A política no Brasil é deprimente e o leitor que busca se informar, por vezes, acaba decepcionado. Pablo Marçal, um jeca de Armani, acertou (pelo menos uma vez) ao dizer que a democracia não é o governo dos mais bem preparados, e sim dos mais populares. Porque se fosse do candidato mais bem preparado, afinal, o ex-coaching nunca teria a chance de ser eleito, principalmente quando surgem opções como Tábata Amaral (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL). Mas no Brasil dos Brasis, que elegeu Bolsonaro, Marçal tem certeza que qualquer idiota que mal consegue formular uma frase consegue uma cadeira no legislativo ou executivo. “Tem um Brasil que é lindo, outro que fede” (Seu Jorge).

O comportamento hostil — especialmente com a imprensa — parece agradar boa parte da população. O negacionismo, as frases de efeito, as mentiras deslavadas, os discursos de ódio, o falso moralismo travestido de pautas de costumes: tudo isso atrai grande parcela da sociedade. Não é de hoje o flerte com o fascismo, as tentativas de golpe de estado e a opressão às minorias. E o que fazer quando até mesmo os oprimidos estão do lado dos opressores? Em entrevista ao Globo, Jessé Souza afirmou que Boulos paga o preço da ‘esquerda legal’ que discute gênero e raça e deixou pobres na direita.

José Alberto Mujica Cordano, popularmente conhecido como Pepe Mujica, um dos maiores políticos que o mundo já conheceu, disse uma vez em entrevista ao Bial [Pedro] que a esquerda errava em sobrepor algumas agendas à principal agenda, que deveria ser a de classes. Até porque ninguém tem paciência para se desconstruir enquanto falta o básico nas geladeiras.

Descrença e ranço da política

Ser prefeito para um político é vantajoso, especialmente para aqueles que querem subir um degrau na “carreira”. Por mais incompetente que seja como gestor, o mandatário municipal dificilmente consegue o feito de não se reeleger. A votação no maior colégio eleitoral do Brasil reflete a situação narrada.

Assim como Rogério Cruz (SD), Ricardo Nunes (MDB) caiu de paraquedas na prefeitura. Ambos fizeram uma má gestão, mas apenas um conseguiu ir para o segundo turno. Enquanto todos os adversários os atacaram, os candidatos a reeleição focaram em falar sobre as marcas de cada gestão. Ignorando os problemas, Nunes e Cruz decidiram manter a vibe positiva e não responder às críticas.

O que fez o prefeito de São Paulo ter uma vantagem em relação ao prefeito de Goiânia foi somente o padrinho político. Mas até que ponto vai essa influência? Se o PL não conseguisse um candidato apresentável para as eleições municipais, Bolsonaro poderia vir a apoiar Rogério Cruz? E mesmo que o próprio Jesus Cristo descesse na terra e pedisse o seu povo para votar em um pastor, o prefeito de Goiânia seria reeleito? Se Lula tivesse vindo a Goiânia —para pelo menos um comício— Adriana Accorsi teria sido eleita (ou pelo menos ido para o segundo turno)?

A resposta vai de acordo com a fé de cada leitor. E fé — diferente de política — não se discute, se aceita. A questão é que Bolsonaro ainda tem uma forte influência política, mas a cara do bolsonarismo mudou. Pablo Marçal não gosta de Bolsonaro e não precisa do apoio político dele, mas precisa do eleitor conquistado pelo ex-presidente. Na frágil e jovem democracia brasileira, o país já enfrentou 2 impeachment’s e incontáveis tentativas de golpes de estado. Em 2022, a população infelizmente teve que escolher entre dois figurões para chefiar o Executivo.

O número de abstenções chegou a mais de 31 milhões, o que representa 20% do eleitorado. Foi a maior porcentagem desde 1998. Já nas municipais de 2024, cerca de 122 milhões de brasileiros compareceram às urnas no dia 6 de outubro. Isto é, a abstenção neste primeiro turno foi de 21,71%.

Nos últimos anos, o Brasil mostrou que é conservador, mas não tolera o golpismo. Muitos integrantes da chamada direita maluca, no entanto, foram eleitos no Congresso. O fato se repetiu em 2024. Inicialmente, por exemplo, foram eleitos: a senadora que diz que a princesa de Frozen é lésbica, o deputado que odeia pessoas trans, o juiz que disse que nunca entraria para a política e, curiosamente, a esposa do tal juiz também. No pleito deste ano, o ex-assessor do bolsonarista mineiro também foi eleito com expressiva quantidade de votos.

Nos resta a pergunta: o Brasil endoidou ou apenas endireitou? São dois Brasis (um de esquerda e outro de direita) ou são vários países dentro de um só? Os candidatos precisam fazer a lição de casa, estudar o público que querem conquistar e ler um pouquinho sobre história. Precisam, no mínimo, conhecer o país que vivem. Os eleitores merecem e carecem de respeito.

Bolsonarismo não precisa mais de Bolsonaro

O bolsonarismo não precisa mais de Bolsonaro assim como o lulismo não precisa mais de Lula. Em meio a descredibilidade da velha política, novos rostos vão surgindo e os antigos vão se tornando obsoletos. O que se espera dos novos líderes é humanidade e gestão. É necessário coragem para ser o que é e defender o que acredita, mas é preciso lembrar sempre que um representante do povo não deve representar seus interesses pessoais, tampouco de um grupo. Ele não governa somente para quem o elegeu, mas para todos.

Por mais que determinado político busque apoio dentro das igrejas, ele não vai transformar a cidade ou país em uma República de Gilead. Onde a esquerda se perdeu que não consegue mais se conectar com esse público que o bolsonarismo alcança? É preciso repensar as estratégias de marketing e comunicação para que a extrema-direita não acabe se reelegendo novamente.

O Brasil é mais de esquerda ou mais de direita? Cada um vai responder sob o filtro de seus olhos. A resposta, porém, não importa. Você pode ser o que quiser, mas o Brasil é uma democracia e ponto final. É preciso atacar ideias e preservar pessoas, lembrando sempre que somos inocentes, acreditando “que o que vemos com nossos olhos é a verdade sobre o mundo” (Nicolau Copérnico).