“Eles tentaram até empurrar minha bebê, subindo em cima da minha barriga.” O relato de uma mãe tocantinense expõe uma das faces mais dolorosas da violência obstétrica, realidade ainda presente nas maternidades do Tocantins. Entre 2023 e o primeiro semestre de 2025, o Tocantins registrou quase 40 mortes maternas, um índice que acende o alerta sobre falhas na assistência, precariedade no pré-natal e desafios na estrutura hospitalar. Diante desse cenário, o Ministério Público do Tocantins (MPTO) intensifica investigações sobre óbitos evitáveis e acompanha denúncias de práticas abusivas durante o parto.

Dos 39 óbitos maternos registrados, 15 ocorreram em 2023, e 16 em 2024, e um total de oito nos seis primeiros meses deste ano, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES-TO). Diante do cenário, a promotora de Justiça Araína Cesária, da 27ª Promotoria de Justiça da Capital, em entrevista ao Jornal Opção Tocantins apontou um levantamento do MPTO que mostram aumento nos percentuais de óbitos no Hospital Geral de Palmas (HGP) após a terceirização das UTIs, atualmente administradas pela empresa Neovidans Gestão em Saúde LTDA. 

“Especificamente em relação à questão da UTI Pediátrica, embora o percentual esteja bem próximo da média, deve-se consignar que, no mês de março, o índice atingiu 37,5%, ou seja, 20 pontos percentuais acima do esperado”, explicou a promotora, Araína Cesária. Neste sentido, o MPTO informa ainda que, de forma geral, a quantidade de leitos atende à demanda, mas há registros pontuais de falta de insumos, que foram solucionados pela SES-TO. Deficiências em equipes médicas também foram identificadas, gerando sobrecarga de trabalho.

A Neovidans é responsável pelo gerenciamento das UTIs do HGP e dos hospitais regionais de Paraíso e Miracema, após vencer o Pregão Eletrônico n° 177/2023, publicado no Diário Oficial do Estado (DOE/TO) em 11 de setembro de 2024, no valor R$ 60.394.800,00. 

Relatos de violência obstétrica

Entre os relatos de mulheres que vivenciaram situações de violência obstétrica está o da vigilante Altina Feitosa de Almeida, de 30 anos. Ela contou que esperava ter um parto normal e tranquilo, mas chegou ao hospital com poucos centímetros de dilatação e passou dois dias sentindo dores intensas e sangramento. Segundo Altina, a equipe médica tentou de tudo para manter o parto normal, inclusive administrando soro com medicação para aumentar as contrações, até que decidiram pelo parto cesáreo devido ao sofrimento fetal. Ela lembrou que “eles tentaram até empurrar meu bebê, subindo em cima da minha barriga”.

Passados doze anos da violência sofrida, Altina busca superar o passado, servindo de inspiração para a filha, numa mistura de atenção, cuidados e muitas memórias afetivas | Foto: Luiz Henrique Machado

Altina Feitosa de Almeida, de 30 anos, que atua como vigilante, é uma das mulheres que relataram ter vivenciado situações de violência obstétrica em maternidades do Tocantins. Ela contou que esperava ter um parto normal de sua filha, Yasmin Feitosa de Almeida, que atualmente tem 12 anos, mas chegou ao hospital com poucos centímetros de dilatação e passou dois dias sentindo dores intensas e sangramento. Segundo Altina, a equipe médica tentou de tudo para manter o parto normal, inclusive administrando soro com medicação para aumentar as contrações, até que decidiram pelo parto cesáreo devido ao sofrimento fetal. Ela lembrou que “eles tentaram até empurrar minha bebê, subindo em cima da minha barriga”.

Durante a cesariana, Altina disse que não recebeu cuidados adequados. Ela relatou: “Na sala de cirurgia, não tiveram nem um cuidado comigo, eu chorei de medo e uma enfermeira me falou para eu parar de chorar ou iriam me deixar morrer ali mesmo. Nem ouvi minha filha chorar, saíram correndo com ela. Depois do parto, fiquei com sequelas da anestesia, não conseguia andar direito por três dias e meu corpo estava cheio de hematomas”. 

História de superação | Foto: Luiz Henrique Machado

Um relato de uma mulher que prefere não se identificar — aqui chamada de Adriana — revela as dificuldades enfrentadas por vítimas de violência sexual ao buscar o aborto legal no sistema público. Ela lembra que procurou um hospital para interromper a gestação resultante de um abuso. “Era 2016 quando eu estava em processo de um aborto legal após ter sofrido um abuso sexual”, conta.

Adriana afirma que tomou a decisão logo após receber o diagnóstico de gravidez durante o atendimento no Serviço de Atenção às Vítimas de Violência Sexual (Savis). “A minha primeira escolha foi não levar a gestação adiante. Estava decidida.” No entanto, segundo ela, uma assistente social do hospital tentou dissuadi-la, “usando até o nome de Deus”.

Mesmo maior de idade, foi informada de que só poderia fazer o procedimento se estivesse acompanhada por uma mulher. “Não deixaram eu levar meu irmão porque ele era homem, sendo que não há isso”, relata. Adriana lembra também dos constrangimentos antes do aborto. “Diversas vezes a sala estava lotada de residentes e estagiários, que ficavam se revezando para me questionar coisas. Tive que ficar nua na frente de várias pessoas.”

No dia do procedimento, ela foi colocada em um quarto ao lado de mulheres que haviam acabado de dar à luz. “As acompanhantes vinham me perguntar o que eu estava fazendo ali e cadê a minha criança.” Ela afirma que “durante o aborto eu sofri sozinha a dor de um parto, sem nenhuma assistência ou orientação”, conta. Segundo ela, os comprimidos foram aplicados e, em seguida, foi deixada sozinha com a mãe. “Pedi remédio para dor e não me deram, dizendo que eu tinha que sentir para o procedimento ‘dar certo’.”

O feto foi expelido durante a madrugada, e Adriana precisou de uma curetagem no dia seguinte. “Foram mais de 12 horas com fome, sangrando e aguardando o procedimento para finalmente conseguir sair daquele inferno”, resume.

Já a técnica em enfermagem, Milene Ana Silva Araujo Wermuth, 59 anos. Ela relembra seu primeiro parto, aos 20 anos: “Na época, não tive dilatação suficiente de pele nem de ossos. O bebê nasceu com 2,8 kg, em um parto normal. O médico realizou uma episiotomia seguida de “rafia”, ou seja, o corte e a sutura para permitir a passagem do bebê. Essa prática configura violência obstétrica.”

Milena relatou que as consequências persistem, como dificuldade para esvaziar a bexiga, dor em mudanças climáticas e incômodos em procedimentos médicos. No segundo parto, recebeu dosagem elevada de ocitocina, provocando contrações extremas. No terceiro parto, além da violência obstétrica, presenciou situações que colocaram bebês em risco: “Embora a proposta fosse de parto humanizado, em que o bebê permanece com a mãe, testemunhei situações em que mulheres sem condições físicas adequadas eram obrigadas a manter os recém-nascidos consigo, mesmo fragilizadas pelo parto. Essa conduta representava risco para os bebês, e em um dos casos chegou a ocorrer a queda de uma criança da cama da mãe”, lembrou.

Tratamento Fora de Domicílio e sobrecarga da rede

Outro desafio apontado pelo MPTO é o Tratamento Fora de Domicílio (TFD), com descumprimento de decisões judiciais e registros de óbitos evitáveis. A atual falta de maternidade municipal em Palmas contribui para a sobrecarga da rede estadual, segundo informações repassadas ao Opção Tocantins.

A promotora Araína Cesária destacou que a promotoria também acompanha a construção da nova maternidade em Palmas: “A avaliação é positiva, dada a complexidade da obra, sendo o cronograma apresentado de forma razoável.”

Até o momento, não houve responsabilização de gestores por óbitos evitáveis, embora representações e pedidos de investigação estejam em andamento, diz MPTO.

Ações estratégicas da SES-TO

O Governo do Tocantins, por meio da SES-TO, informou ao Jornal Opção Tocantins que realiza diversas ações para reduzir a mortalidade materna, fetal e infantil. Entre elas estão a reativação e o fortalecimento do Comitê Estadual de Prevenção dos Óbitos Materno, Fetal e Infantil (Cepomfi) e a implementação da Rede de Atenção Materna e Infantil em oito regiões de saúde, atuando nos 139 municípios do estado.

Entre as iniciativas, estão o serviço de laqueadura e/ou vasectomia nos municípios, o Fórum Perinatal Estadual, o Seminário Estadual da Prematuridade e o Curso Cuidado Pré-Natal na Atenção Primária, além do Projeto Fortalece Pré-Natal. Também foram criadas a Linha de Cuidado Materno Infantil e a Linha de Cuidado das Pessoas com Sífilis, além de cursos de Vigilância do Óbito Materno, Infantil e Fetal, e participação nos Comitês de Mortalidade.

Outras ações incluem o Encontro Estadual pela Saúde Materna e Infantil: Integralidade do Cuidado, o Curso Introdutório da Saúde da Família, elaboração do Plano de Vinculação da Gestante ao Local de Parto, distribuição de 1.026 Cadernetas das Gestantes e Fichas Perinatal aos municípios e o Seminário Saúde Indígena Materno Infantil: As fronteiras entre a Medicina Científica e a Tradicional.

A secretaria também ressaltou sobre a contratação de contratações de profissionais da saúde e qualificação de trabalhadores do SUS em Estratégias para Redução da Mortalidade Materna, dentro do Projeto Juntos Pela Vida, e a execução das oficinas Mais Saúde da Família e Fortalece SES, com prioridade à saúde materna e infantil.

Desafios no pré-natal e incidência de óbitos

Segundo a SES-TO, a qualidade do pré-natal ainda não atingiu o padrão recomendado pelo Ministério da Saúde, de pelo menos sete consultas por gestante, resultando em comorbidades como hipertensão gestacional, infecção urinária, deslocamento da placenta e eclâmpsia. Sendo estes os motivos para muitas mortalidades maternas.

Essas condições estão entre as principais causas dos 15 óbitos maternos registrados em 2023, 16 em 2024 e 8 no primeiro semestre de 2025. As regiões de saúde com maiores incidências são Capim Dourado, Sudeste e Médio Norte Araguaia.

Projeto Vidas Planejadas

A mais recente iniciativa do Governo do Tocantins é o lançamento do projeto Vidas Planejadas, que amplia o acesso ao planejamento sexual e reprodutivo, com foco no uso do dispositivo intrauterino (DIU), reconhecido por sua eficácia na prevenção de óbitos durante a gestação. O MPTO aderiu ao projeto, que busca reduzir a mortalidade materna, fetal e infantil. O apoio ministerial foi confirmado pela promotora Araína Cesárea e pelo promotor Thiago Vilela, da 19ª Promotoria de Justiça da Capital e coordenador do Centro de Apoio Operacional da Saúde (CaoSaúde).

Entre as ações estratégicas com participação do MPTO estão o aprimoramento da fiscalização e da qualificação da Rede de Atenção à Saúde Materna e Infantil; campanhas de conscientização sobre pré-natal, sinais de alerta na gestação e no puerpério; incentivo à vacinação; fortalecimento de comitês municipais de investigação de óbitos; além do desenvolvimento de parcerias, pesquisas e formações continuadas.

O projeto será implementado nos 139 municípios, com início nas cidades impactadas pela queda da ponte que liga o Tocantins ao Maranhão. As estratégias incluem a elaboração de um Protocolo Estadual de Inserção do DIU e a capacitação de médicos e enfermeiros, com acompanhamento da eficácia por meio de ultrassonografia. Estudos indicam que o uso do DIU pode reduzir em até 40% os óbitos maternos e fetais, reforçando o potencial da iniciativa como ferramenta de prevenção e cuidado à saúde da mulher.