Após 14 anos sem concurso para professores e coordenadores pedagógicos, o Tocantins realizou em 2023 o maior certame da história da rede estadual, com 5.242 vagas distribuídas por município. Mas a expectativa de muitos aprovados se transformou em frustração.

Em entrevista exclusiva concedida nesta quinta-feira, 5, ao Jornal Opção Tocantins, o secretário estadual da Educação, Fábio Vaz, detalhou os principais gargalos enfrentados pelo processo, explicou os limites legais para redistribuição de vagas e rebateu críticas sobre contratos, salários e supostas desigualdades.

Depois de 14 anos sem concurso, o Tocantins não pode errar na condução desse processo

Segundo Fábio Vaz, a decisão de realizar um concurso por cidade foi pensada para responder às carências reais da rede. “O último concurso tinha sido em 2009. Fizemos um com mais de 5 mil vagas. E mais: distribuídas por município. Eu preciso do professor de química lá em Marianópolis, do de biologia em Guaraí. Foi pensado para realidade de cada lugar”, explica.

O número de inscritos superou os 30 mil. Mas o secretário reconhece que a frustração veio logo após a divulgação do resultado preliminar. “Muita gente passou na prova, mas não ficou classificada. Uma coisa é ser aprovado, tirar mais de cinco. Outra é estar dentro das vagas do edital. Aí começou a desinformação: ‘passei e não fui chamado’. Sim, mas não estava classificado”, pontua.

Redistribuição travada: depende da Justiça

Boa parte das vagas não foi preenchida por falta de candidatos classificados em determinadas localidades. A proposta de redistribuição das vagas sobressalentes foi cogitada pela Seduc por ofício ainda em outubro de 2023, contudo esbarrou em posicionamentos jurídicos contrário em razão da ausência de previsão no edital da previsão de redistribuição, o que poderia violar o principio da vinculação ao edital e ensejaria insegurança jurídica aos candidatos.

“A partir de então as tratativas para a solução do imbróglio estão sendo promovidas na via judicial para o alcance da segurança jurídica que a matéria requer. O edital tem regras específicas. Se muda agora, prejudica quem concorreu por elas. Só o Judiciário pode autorizar uma redistribuição”, diz.

Sete chamadas e reforço na rede integral

Desde a homologação, sete chamadas já foram feitas, convocando mais de 4.272 candidatos. Isso só foi possível, segundo o secretário, graças à ampliação das escolas em tempo integral. “Quando cheguei, 11% da rede era integral. Hoje são 35%. O aluno que ficava 4 horas agora fica 7 ou 9. Precisei de mais professor, especialmente em cidades como Palmas e Araguaína”, reforça.

Ações judiciais

Duas ações judiciais em andamento, uma do Ministério Público e outra popular, têm como base um documento da própria Seduc pedindo autorização para redistribuir as vagas, segundo o secretário. Vaz diz que a pasta está tentando um acordo, mas dentro dos prazos legais. “O concurso tem validade de dois anos. Se atropelar esse prazo, prejudica quem ainda pode ser chamado. A audiência de conciliação foi um passo. É a nossa necessidade. Mas a Justiça ainda não decidiu. Tivemos a primeira audiência de conciliação, fruto de um entendimento prévio com o MP. Estamos buscando um acordo, mas ele tem que acontecer no momento certo. O concurso tem validade de dois anos. Se a gente atropelar esse prazo, prejudica quem ainda tem direito à vaga”, comenta.

Durante a audiência de conciliação realizada em 30 de maio, no Fórum de Palmas, com a presença da Procuradoria-Geral do Estado, do Ministério Público do Tocantins e do Sintet, ficou estabelecido que as partes deverão apresentar, até o dia 12 de agosto, uma proposta concreta de redistribuição das vagas não ocupadas. A Seduc afirma já ter apresentado um cronograma preliminar e trabalha, com base em diagnóstico da rede, para consolidar a proposta em juízo.

Vagas

Em um exemplo sobre a complexidade das vagas e uma possível redistribuição, o secretário cita o caso dos coordenadores pedagógicos. O edital previa 240 vagas, mais de 2.160 foram aprovados, mas apesar do número de vagas inicialmente ofertado, até agora já foram convocadas 400 pessoas. Só em Palmas, 80 foram chamados para 15 vagas, pois a cidade não para de crescer e demandar mais profissionais. Ainda assim, há 349 esperando na Capital.

Se eu chamar alguém de fora agora, essa fila vai parar na Justiça. E com razão. Por isso estamos seguindo o cronograma do edital até esgotar as possibilidades

A situação se torna mais delicada diante do volume total de aprovados fora do número de vagas que ainda não foram convocados: cerca de 3.800 pessoas. Para além disso, há a expectativa de uma nova lista de classificação, caso seja feita a reclassificação com base em uma nova nota, algo que, segundo Vaz, depende de solicitação à Fundação Getúlio Vargas, organizadora do certame, após decisão judicial.

O temor é que, diante de eventuais reclassificações, candidatos que hoje estão bem colocados acabem sendo deslocados para posições inferiores, caindo, por exemplo, da 50ª para a 500ª colocação, o que pode motivar judicializações.

Segundo a explicação, o desafio tem sido equilibrar o tempo hábil até o vencimento do concurso com a pressão para nomear mais aprovados. A estratégia da gestão é utilizar ao máximo o prazo legal para convocações, de modo a evitar disputas judiciais e garantir segurança jurídica a todos os envolvidos no processo.

Etapas seguintes

Fábio Vaz afirma que a próxima ação será uma última chamada para esgotar as vagas do edital. Depois disso, a Seduc abrirá um edital interno de remoção. Só então, com aval judicial, poderá ocorrer redistribuição para aproveitar aprovados fora da lotação original.

“A primeira coisa é fazer uma última chamada dentro do número de vagas e da lotação prevista. Exaurindo isso, vamos abrir um edital interno de remoção, ou seja, quem já foi convocado poderá escolher trocar de cidade. Só depois disso, aí sim, com aval da Justiça, é que poderemos discutir redistribuição de vagas para aproveitar os aprovados fora do número original”, diz.

Questionado sobre os mais de 3 mil contratos em vigor, o secretário diz que se trata de uma necessidade transitória. “Tem professor em licença médica, maternidade, doutorado. Vice-diretor, diretor… todos são substituídos por contratos. Essas vagas não são fixas. O efetivo vai voltar”, ressalta.

Ele também menciona a dificuldade estrutural de preencher vagas em disciplinas como matemática e física. “Mesmo com concurso, não conseguimos suprir a demanda em áreas exatas. Isso é um desafio antigo”, esclarece.

Salários: o debate entre piso e carreira

A comparação entre salários de contratados e efetivos tem sido motivo de críticas na Assembleia Legislativa. Fábio Vaz rebate. “O contratado ganha pouco mais de R$ 5 mil, reajustado recentemente com aumento de 12%, acima do piso nacional. O efetivo entra com R$ 6.130,70, mas tem plano de carreira. Comparar direto é desonesto”, comenta.

Ele defende um modelo de igualdade na entrada, com diferenciação progressiva via carreira: “Meu sonho é começar todo mundo igual. Depois, a carreira faz a diferença. Mas precisa de saúde fiscal para isso”, explica.

Carreira x gratificação: modelo previdenciário

Fábio Vaz também critica modelos adotados em outros estados que inflacionam salários com gratificações, prejudicando a aposentadoria. “Tem lugar que paga R$ 10 mil hoje, mas o professor aposenta com R$ 5 mil. Aqui, a carreira é a base.

O novo plano vai colocar o Tocantins com a quinta melhor carreira do país

Ao fim da entrevista, o secretário lamenta o uso político do tema nas redes e no Legislativo. “Tem vídeo de gente gritando ‘me convoca, é meu direito’. Mas será que tem vaga? Será que não tem alguém na frente? Tem que ter responsabilidade. Se atropelar a fila, a Justiça derruba. Nosso compromisso é respeitar a ordem. Entendo a ansiedade, entendo a cobrança, mas quem joga para a plateia com esse assunto está prestando um desserviço. Esse concurso foi muito esperado, e não podemos manchar o processo”, finaliza.