Há tempos a democracia é dilacerada
20 novembro 2024 às 08h27
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A revelação da Polícia Federal sobre um plano de militares das Forças Armadas para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes não é apenas um escândalo; é um retrato grotesco de até onde chegaram as forças golpistas no Brasil. O que poderia parecer um pesadelo de uma era passada, em que a ditadura militar governava com mão de ferro, voltou a emergir como uma ameaça real em pleno século XXI, agora disfarçada sob as vestes da extrema direita, armada de mentiras, ódio e uma visão distorcida de democracia.
O plano, orquestrado por militares de alta patente ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, demonstrou a profundidade do ódio antidemocrático que permeia parte das Forças Armadas, não mais como instituição de defesa nacional, mas como instrumento de uma ideologia golpista.
Como apontado pela investigação da PF, um dos elementos centrais desse plano era o general da reserva Mário Fernandes, que buscou apoio nas Forças Armadas para implementar uma ruptura democrática, com o apoio de generais influentes e de um grupo elitizado conhecido como os “kids pretos”, uma facção militar extremamente radicalizada.
O mais alarmante é que esse movimento não se tratava apenas de um desejo de manter Bolsonaro no poder, mas sim de uma verdadeira operação militar para instaurar um regime de exceção. Como descreveu o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, o Brasil esteve “mais perto do que imaginávamos” de um golpe de Estado, onde a vida de altos representantes da democracia seria ceifada por aqueles que, ao longo de sua carreira, prestaram juramento à Constituição, mas que agora pareciam querer rasgar suas páginas em nome de uma agenda golpista.
A investigação da PF revelou que o plano não só envolvia a morte de líderes políticos, mas também a instalação de um governo militar sob os generais que haviam respaldado a ascensão de Bolsonaro em 2018. O conceito de golpe, portanto, vestia farda dos pés à cabeça.
De acordo com os relatos, as forças golpistas estavam dispostas a criar um gabinete de crise que serviria para anular as eleições e subverter a ordem constitucional, com a ajuda de outros militares de alta patente, incluindo os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto, que se tornariam os responsáveis por dar legitimidade a um regime de exceção.
A tentativa de ruptura não foi uma conspiração isolada, mas uma ação orquestrada e com laços diretos dentro do Palácio do Planalto. As mensagens de Fernandes ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, que pediu adesão ao plano, e as reuniões secretas em casas de generais como Braga Netto, são provas de que a mobilização golpista estava em curso.
Além disso, a participação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, reforça a gravidade da situação e aponta para a possível participação de Bolsonaro, seja por omissão ou por envolvimento direto, na trama para desestabilizar a democracia.
O fato de militares de elite, como os “kids pretos”, terem sido encarregados da execução do plano, com a missão de sequestrar e matar as autoridades constitucionais, evidencia até onde essas forças estavam dispostas a ir para manter o poder. A ideia de envenenar Lula, Alckmin e Moraes, como o próprio nome do plano sugere (“Punhal Verde Amarelo”), é uma evidência da barbárie planejada em nome de um projeto de poder que se recusa a aceitar a derrota nas urnas e a escolha democrática do povo brasileiro.
O mais absurdo, no entanto, é que os envolvidos nesse plano não estão sozinhos. Eles não representam apenas a extrema direita isolada, mas uma parte significativa de um movimento mais amplo que se utiliza das brechas que a pós-modernidade permite, como as fake news e o discurso de ódio, para desinformar a população e incitar o caos. Esse movimento golpista, disfarçado de patriota, se esconde atrás de uma falsa bandeira de defesa da “democracia”, mas suas ações, como o planejamento de assassinatos e atentados, só mostram o quanto são antidemocráticos e perigosos.
A Polícia Federal, por sua vez, tem cumprido um papel crucial ao expor e combater essas ameaças. O fato de a operação ter levado à prisão de generais de alta patente e de um policial federal é um avanço significativo para a manutenção da ordem democrática. Como bem observou Barroso, “as instituições republicanas estão funcionando bem e harmoniosamente” e é preciso continuar com as investigações até que todos os responsáveis, militares ou civis, sejam devidamente punidos.
No entanto, é essencial que a sociedade brasileira não se engane com os disfarces da extrema direita. Não se trata de um simples conflito de ideias políticas, mas de uma tentativa real de subverter o Estado de Direito. É hora de expurgar da vida política do país qualquer vestígio de golpismo, de autoritarismo e de violência, e reafirmar o compromisso com a democracia, com o respeito à Constituição e com a paz social.
O que está em jogo não é apenas a vida de uma pessoa ou de um grupo de autoridades, mas o próprio futuro da democracia brasileira. O Brasil deve seguir em frente, e a única forma de garantir isso é com o fortalecimento das instituições e o compromisso inabalável com a verdade e a justiça.