manifestações culturais imateriais, ações fundamentais que também dependem da sua atuação nos processos de licenciamento.

O PL nº 2.159/2021, ao estabelecer a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) como regra geral baseada na autodeclaração do empreendedor e ao prever a dispensa do licenciamento em diversas situações, ameaça não apenas a integridade dos ecossistemas, mas também o patrimônio cultural brasileiro. A redução do papel do Iphan nos processos de licenciamento enfraquece a análise especializada indispensável para assegurar que o desenvolvimento ocorra com respeito à história, à diversidade cultural e à memória coletiva da sociedade brasileira.

Ao delegar exclusivamente ao empreendedor ou ao órgão licenciador decisões que demandam conhecimento técnico específico sobre o patrimônio cultural, o projeto desfigura o sentido do licenciamento ambiental e enfraquece o papel do Estado na proteção dos direitos coletivos. O resultado pode ser a perda irreversível de referências culturais e o aprofundamento de desigualdades sociais já consolidadas.

Diante disso, o Iphan reitera sua grave preocupação quanto aos impactos do Projeto de Lei e conclama os parlamentares da Câmara dos Deputados a aprofundarem o debate sobre o tema e reformularem a proposta atual. Preservar o patrimônio cultural é também preservar a democracia, a justiça e o direito à memória. O Iphan reafirma seu compromisso institucional com a proteção do patrimônio brasileiro e se coloca à disposição para contribuir na reconstrução desse texto e na formulação de marcos legais que assegurem o desenvolvimento sustentável e inclusivo.”