Marlon Reis critica propostas para flexibilizar Lei da Ficha Limpa que podem tornar Bolsonaro elegível em 2026

08 fevereiro 2025 às 09h53

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Nas últimas semanas, aliados de Jair Bolsonaro (PL) no Congresso Nacional protocolaram projetos que visam flexibilizar as regras da Lei da Ficha Limpa, com o objetivo de beneficiar diretamente o ex-presidente. Um dos projetos, apresentado pelo deputado Hélio Lopes (PL-RJ), restringe a inelegibilidade por abuso de poder político ou econômico apenas a quem tiver condenação criminal. Já o deputado Bibo Nunes (PL-RS) propõe reduzir o período de inelegibilidade de oito para dois anos, o que permitiria a candidatura de Bolsonaro nas eleições de 2026.
A reação de Bolsonaro também repercutiu. Em suas redes sociais, ele classificou a Ficha Limpa como uma ferramenta de “perseguição política” e afirmou estar trabalhando pela redução do prazo de inelegibilidade para dois anos. Atualmente, Bolsonaro está inelegível até 2030, conforme decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção Tocantins, o advogado Marlon Reis, idealizador da Lei da Ficha Limpa, comentou sobre os recentes projetos no Congresso Nacional que visam alterar pontos cruciais da legislação eleitoral, como a redução do prazo de inelegibilidade. Reis destacou os impactos dessas mudanças para a integridade do processo eleitoral e o combate à corrupção no Brasil, além de alertar para o risco de esvaziamento da legislação. Confira abaixo a íntegra da conversa.
Qual a sua opinião sobre a proposta de reduzir o período de inelegibilidade de oito para dois anos? Essa mudança comprometeria o espírito da Lei da Ficha Limpa?
Essa proposta representa um dos maiores retrocessos que já se tentou impor ao sistema eleitoral brasileiro. A Lei da Ficha Limpa não surgiu por acaso. Ela nasceu de uma mobilização histórica da sociedade, que entendeu a necessidade de afastar da política aqueles que cometeram graves ilícitos. Reduzir o prazo de inelegibilidade para dois anos é praticamente extinguir a punição, já que, na prática, nem mesmo impediria a participação na eleição imediatamente seguinte. Essa mudança comprometeria por completo o espírito da lei, que é garantir que o processo eleitoral seja disputado de forma íntegra e sem a presença de candidatos que tenham recorrido a fraudes e abusos de poder.
O deputado Bibo Nunes argumenta que a punição de dois anos seria proporcional e já existem outros mecanismos de responsabilização política. Como o senhor avalia essa justificativa?
Esse argumento não se sustenta. Primeiro, porque o prazo de dois anos não tem qualquer efeito prático, pois, em razão da forma como os prazos eleitorais são contados, permitiria que o condenado retornasse rapidamente à disputa. Segundo, porque outros mecanismos de responsabilização – como o processo penal – não substituem a inelegibilidade, já que a responsabilização criminal é um processo demorado, sujeito a múltiplos recursos, o que permite que o condenado postergue indefinidamente sua punição. A inelegibilidade, por outro lado, tem um efeito imediato e preventivo, afastando das eleições aqueles que já foram condenados por um colegiado, protegendo a integridade do processo eleitoral.
A Lei da Ficha Limpa foi criada para fortalecer a ética na política. Caso o PLP 141/2023 seja aprovado, quais seriam as implicações práticas para o combate à corrupção eleitoral?
A primeira consequência prática seria um verdadeiro “liberou geral” para candidaturas de políticos condenados por crimes eleitorais graves, como compra de votos, desvio de recursos públicos para campanhas, ameaças e suborno de eleitores. Isso fragilizaria completamente o combate à corrupção eleitoral. A Lei da Ficha Limpa foi uma das poucas salvaguardas que restaram no Brasil contra esse tipo de prática, e sua desmontagem abriria um caminho perigoso para a degradação das eleições.
Como o senhor enxerga o possível impacto dessa proposta na credibilidade do sistema eleitoral e na confiança dos eleitores nas instituições?
O impacto seria devastador. O eleitor já desconfia do sistema político por conta dos inúmeros escândalos de corrupção que marcaram nossa história recente. Se essa proposta for aprovada, veremos criminosos condenados disputando eleições sem qualquer impedimento, o que enfraquecerá ainda mais a confiança do cidadão na Justiça Eleitoral e nas instituições como um todo. A população brasileira lutou para conquistar uma democracia mais transparente, e esse projeto vai na contramão desse avanço.
Se a redução do prazo for aprovada, é juridicamente possível aplicar essa mudança retroativamente? Nesse sentido, o ex-presidente Bolsonaro poderia ser recolocado nas urnas em 2026? Quais precedentes poderiam ser usados como base para essa discussão?
Sim, é possível. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal é clara ao estabelecer que regras sobre inelegibilidade têm aplicação retroativa, pois não se trata de punição, mas de uma condição para o exercício do direito de ser votado. Isso significa que, se essa mudança for aprovada, ela permitirá a candidatura de Jair Bolsonaro em 2026, além de muitos outros políticos que hoje estão inelegíveis.
Como foi o processo de ampliação do prazo de inelegibilidade para oito anos na Lei da Ficha Limpa? Qual foi o principal objetivo dessa alteração na época?
Antes da Lei da Ficha Limpa, o prazo era de apenas três anos. Isso permitia que um candidato condenado por compra de votos, por exemplo, já pudesse participar da eleição seguinte para o mesmo cargo, tornando a punição ineficaz. Por isso, foi necessário ampliar o prazo para oito anos, garantindo um tempo razoável para que a sanção tivesse um efeito real, impedindo que políticos condenados voltassem rapidamente à disputa eleitoral. Esse prazo foi estabelecido justamente para que a inelegibilidade tivesse um caráter preventivo e realmente representasse um desestímulo à prática de ilícitos eleitorais.
Que recado o senhor daria aos parlamentares e à sociedade sobre a importância de preservar a integridade da Lei da Ficha Limpa diante de propostas que possam alterá-la?
A sociedade precisa estar atenta e mobilizada. Os parlamentares que apoiarem esse projeto não serão esquecidos. Em 2024, houve uma tentativa parecida de enfraquecer a lei, mas a reação popular foi tão forte que o Senado barrou a proposta. Agora, a diferença é que o debate já começa sob os holofotes da sociedade. A pressão popular será fundamental para impedir esse retrocesso.
Diante de um cenário de polarização política, quais seriam os desafios para manter a imparcialidade e a transparência nas decisões judiciais relacionadas à inelegibilidade?
A imparcialidade exige que a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal ajam com base na Constituição e nas normas democráticas, sem ceder a pressões políticas. O maior desafio é lidar com a tentativa constante de transformar o combate à corrupção em uma disputa ideológica. Mas é preciso ter clareza: a inelegibilidade não tem cor partidária. Ela existe para proteger o processo eleitoral de candidatos que não respeitaram as regras do jogo democrático.
O senhor deu uma entrevista em 2024 sobre uma ofensiva de mesmo teor na CCJ do Senado. Acredita que essa movimentação atual é mais perigosa no sentido de prosseguir?
Desta vez, a tentativa está mais estruturada, e o risco de aprovação existe, pois há um grupo significativo de parlamentares que têm interesse direto na mudança da lei. Mas há um diferencial importante: a sociedade está acompanhando de perto o tema desde o início do processo legislativo, o que aumenta as chances de reverter essa tentativa de retrocesso.
Caso o PLP seja aprovado, como o senhor avalia o papel do STF em julgar a constitucionalidade dessa mudança e suas possíveis repercussões?
O Supremo Tribunal Federal pode e deve declarar essa mudança inconstitucional. Eu, pessoalmente, tenho estudado os fundamentos constitucionais que sustentam a impossibilidade de reduzir esse prazo. O primeiro deles é que a Constituição exige que o prazo de inelegibilidade seja razoável, e um período de dois anos é completamente irrazoável. O segundo é a vedação ao retrocesso, um princípio já reconhecido pelo STF, que impede que direitos fundamentais sejam enfraquecidos. A Lei da Ficha Limpa garante eleições livres e justas, e qualquer tentativa de esvaziá-la deve ser barrada pelo Supremo.
O senhor acredita que essa proposta pode abrir precedentes para mudanças futuras que enfraqueçam ainda mais os mecanismos de controle da elegibilidade no Brasil?
Sem dúvida. Se essa mudança passar, será o que faltava para abrir caminho para o desmonte completo das leis de combate à corrupção no Brasil. Essa não é uma proposta isolada. Ela faz parte de um movimento mais amplo para enfraquecer as regras de integridade eleitoral e garantir que políticos condenados continuem no poder sem qualquer impedimento.
O senhor, sendo idealizador da Lei da Ficha Limpa, acredita que aos poucos os políticos brasileiros estão deixando de lado o receio de cometer irregularidades eleitorais ou administrativas, confiando que propostas como a redução do período de inelegibilidade podem facilitar a impunidade? Com o tempo, o senhor acredita que isso pode desmotivar a população, que antes ia às ruas para protestar e defender mudanças, mas agora parece mais descrente da força do voto e das mobilizações populares?
Infelizmente, a sensação de impunidade tem se intensificado, e essa proposta é um reflexo disso. Alguns políticos estão testando os limites do sistema, vendo até onde conseguem avançar para enfraquecer as regras de combate à corrupção. Mas a sociedade brasileira já mostrou, em diversos momentos, que não aceita retrocessos. A população precisa continuar vigilante e mobilizada. Cada vez que tentarem desmantelar a Lei da Ficha Limpa, a sociedade deve responder com firmeza. Essa batalha não é apenas jurídica, mas também política e social.