Sobre anilhas e ansiedade
06 dezembro 2024 às 09h22
COMPARTILHAR
Eder Ahmad Charaf Eddine*
Recentemente, na academia de ginástica, eu estava observando dois gymbros – como são conhecidos os parceiros de treino – aparentando pouco mais de 20 anos de idade cada um. Percebi que o mais alto estava ajeitando sempre as anilhas, num movimento de busca da perfeição delas. Como se fosse uma busca pelo equilíbrio perfeito. Até aí nada demais, até porque os comportamentos não precisam ser classificados em uma categoria como “normal” ou “doente”.
Contudo, diante dos repetidos acontecidos do arrumar as anilhas, o amigo mais baixo, sempre que podia, “bagunçava” tudo, num sentido proposital, na provocativa; sempre esperando a resposta do rearrumar do seu companheiro de treino.
Fiquei refletindo sobre isso durante muito tempo, comecei a imaginar essa situação como algo do cotidiano dos dois, mas a recorrência me intrigava. Será que eles já dialogaram entre eles e isso é uma brincadeira em comum? Será que o amigo está “bagunçando” só para zoar ou para fazer perceber alguma coisa no comportamento tido como estranho? Refleti muito na relação que se estabelece entre pensamento, emoção e comportamento a partir das ações deles. Pensei que essa situação é atípica socialmente, porém, típica de uma ansiedade que pode atrapalhar o cotidiano desse jovem e até mesmo havendo a necessidade de acompanhamento mais próximo.
Preso nas minhas indagações, enquanto fazia as séries, num movimento repetitivo de 1, 2, 3 e assim por diante. Repete e repete, dia após dia. Seria hipocrisia eu pensar no comportamento repetitivo do outro exercendo uma repetição diária? Mas não é bem assim, via que a repetição no comportamento dele vinha carregada de angústia. Percebia-se, na sua expressão facial, o quanto o amigo incomodava ao bagunçar. O quanto aquilo não estava fazendo bem para ele, até o amigo “zoador” perceber e parar de “zombar do coleguinha”.
Fiquei pensando em quantas pessoas não percebem alguns detalhes cotidianos até que alguém bagunce tudo, o que estava no automático se torna visível. Esse processo que causa sofrimento, na maioria das vezes, passa despercebido ou ignorado propositalmente, chegando a acumular cada vez mais até “explodir” ou “implodir”. Ou seja, quantas pessoas não percebem alguns detalhes do dia-a-dia até que alguém vem e bagunce tudo?
Não é uma regra; afinal, nada é regra em se tratando de comportamento humano, o que temos que levar em conta é se esse comportamento está trazendo sofrimento para o sujeito e tentar compreender as diversas faces desse comportamento. Por isso penso nos profissionais de saúde mental como figuras importantes para avaliar e compreender essas ações juntamente com diversas outras que serão investigadas para não estigmatizar o sujeito e tentar compreendê-lo num todo, trazendo melhorias em sua vida. Outros sintomas também precisam aparecer e os prejuízos precisam ser analisados antes de um diagnóstico, se é que necessitamos de um. Repito, nenhum comportamento precisa ser enquadrado como doente e o que deve ser levado em consideração é um conjunto de comportamentos que podem causar danos a si e aos outros e que precisam de mais atenção e cuidado.
Voltando ao gymbro, comecei a imaginar vários caminhos e possibilidades, mas o que mais pensava era na contradição de um produtor de conteúdo que vi recentemente, ele relata em várias postagens que acabou com a sua própria ansiedade e depressão só fazendo exercícios livres, indo para academia e eliminando outras formas de tratamento. “O exercício físico salva mais que remédio e é a melhor terapia”, dizia ele em suas redes. Sempre vemos que os “blogueirinhos” fazem muito sucesso vendendo saúde mental.
Aí, o rapaz que eu estava vendo na minha frente estava exatamente dentro da academia; ironia, não. O exercício físico é um caminho, entre vários, mais que importante para ajudar na ansiedade e na depressão. Contudo, e, principalmente, em casos de complicações, profissionais precisam ser procurados para juntar os exercícios físicos com outras ações que podem trazer melhorias para o sujeito.
O que pensei não foi somente na ironia, mas também o quanto é importante perceber que só o exercício não garante uma condição sem ansiedade. Voltando para as anilhas, uma brincadeira entre amigos pode ser só uma brincadeira, mas quando vem sofrimento atrelado a essa brincadeira, ela perde o sentido e está na hora de ver com cuidado e carinho o que significa esse arrumar das anilhas.
Este texto contou com a leitura carinhosa e revisão atenta de Eduarda Formiga, a quem agradeço.
*Eder Ahmad Charaf Eddine é Psicólogo (CRP – 23/1465). Doutor em Psicologia e Educação (USP). Pós-Doutorado em Comunicação e Sociedade. Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e em Psicopedagogia. Professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade (PPGCom/UFT). Autor do livro finalista do Jabuti Acadêmico 2024 “Psicologia, Educação e Homossexualidade: o normal e o patológico em revistas científicas de 1970 e 1980”.