João Bazzoli: “COP30 é oportunidade para protagonismo do Norte brasileiro”

22 outubro 2023 às 10h44

COMPARTILHAR
O pesquisador e professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), João Aparecido Bazzoli, ligado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, está incomodado com o imobilismo da Amazônia na preparação da COP30, a conferência das Nações Unidas para o clima que vai ser realizada em Belém, a capital do Pará, em 2025. “Eu estou vendo a COP como um momento em que gente de outras regiões do País vem para cá dizer o que nós temos de fazer pela Amazônia. Quem vem nos dizer o que tem de ser feito não conhece a Amazônia”, observa o pesquisador, que aponta a mobilizar popular como resposta às ingerências externas.
O professor, que lidera um grupo de pesquisa sobre cidade e meio ambiente, sugere a criação de comissões das assembleias legislativas dos Estados da região amazônica, seguindo o exemplo do Congresso Nacional que criou a Frente Parlamentar em Apoio à COP 30, como forma de aproveitar a oportunidade para a região mostrar protagonismo no meio ambiente. “Nós precisamos ter consciência disso e precisamos nos preparar. Tanto a academia, que tem um papel fundamental como apoio, mas não é a única, obviamente, os entes governamentais e a estruturação da população, da sociedade civil organizada, precisam dizer que vamos efetivamente protagonizar, sim, nós temos necessidade de mostrar as demandas da nossa região”, defende.
Bazzoli lembra que organizar um evento da magnitude da COP30 é como sediar uma Copa do Mundo e que é preciso tempo e disposição para mobilizar toda a sociedade brasileira. “Quando você se prepara para uma Copa, são cinco anos antes montando um bom time, estrutura, ouvindo a população e os agentes interessados. Então, nós precisamos conversar, abrir o diálogo, o processo de escuta. O trabalho de sensibilização resultaria nos diálogos amazônicos”, observa o pesquisador, apontando que essa mobilização permite a Amazônia se apropriar de suas experiências para contribuir com o avanço do debate climático.
Nesta entrevista ao Jornal Opção, o pesquisador diz que a seca da Amazônia é um alerta importante sobre a mudança do clima do planeta que, segundo estudos até o momento, sofreu aquecimento de 1º C, desde o inicio da Revolução Industrial e caminha de forma alarmante para atingir de 3º a 4º C ao longo do século 21, com impactos que já são sentido em todo o mundo. A COP30 tem a desafio de ajudar o mundo, sobretudo os países desenvolvidos, a reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Para tanto, é preciso parar a queima de combustíveis fósseis e a destruição das florestas tropicais. “Nós estamos muito próximos do ponto sem retorno. Precisamos reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa. Então, não são 2% nem 3%: isso precisa cair em 15%, 20%. É muito impactante”, alerta.
A COP de 2025 será na Amazônia, que atualmente passa por um dos momentos mais delicados com a seca. É mais um dado dramático da urgência desse debate das mudanças climáticas?
Sem dúvida. Primeiro, é inacreditável: a Amazônia está seca. Já começamos por aí. Até pelo que temos lastro da Rio 92 [conferência sobre o clima realizada no Rio de Janeiro, em 1992], é uma oportunidade do protagonismo da nossa região. Tivemos uma única COP na América do Sul, que foi na Argentina, e agora ela vem para a Amazônia. Não se pode deixar escapar esse momento. A gente sabe que o Brasil está se preparando de alguma maneira, mas, veja bem, nós não podemos mais continuar sendo tratados com indiferença. Eu tenho feito isso nas redes que eu trabalho a nível nacional, a gente não pode mais ficar como alguém, que quando se fala em regionalização, nos olham como a última alternativa. Consideram a questão populacional, a renda, colocam várias objeções para não nos deixar falar. Eu estou vendo a COP como um momento que outras regiões do país vêm para cá e diz o que nós temos de fazer para melhorar a Amazônia. Quem vem nos dizer o que tem de ser feito não conhece a Amazônia, chega aqui, fala e vai embora, não faz a menor ideia de como funciona.
A mobilidade urbana aqui é canoa, nós temos uma outra realidade que as pessoas não conhecem
A minha área de atuação como professor e pesquisador se situa mais na discussão da cidade. Vemos que, às vezes, a pauta sobre cidade é do Sudeste, não da Amazônia. A mobilidade urbana no Norte é canoa, nós temos uma outra realidade que as pessoas não conhecem. Eu vim de outra região, do Sudeste, e noto que há um preconceito ainda muito grande em relação a isso. Hoje, nós temos aqui universidades com capacidade de discutir, profissionais que estão se preparando, conhecendo a região, discutindo a região, com condições de propor e nós estamos, de certa maneira, sendo menosprezados. Precisamos ter consciência disso e precisamos nos preparar. Tanto a academia, que tem um papel fundamental como apoio, mas não é a única, obviamente, os entes governamentais e a estruturação da população, da sociedade civil organizada, para dizer, nós vamos efetivamente protagonizar, sim, nós temos necessidade de mostrar as demandas da nossa região. Então, a gente não pode mais ter esses apontamentos externos dizendo, você tem que fazer isso, fazer aquilo, fazer aquilo outro. Não, nós vamos fazer com conhecimento de causa, porque nós temos muitos estudos na região, que nos possibilitam, sim, mostrar o que nós precisamos e documentar isso através da foto.

Precisamos consertar essas coisas, e quem as conserta somos nós
O sr. aponta alguns bons exemplos no sentido da busca de protagonismo, mas alerta que está todo mundo atrasado. Essas iniciativas realmente podem trazer o resultado esperado?
Fazendo uma analogia, estamos mais ou menos igual [seleção brasileira] nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2026: perdendo. Ainda sem técnico, sem saber para onde ir, muitas pessoas palpitando. Temos uma Frente Parlamentar [para o tema] com um segundo vice-presidente que é parlamentar do Tocantins, mas que não conversou com o secretário do Meio Ambiente [do Tocantins] sobre isso. É isso que eu quero dizer. Por isso, sugeri a criação dessas comissões dentro das próprias assembleias, como já aconteceu no Amapá. Não adianta a gente desvincular a questão política dessas estratégias, tanto que o decreto vem do governo federal, que cria uma comissão estritamente reduzida e fala de participação. Precisamos consertar essas coisas e quem as conserta essas coisas somos nós. Não adianta dizer, por exemplo, que o próprio País está com dificuldade de internacionalização da agenda. Se não forçar e buscar alternativa, a gente vai ficar aqui. Hoje, pelo menos, temos de criar uma comissão parlamentar na assembleia para cobrar de nosso representante no parlamento federal para que ele contribua com os diálogos amazônicos.
Nós precisamos conversar. O trabalho de sensibilização resultaria nos diálogos amazônicos
Voltando à analogia, o que acontece? Quando você se prepara para uma Copa, cinco anos antes, monta um bom time, estrutura, ouve a população, os agentes que são interessados. Precisamos conversar, abrir o diálogo, o processo de escuta. O trabalho de sensibilização resultaria nos diálogos amazônicos. Em 2024, a gente pode trabalhar os diálogos amazônicos mais para o final do ano e durante isso fazermos os encontros regionais do Tocantins; enfim, ouvir a sociedade civil e envolver todo mundo. Vamos sair com um documento e preparar as pessoas, dizer para a sociedade que existe a COP, que é a Copa do Mundo do Meio Ambiente.
O Brasil hoje melhorou muito a sua relação internacional no campo do meio ambiente. É o que nós temos. Então, quando falar do PIB, do desenvolvimento, até o questionamento desse formato de desenvolvimento é preciso questionar. É o que falei sobre Greta [Thunberg, ativista ambiental sueca] e a questão energética: a gente não fala de alternativas para energia. Estamos querendo explorar petróleo na Amazônia! É preciso discutir essas coisas, priorizar o meio ambiente no sentido de “olha, nós precisamos sobreviver”. Questões como o sequestro de carbono têm uma formatação econômica que entra e contribui para as melhorias do próprio Estado.

As pessoas têm um olhar mais consciente e estão vivenciando as mudanças agora
Algumas conferências do clima não alcançaram consenso. O Brasil poderia aproveitar a oportunidade para construir um diálogo possível em torno de um programa ambiental que permita avançar em questões fundamentais, como a redução do desmatamento?
A gente tem de se preparar. Vivemos hoje outra condição no mundo, no sentido de as pessoas terem um olhar mais consciente e estarem vivenciando as mudanças agora. Eu acho que é o caminho. Só que essas questões são mais complexas. Por exemplo, quando se fala em alternativas dentro da energia, há muita resistência, por exemplo, em relação ao petróleo, em relação à mineração. Quando se coloca em posição contrária, vêm vários questionamentos. É preciso, então, promover o debate. Por exemplo, o que o minério pode trazer de bom? Eu não encontro, no primeiro momento, nada. Mas, de repente, pode haver metodologias que resolvam parcialmente o problema. E, sobre energia mesmo, a própria Petrobras já fala em mudanças. O hidrogênio está vindo aí, forte. Por isso, penso que as metas colocadas hoje não nos livram do ponto crítico, estamos muito próximos do ponto sem retorno. E acho que a COP vai mostrar um pouco isso. Nós precisamos reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa. Não é questão de 2% ou 3%, mas de 15%, 20%. É muito impactante, porque vivemos hoje outra condição no mundo, no sentido de as pessoas terem um olhar mais consciente e vivenciarem as mudanças agora. Nossas metas globais são muito tímidas em relação às manifestações que o planeta vem fazendo. Então, a gente precisa repensar. Até brinco com o pessoal, que, se eu não conseguir adesão para essa discussão, vou estar lá com uma faixa. Vou ser a Greta de 2025. Vou lá estar com uma faixa discutindo, gritando pelo menos. A gente tem de buscar, sim, um caminho alternativo de se posicionar. E, dentro desse contexto geral, vejo, sim, uma possibilidade de ter resultados. A ONU hoje está enfraquecida, tem um monte de problemas, e das COPs que tiveram resultados, nenhuma cumpriu o combinado. Vamos para a COP, depois vamos brigar com o governo federal, discutir a composição da ONU em várias comissões. Tem de pelo menos tentar. Para quem tem neto, é preciso olhar e falar assim “cara, você precisa de um espaço para viver, a gente pensa nisso também, vamos lá!”.
Tem um conjunto de elementos que possibilita, sim, ter uma COP histórica
A partir da Rio 92, o Brasil passou a ocupar posição de destaque na agenda mundial do Meio Ambiente. É possível imaginar uma possibilidade de avanço com a COP30?
São épocas diferentes. Tenho um trabalho semanal em rádio e chamei André Trigueiro [jornalista da TV Globo, especialista em meio ambiente e sustentabilidade] para conversar. Ele falou assim: “A Rio 92 me levou para o espaço que estou hoje, estava iniciando no jornalismo e quando eu saí de lá, falei ‘é isso que eu quero’”. Hoje é um dos grandes especialistas no País. Da Rio 92 saíram várias vertentes que trabalham nessa perspectiva. Isso dá o laço, como são épocas diferentes, mas dá o laço. Eu acho que agora talvez a gente não chegue nessa possibilidade, até por causa da época em si. Mas tem uma grande forma de instigar, que pelo menos se aproxima a essa condição. É o momento de mostrar o protagonismo do Brasil no meio ambiente. A Marina [Silva, ministra do Meio Ambiente] tem demonstrado isso, o governo federal tem também. Tem um conjunto de elementos que nos possibilita, sim, fazer uma COP histórica.