Tocantins aposta na leitura para fortalecer sua identidade cultural
01 novembro 2025 às 08h00

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A valorização da leitura e da escrita como instrumentos de formação cultural ganha força no Tocantins, em meio à ampliação de políticas públicas e projetos literários. Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, o jornalista, escritor, compositor, Tião Pinheiro afirmou que a leitura é essencial para a construção da identidade cultural do Estado e defendeu a criação de ações que facilitem o acesso ao livro e incentivem novos leitores.
Nascido em Monte Alegre de Goiás, Tião Pinheiro é uma das vozes mais reconhecidas da cultura tocantinense. Com 48 anos de profissão, foi editor-chefe do Jornal do Tocantins. Também comandou a Secretaria da Cultura do Estado entre 2023 e 2025. Ele é autor de seis livros, entre eles “De sonhos e de construção” e “Amorosamente”, tem obras estudadas em universidades e foi autor homenageado no 9º Salão do Livro do Tocantins. Membro de várias academias de letras, Tião é ainda compositor com músicas gravadas por artistas como Oswaldo Montenegro e Xangai, e atualmente desenvolve o projeto “De amor e de afeto”, que reúne poesia, música e show.

A discussão ocorreu na mesma semana em que o país celebrou o Dia Nacional do Livro, em 29 de outubro. No entanto, foram divulgados dados da 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, segundo a qual apenas 44% dos moradores de Palmas leram, total ou parcialmente, pelo menos um livro — impresso ou digital — nos três meses anteriores à entrevista.
O levantamento, realizado entre abril e julho de 2024 pelo Instituto Pró-Livro, em parceria com a Fundação Itaú e o Ipec, ouviu 5.504 pessoas em 208 municípios. É considerado leitor quem leu ao menos parte de um livro nesse período.
No âmbito nacional, João Pessoa (64%), Curitiba (63%) e Manaus (62%) lideram o ranking nacional de leitura, Palmas aparece na parte inferior da lista. Segundo os pesquisadores, embora a capital tenha bons indicadores na rede básica de ensino, ainda há carência de bibliotecas públicas atrativas e poucos espaços literários fora das escolas.
Para Tião Pinheiro, o livro e a leitura são instrumentos fundamentais na formação social e cultural do Estado. “A formação da identidade de um povo passa, necessariamente, pela educação e pela cultura, que é a expressão da alma de todos nós. O livro e a leitura desempenham papéis fundamentais nessa construção de identidade cultural. Quem não lê não escreve, quem não lê não cria asas para voar e abrir novos horizontes”, afirmou.
O escritor lembra que o Tocantins ainda fortalece sua identidade como o estado mais novo do país. “Estado mais novo da federação brasileira, o Tocantins se consolida, principalmente, através da educação, da cultura e da leitura.”
A pesquisa também revela diferenças regionais no acesso ao livro e à leitura. Capitais do Norte e Nordeste, como Belém (61%), São Luís (59%) e Aracaju (58%), registraram índices superiores à média nacional, impulsionadas por eventos literários, saraus e ações comunitárias. Já no Centro-Oeste, cidades como Goiânia (40%), Campo Grande (49%) e Cuiabá (48%) apresentaram percentuais semelhantes ou inferiores aos de Palmas.
Palmas superou Porto Velho, Macapá e Rio Branco (41%), Boa Vista (42%) e Vitória (43%), ficando à frente apenas dessas capitais. Para os especialistas do Instituto Pró-Livro, investimentos em clubes de leitura, feiras literárias permanentes e ampliação das bibliotecas nos bairros poderiam impulsionar o hábito da leitura e formar novos leitores.
Educação
Tião Pinheiro defende que a educação é o único caminho para transformar esse cenário. “Não há outro caminho que não a educação e para isso é necessário que os governos em seus níveis federal, estaduais e municipais estabeleçam políticas públicas consistentes, acessibilidade ao ensino, bibliotecas equipadas e programas de incentivo aos jovens, adultos. Também a iniciativa privada pode contribuir com isso.”
Ele observa que o país vive um momento de reconstrução do setor cultural, o que pode favorecer o fortalecimento dessas ações. “O setor cultural brasileiro vive um momento muito importante. A partir da recriação do Ministério da Cultura e aqui, da Secretaria Estadual da Cultura, está ocorrendo a reconstrução de desmontes de pandemias e pandemônios, com vários programas, editais com recursos que estão chegando aonde antes não chegavam, a exemplo das comunidades indígenas, quilombolas, culturas tradicionais populares. O Sistema Nacional de Biblioteca motiva que estados também montem ou remontem os seus sistemas e isso é muito importante.”
Autor de Janelas, Vôo Esperança, Calundu, De sonhos e de construção, Alma leve e Amorosamente, Tião Pinheiro tem obras adotadas em vestibulares da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT). Ele reconhece em cada livro um marco da própria trajetória como escritor e de sua relação com o Estado.
“Tenho três livros publicados. Dizem que cada escritor tem que ‘cometer o pecado do primeiro livro’. No meu caso, esse pecado é o de minha estreia – Janelas. Considero todos eles importantes por representarem meu aprendizado, minha evolução e amadurecimento na escrita”, afirma.
“De sonhos e de construção tem ligação forte com o Tocantins a começar pelo poema-título, que trata de situações de muitos – como eu – que para cá vieram pra começarem ou recomeçarem suas vidas, concretizarem seus sonhos e participarem da construção de sonhos, projetos. Este livro foi o primeiro meu a ser adotado em um vestibular – o de 2013 da Universidade Federal do Tocantins (UFT). O mais recente – Amorosamente – foi adotado em dois vestibulares da UFT (2024 e 2025) e um da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT) – 2025.”
Sobre o cenário literário tocantinense, o escritor lembra que há uma tradição anterior à criação do Estado. “Antes mesmo de chegar à sua emancipação política em 5 de outubro de 1988, o Tocantins já tinha escritores com trabalhos densos que venciam os limites geográficos do então norte-goiano, como Eli Brasiliense (de Pium), Moura Lima (Gurupi), Osvaldo e Liberato Póvoa (Dianópolis), Ana Braga (Peixe), Isabel Dias Neves e Mary Sônia Valadares (Tocantinópolis), Lysias Rodrigues e Pedro Tierra (Porto Nacional), entre outros.”
Ele destaca também o surgimento de novos nomes que fortalecem a produção literária local. “Há, sim, uma nova geração de escritores que renovam e fortalecem a cena literária tocantinense, a exemplo de Célio Pedreira, Osmar Casagrande, Zacarias Martins, Edivaldo Rodrigues, Lita (Lucelita Maria Alves), Irma Galhardo, Ronaldo Coelho, Paulo Aires Marinho, Dourival Santiago, Edson Cabral, Dídimo Heleno, Gislene Camargos, Adão Francisco, Pedro Albeirice, Léia Bueno, Cláudio Duarte e Chico Duarte.”
Tião Pinheiro acredita que há valorização crescente dos autores regionais, especialmente em instituições de ensino. “Entendo que sim. Claro que isso pode ser ampliado. A UFT há tempos vem valorizando os autores regionais adotando suas obras em seus vestibulares, algo que outras instituições de ensino podem fazer também. Escolas estaduais, municipais e particulares têm programas de incentivo à leitura, convidam escritores locais para dialogarem e incentivarem alunos e professores.”
Escrita garantida em Lei: Nacional e Estadual
Sancionada em 12 de julho de 2018, a Lei nº 13.696 instituiu a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), que tem como objetivo promover o livro, a leitura, a escrita, a literatura e o fortalecimento das bibliotecas públicas em todo o Brasil. A ação é coordenada pela União, por meio dos Ministérios da Cultura e da Educação, em cooperação com estados, municípios, o Distrito Federal, instituições privadas e a sociedade civil.

Entre as principais diretrizes da PNLE estão a universalização do acesso ao livro e à leitura, o reconhecimento da leitura e da escrita como direitos fundamentais e o fortalecimento do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP). A política também se articula com outras iniciativas nacionais, como o Plano Nacional de Educação (PNE) e o Plano Nacional de Cultura (PNC).
A lei prevê ainda o incentivo à formação de mediadores de leitura, a valorização da leitura por meio de campanhas e prêmios, e o apoio à economia do livro, com estímulo à produção editorial e à realização de feiras e eventos literários. Outro ponto central é o fortalecimento das bibliotecas públicas, com ampliação de acervos físicos e digitais, modernização de espaços e capacitação de profissionais.
A PNLE também incentiva a criação de planos estaduais e municipais de leitura, a realização de pesquisas e estudos sobre o setor e a formação de profissionais nas áreas criativas e produtivas do livro.
Neste sentido, no âmbito estadual, foi aprovada por unanimidade, em maio deste ano, na Assembleia Legislativa do Tocantins (Aleto), a Lei nº 4.409, que institui a Política Estadual de Cultura da Leitura e da Escrita. A proposta, de autoria do deputado estadual Amélio Cayres (Republicanos), foi sancionada pelo governador afastado Wanderlei Barbosa (Republicanos) e publicada no Diário Oficial nº 6.571, em 15 de maio de 2025.
A nova legislação tem como foco o estímulo aos hábitos de leitura, o fortalecimento e a atualização dos acervos das bibliotecas e espaços de leitura do estado, além do fomento à produção e à distribuição da literatura tocantinense.
Entre as ações previstas da Política Estadual, estão a realização de feiras literárias, eventos de qualificação e iniciativas voltadas ao incentivo do mercado editorial, com o objetivo de ampliar o acesso à leitura e valorizar a produção cultural local.
Para fomentar ainda mais a leitura, o projeto Tocantins Poético e Lendário, coordenado pela escritora e contadora de histórias Irma Galhardo, realizará uma nova etapa de apresentações a partir do dia 12 de novembro, com abertura no auditório da Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Palmas. A iniciativa seguirá por diversos municípios do estado, como Aparecida do Rio Negro, Ponte Alta, Pugmil, Santa Tereza e Porto Nacional, promovendo atividades culturais noturnas que aproximam escritores e comunidades locais.
Com uma biblioteca itinerante formada por obras de autores tocantinenses, o projeto inclui saraus literários, recitais poéticos, encontros de escritores, sorteios e doações de livros para bibliotecas públicas e centros culturais. Nesta fase, o circuito passará por 20 municípios do Tocantins e 10 da Região Norte, fortalecendo o incentivo à leitura e à escrita. Até o momento, as ações já contemplaram 13 municípios tocantinenses.
Com saraus de cerca de uma hora, voltados principalmente a jovens e adultos, o Tocantins Poético e Lendário busca estimular a leitura, valorizar a literatura amazônica e difundir a identidade cultural regional. A nova edição foi contemplada pelo Edital Programa Rouanet Norte e conta com o patrocínio do Banco da Amazônia (BASA), Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Correios.
Os resultados da pesquisa e as reflexões do escritor Tião Pinheiro reforçam a necessidade de ampliar o acesso ao livro e investir em políticas culturais contínuas, especialmente em Palmas, onde o potencial educacional pode se transformar em um motor de formação de leitores e fortalecimento da identidade cultural tocantinense.
