Em 2024, o Tocantins registrou 121 boletins de ocorrência por crimes relacionados à discriminação racial, sendo 84 por injúria racial e 37 por racismo. No acumulado de 2025 até o último dia 8 de maio, já são 38 registros, o que aponta para a possível manutenção do cenário atual até o fim do ano. Diante desses dados, o Ministério Público do Tocantins (MPTO) destaca que o 13 de Maio, data da assinatura da Lei Áurea em 1888, é um marco que vai além da celebração formal da abolição, servindo como referência para a análise dos impactos históricos da escravidão e da permanência de desigualdades estruturais.

A abolição, embora importante, não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem a inclusão social e econômica dos libertos. Conforme explica o promotor de Justiça Lucas Abreu Maciel, “os milhões de recém-libertos ficaram sem terra, sem educação formal, sem acesso a trabalho digno. A maioria foi condenada à marginalização, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão”. Esse contexto fundamenta o conceito de “abolição inacabada” e contribui para a compreensão atual do chamado “racismo estrutural”, caracterizado por práticas, normas e visões que perpetuam desigualdades raciais, muitas vezes de forma velada.

O tema foi abordado no programa Cidadania em Foco, transmitido pela rádio UFT FM e também disponível na plataforma Spotify, por meio do link.

Racismo estrutural e outras formas de exclusão

Segundo Maciel, a lógica da desumanização e hierarquização que sustentava o regime escravocrata ultrapassou as questões raciais e passou a alimentar outras formas de discriminação. “Essa mentalidade transbordou para outras formas de opressão, como o machismo, a homofobia, a transfobia, o capacitismo (discriminação contra pessoas com deficiência) e a xenofobia (preconceito contra estrangeiros)”, aponta.

Nesse cenário, o promotor cita decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que enquadraram a homofobia e a transfobia como crimes de racismo, nos termos da Lei nº 7.716/89. “O STF reconheceu a omissão do Congresso em legislar sobre o tema e entendeu que a LGBTQIA+fobia também é uma forma de discriminação estrutural, que atinge um grupo vulnerável de forma coletiva, de modo similar ao racismo”, explica.

De acordo com Maciel, os efeitos dessa forma de exclusão são percebidos em diversas áreas. “Índices elevados de violência contra essa população, maior dificuldade de acesso ao trabalho, maior grau de evasão escolar e exclusão de espaços de poder” são exemplos destacados.

Atuação institucional do Ministério Público

A atuação do Ministério Público, conforme estabelece o artigo 127 da Constituição Federal, é voltada à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos fundamentais, entre eles a dignidade da pessoa humana e a igualdade.

No combate à discriminação, o MPTO atua em diferentes esferas. “Na esfera criminal, promovemos a persecução penal de crimes, como racismo, injúria racial ou outras injúrias discriminatórias, e crimes de ódio, incluindo os motivados por LGBTQIA+fobia, aplicando a Lei de Racismo conforme decisão do STF”, detalha Maciel.

“Na esfera cível e extrajudicial”, continua o promotor, “fiscalizamos políticas públicas de inclusão, como a implementação de cotas raciais e a garantia de acessibilidade para pessoas com deficiência. Também combatemos a chamada discriminação indireta, que é aquela que decorre de regras aparentemente neutras, mas que na prática geram impacto desproporcional contra um grupo. Um exemplo é a imposição de Testes de Aptidão Física (TAF) excessivamente rigorosos em concursos públicos, sem justificativa adequada para o cargo, que podem excluir indevidamente pessoas com deficiência plenamente aptas a exercer a função”. O MPTO pode expedir recomendações a órgãos públicos e privados e, se necessário, ajuizar ações civis públicas para corrigir práticas discriminatórias.

Pena para o crime

Com a entrada em vigor da Lei nº 14.532/2023, a pena para o crime de injúria racial foi ampliada, conferindo tratamento mais severo à conduta. A mudança reforça a classificação dessa prática como grave e com impacto coletivo.

“Além de refletirem a presença persistente do racismo estrutural, vale ressaltar que os dados mostram que muitas das discriminações deixam de ser registradas, seja por medo, vergonha ou desconhecimento sobre os canais de denúncia. O enfrentamento desse tipo de crime exige, portanto, tanto o fortalecimento institucional quanto o engajamento social para estimular a denúncia, a responsabilização e a construção de uma cultura de respeito e igualdade”, ponderou o promotor de Justiça.

Encaminhamentos e canais de denúncia

O promotor afirma que o enfrentamento à discriminação exige participação ativa da sociedade. “A mudança começa com a consciência individual”, declara Maciel. “Todos nós temos a responsabilidade de não naturalizar piadas ofensivas, estereótipos e comentários discriminatórios. É preciso ouvir ativamente as pessoas dos grupos marginalizados, reconhecer privilégios e ser um aliado na promoção de oportunidades iguais”.

As pessoas que presenciarem ou forem vítimas de atos discriminatórios podem acionar os seguintes canais:

  • Polícia Civil: registro de boletim de ocorrência presencial ou pela delegacia virtual, quando aplicável.
  • Disque 100 (Direitos Humanos): canal nacional, gratuito e anônimo para denúncias de violações de direitos humanos.
  • Defensoria Pública: para atendimento jurídico gratuito à população de baixa renda.
  • Órgãos especializados: como a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM), entre outros.

Participação social

“Cada denúncia contribui para que nossa sociedade avance no sentido da justiça e da igualdade, responsabilizando aqueles que cometem atos discriminatórios”, finaliza o promotor. O Ministério Público do Tocantins mantém seus canais de atendimento disponíveis: telefone 127 (Ouvidoria), site www.mpto.mp.br e o aplicativo MPTO Cidadão.