A Justiça Federal do Tocantins, por meio da 2ª Vara Federal Cível, determinou que o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Tocantins pague uma indenização no valor de R$ 30.000,00 como reparação por danos morais causados ao delegado Luís Gonzaga da Silva Neto, titular da 26ª Delegacia de Araguaína, região norte do estado. Além disso, a sentença declarou a nulidade do desagravo, proferido contra a autoridade policial, aprovado pelo mencionado Conselho Seccional, devido à ilegalidade do ato.

O episódio em questão ocorreu no dia 17 de abril do ano passado, quando Gonzaga, na condição de delegado, impediu o advogado Victor Gutieres Ferreira Milhomem de acompanhar os termos de depoimento de testemunhas no âmbito de um inquérito policial que investigava crimes sexuais cometidos pelo ex-secretário de esporte, cultura e lazer de Araguaína. Esta investigação, inclusive, já foi concluída, com o ex-secretário de esportes de Araguaína indiciado pelos crimes de perseguição (stalking), importunação sexual e assédio sexual contra mulheres que eram suas subordinadas.

A Justiça entendeu que o delegado agiu conforme o art. 7º, inciso XXI, da Lei nº 8.906/1994 – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, que estipula o direito do advogado de assistir seus clientes investigados durante a apuração de infrações. A Justiça argumentou que segundo a Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal, é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados em processo investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, desde que digam respeito ao exercício do direito de defesa. Portanto, a Justiça compreendeu que o advogado detinha apenas o direito de acesso a elementos de prova já documentados e não à diligência em curso, como foi o caso em questão.

Além disso, argumentou que o §11 do art. 7º da Lei nº 8.906/1994 prevê que, no caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente pode limitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, eficácia ou finalidade das diligências.

Após o incidente, a OAB Tocantins notificou o delegado sobre a abertura de um procedimento de desagravo, concedendo-lhe prazo de cinco dias para se defender. Posteriormente, em 25 de maio de 2023, o Conselho Seccional da OAB aprovou o desagravo, que foi realizado em frente ao Complexo de Delegacias da Polícia Civil de Araguaína em 11 de agosto do mesmo ano, com ampla divulgação pela instituição em suas redes sociais e sites de notícias, inclusive com transmissão ao vivo em sua conta.

Diante da ilegalidade do desagravo, o delegado moveu uma ação na Justiça Federal pleiteando a anulação do ato e o pagamento de indenização por danos morais, pedidos que foram integralmente acolhidos pelo Juízo da 2ª Vara Federal Cível.

Em sua defesa, a OAB/TO argumentou que o desagravo não está sujeito ao controle jurisdicional nem à observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, argumentos que foram rejeitados pela Justiça Federal sentenciante: “A Ordem dos Advogados do Brasil não se qualifica como uma potestade superior, acima do bem e do mal, e insubmissa ao direito brasileiro posto (…) submete-se inteiramente às leis do país”.

A sentença reconheceu que o desagravo promovido contra Gonzaga violou o devido processo legal, gerando consequências graves e nocivas contra a reputação funcional da autoridade policial. No caso, conforme a sentença, deveria ter sido concedido o prazo legal de 15 dias para que o delegado pudesse prestar os esclarecimentos necessários, mas, de fato, foi concedido um prazo cinco dias, o que foi considerado insuficiente e ilegal.

A OAB Tocantins alegou não se submeter ao crivo do devido processo legal, argumento novamente rejeitado pela Justiça Federal, que entendeu que submissão da aprovação do desagravo ao devido processo legal tem por finalidade assegurar que a manifestação do pensamento corporativo não seja exercida de forma abusiva e que os fatos que ensejaram a manifestação expressem a verdade.

A Justiça também destacou que o Conselho Seccional da OAB agiu com extremo descuido ao aprovar o desagravo, mesmo diante da ilegalidade do procedimento, o que resultou na exposição midiática prejudicial à reputação do delegado.

Quanto ao direito à indenização por danos morais, a Justiça Federal explicou na sentença que a reputação pessoal e funcional do delegado foram afetadas pela exposição midiática de fatos precipitadamente apurados pela OAB/TO, ignorando o exercício do contraditório.

A OAB Tocantins se manifestou, através de seu presidente, Gedeon Pitaluga:

A Ordem dos Advogados do Brasil não se calará. Ela continuará em defesa das prerrogativas da advocacia tocantinense, seja em Araguaína, em Gurupi ou no Bico do Papagaio, continuando fazendo desagravos a cada violação de prerrogativas que assim o fizer. O Conselho Federal e a Ordem dos Advogados estarão do lado de cada advogado e advogada nessa luta, manifestando em defesa do exercício profissional de forma livre, como é previsto na Constituição Federal e em toda a legislação pertinente.