‘Abin paralela’ merece punição exemplar; valor da liberdade e privacidade precisam ficar claros ao Estado

18 junho 2025 às 08h07

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A Polícia Federal indiciou nesta terça-feira, 17, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seu filho, vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) por espionar autoridades no caso da “Abin paralela”. O inquérito encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) aponta que a Abin paralela monitorou ministros do STF, políticos e jornalistas ao menos 60 mil vezes por um software capaz de rastrear a localização de celulares em tempo real.
Esta não foi a primeira vez que a estrutura de inteligência do Estado foi usada para atender interesses pessoais dos incumbentes do poder. Em 2023, a agência Pública reportou “o monitoramento de cidadãos pela Abin e o possível uso de meios ilegais, assim como o uso de dossiês apócrifos contra líderes caminhoneiros, reforçando as suspeitas de desvio de finalidade”.
Depois, em 2024, a Pública noticiou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do governo Bolsonaro recolhia de estados e municípios dados sensíveis sobre cidadãos como “contrapartida” para fornecer acesso ao Córtex, sistema que permitia vigiar “alvos” em tempo real sem explicar a necessidade, quem ordenou o monitoramento, qual foi o tempo de sua duração nem o resultado da vigilância. Com dados sobre bilhetagem dos ônibus e caracteres de placas de veículos (OCR), a movimentação de pessoas comuns foi informada ao MJ por 22 governos estaduais e 108 prefeituras.
Os três casos revelam como, sendo o avanço da tecnologia mais rápido que o da lei, o governo pode atuar de forma imoral mas legal contra seus próprios cidadãos. Nenhum líder abdica do poder de implantar escutas porque a recompensa é grande. A única forma de garantir a liberdade dos cidadãos contra a burocracia do Estado é com transparência (os dois casos descobertos pela Pública foram apurados com a Lei de Acesso à Informação) e com proteção clara da Lei aos direitos de livre associação, livre expressão e de exercer oposição política.
O finado governo Bolsonaro já está recebendo o devido rigor da lei e o justo escrutínio da imprensa. Porém, é preciso estar atento, pois não custa repetir: nas condições erradas, nenhum líder abdica do poder de monitorar e perseguir opositores. As condições erradas emergem quando a população acredita que vale a pena abrir mão de liberdades em troca de segurança.