Por Fernando Maciel Vieira

Ah, chegou o 15 de outubro, o glorioso Dia dos Professores! Aquele dia mágico em que o Brasil inteiro lembra que professor existe. As escolas distribuem bolo seco, flores de papel crepom e mensagens motivacionais no grupo do WhatsApp:

Parabéns, mestre! Você é luz, guia e base da sociedade!

É bonito, né? Dá até vontade de chorar. E a gente chora mesmo — não de emoção, mas porque o contracheque ainda não caiu e o PCCR continua sendo uma lenda urbana contada por gestores otimistas.

Ser professor no Brasil é viver numa comédia de costumes sem roteiro e sem final feliz. É um eterno stand-up da vida real, só que sem cachê e sem aplausos. Todo mundo diz que o professor é importante, mas ninguém quer ser ele. Porque o salário é baixo, a cobrança é alta e a culpa é… dele. Sempre dele.

O professor e sua ilha (sem Wi-Fi e sem apoio)

Na teoria, o professor é o herói. Na prática, é o culpado por tudo: Aluno não aprende? Culpa do professor. A família não acompanha? Culpa do professor. A escola não tem estrutura? Culpa do professor. Choveu no dia da prova? Culpa do professor. O professor virou o bode expiatório oficial da nação.

Está isolado em sala de aula, cercado de demandas, formulários, metas e adolescentes hiperconectados — e ainda tem que sorrir. O resto da sociedade assiste de longe, como quem vê um incêndio e comenta:

Nossa, o professor deveria apagar esse fogo com mais empatia.

A pandemia e a epifania dos pais

Mas veio a pandemia, e, por um breve instante, o Brasil entendeu o que é ser professor. Foi uma experiência mística: Pais trancados em casa com dois filhos, um celular e uma professora tentando explicar multiplicação pelo WhatsApp.

De repente, as famílias descobriram que ensinar não é apertar play num vídeo do YouTube.
E que controlar uma criança de 7 anos já é um desafio olímpico, imagine 30, 40 adolescentes na mesma sala, cada um com um fone no ouvido e o outro na lua.

Por algumas semanas, os professores foram valorizados. Mas passou. Logo o discurso mudou:
“Ah, eles estão reclamando demais… têm férias, né?” Sim, férias — aquelas em que o professor planeja o próximo semestre, corrige atividades e reza pra impressora funcionar.

As contradições da sala de aula

A lógica é simples: o professor nunca acerta. Se cobra, é ditador. Se brinca, é palhaço. Se é firme, é insensível. Se é compreensivo, é fraco. Se dá nota baixa, é vingativo. Se aprova demais, é conivente.

E quando o aluno erra, a família entra em cena como advogada de defesa: “Meu filho não aprendeu porque o senhor não explicou direito.” Ah, claro. O menino passa o ano todo com fone, TikTok e lanche dentro do estojo, mas a culpa é da explicação.

O professor virou o vilão perfeito: não pode errar, não pode se irritar, não pode adoecer. Se está cansado, “é porque perdeu o amor pela profissão”. Perdeu o amor nada — perdeu foi o direito de ser gente.

A grande mentira do “professor vocacionado”

Outra pérola nacional: “Ah, mas quem é professor é porque ama o que faz.” Sim, ama tanto que trabalha em três escolas, dá aula em duas cidades e ainda prepara atividades de madrugada. Mas tudo bem — afinal, “quem ama, não reclama”, né? Transformaram o amor em justificativa pra precarização.

Como se o afeto pagasse aluguel, o carinho pagasse transporte, e a vocação cobrisse o rombo no contracheque. O professor é tratado como missionário, e o salário dele, como penitência.

As homenagens e os esquecimentos

E assim, todo 15 de outubro é igual. As homenagens são bonitas, sinceras até — por 24 horas.
Depois, o país inteiro volta à rotina: pais que não acompanham, gestores que não escutam, alunos que testam a paciência humana e governos que fingem que investir em educação é gasto. E lá está ele: o professor.

Corrigindo provas às 23h, respondendo mensagem de mãe às 00h15, e ouvindo alguém dizer:
“Mas você só trabalha de manhã, né?” Não, meu caro. O professor trabalha o tempo todo.

De manhã, dá aula. À tarde, planeja. À noite, corrige. E de madrugada, tenta lembrar por que ainda acredita que isso tudo faz sentido.

Conclusão

Então, parabéns, professor. Pelo seu dia, pela paciência e pela capacidade quase divina de rir do próprio sofrimento. Porque ser professor no Brasil é uma mistura de fé, comédia e resistência. E se existe uma palavra que define bem essa profissão, não é “vocação”. É sobrevivência.