Sem concessão, mineradora que teria pago propina ao Judiciário do Tocantins pode ter faturado R$ 6,6 milhões por ano
30 agosto 2024 às 17h10
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Dados da Econodata, plataforma brasileira especializada em fornecer informações sobre empresas, mostram que Continental Logística Ltda, que tem como nome Ore MN Mineração em processos que responde, pode ter tido um faturamento anual de até R$ 6,6 milhões. A empresa de mineração é suspeita de pagar propina ao Poder Judiciário do Tocantins para continuar extraindo minério sem concessão. A soma dos valores considera dois Cadastros Nacionais da Pessoa Jurídica (CNPJ) vinculados à empresa e ao representante dela.
A decisão do ministro João Otávio de Noronha, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que autorizou a Operação Máximus da Polícia Federal (PF), revela que investigações apontaram suspeitas de corrupção envolvendo o desembargador Helvécio de Brito Maia Neto e a mineradora que opera na zona rural de Goianorte, a 250 km de Palmas.
A redação do Opção Tocantins questionou o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Tocantins (OAB-TO) e a empresa sobre os supostos casos de corrupção no âmbito da Operação Máximus. Até o momento, não obtivemos respostas às solicitações de esclarecimento do TJTO. A OAB Tocantins disse que vai se posicionar quando tiver acesso aos autos. A empresa não atendeu às nossas ligações. O Opção Tocantins está à disposição para publicar as versões dos citados assim que forem recebidas.
Entenda o caso
Segundo documentos obtidos e interceptações telefônicas feitas pela PF, Thalles Maia, filho do desembargador, teria atuado como intermediário em negociações para garantir decisões judiciais favoráveis à empresa, supostamente em troca de pagamentos ilícitos.
Conforme a investigação, a origem das suspeitas remonta a uma ação judicial de reintegração de posse proposta pela empresa GN Mineradora e Comércio de Minérios. A ação buscava retomar uma área de mineração, descrita como “gleba de terras rurais” com cerca de 125 hectares, localizada no Loteamento Araguacema, em Goiatins.
Em 22 de julho de 2021, a sentença de mérito foi favorável à GN, determinando a reintegração da posse após o trânsito em julgado da decisão. No entanto, a situação se complicou quando a Ore Mineração, que continuava explorando a área, recorreu da decisão.
Em 17 de janeiro de 2022, a Ore MN entrou com uma apelação nos autos e, no mês seguinte, solicitou o efeito suspensivo da apelação. Ambas as solicitações foram encaminhadas ao desembargador Helvécio, que concedeu o efeito suspensivo, permitindo à Ore MN continuar as atividades de mineração na área contestada. A PF suspeita que essa decisão tenha sido influenciada por um esquema de propina.
Áudios e mensagens de texto coletados pela investigação reforçam essa hipótese. Em uma das conversas, o advogado Daniel Almeida Vaz, sócio da empresa Almeida Vaz, negocia diretamente com Thalles Maia sobre a obtenção de decisões favoráveis à Ore Mineração. Além disso, em outra conversa, Thalles Maia troca mensagens com José Alexandre Silva, representante da Ore, em que é discutida a “atualização de um processo”, mencionando que “a hora da fatura” estava próxima. Para a PF, o diálogo sugere que pagamentos ilegais estariam sendo combinados para garantir os provimentos judiciais favoráveis.
Os registros financeiros também levantaram suspeitas. Após a decisão favorável à Ore em fevereiro de 2022, foram identificadas transferências bancárias de Daniel Vaz para a empresa de Thalles Maia, a TAPM., totalizando R$ 75.000,00. Conforme apurado pela PF, essas transações teriam ocorrido logo após a concessão do efeito suspensivo e envolviam múltiplos depósitos feitos em fevereiro e março de 2022, sendo R$ 25.000,00 em 23 de fevereiro de 2022 e mais R$ 50.000,00 em 3 e 4 de março de 2022.
Outros investigados
A investigação não se limita ao desembargador Helvécio. Conforme a decisão do STJ, outros magistrados, incluindo as desembargadoras Etelvina Maria Sampaio Felipe e Ângela Prudente, também estão sob investigação por suas possíveis participações no esquema. Elas são suspeitas de manterem os autos do caso sob sigilo injustificado e de conceder efeito suspensivo a recursos extraordinários e especiais apresentados pela Ore, o que teria prolongado indevidamente a exploração mineral pela empresa.
Mais valores
Além das transferências financeiras, novos indícios apontam para a continuidade dos pagamentos à organização criminosa em troca de decisões judiciais favoráveis. Conversas extraídas de áudios enviados por Daniel Vaz a Thalles Maia indicam uma insatisfação com o pagamento de valores de forma fracionada, e José Alexandre, representante da Ore MN, é pressionado a cumprir os valores combinados. Novos depósitos foram realizados pela empresa A. V. L., totalizando R$ 100.000,00 entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, sendo R$ 45.000,00 em 23 de dezembro de 2022, R$ 40.000,00 em 2 de janeiro de 2023, e R$ 15.000,00 em 18 de janeiro de 2023.