Elder Dias


Em qualquer comparação futebolística há polêmicas: quem é (ou foi) melhor, esse ou aquele? E se fulano jogasse hoje, será que faria a mesma coisa? Perguntas como essas povoam toda rodinha de conversa sobre o chamado esporte bretão.

Mas não dá para ser democrático com tudo. Não dá para seriamente respeitar a opinião de quem despreza o que fez o Rei.

Dia 29 de dezembro fez um ano que Edson Arantes do Nascimento morreu, mas seu avatar, Pelé, já era eterno desde seus 17 anos, quando, na final de uma Copa do Mundo, deu um lençol em um adversário sueco e bateu para marcar o gol que seria seu cartão de visitas: “Prazer, eu sou o Rei”.

Vendo qualquer vídeo em que Pelé estivesse em campo, não é preciso entender de futebol para saber que ele era de outro nível. Não é nem questão de técnica, mas de estética. Os movimentos do corpo do Camisa 10 eram totalmente diferentes de tudo o que se via nos gramados – e mesmo do que se vê hoje em dia.

Pelé atingiu com excelência os três níveis que precisa ter um atleta completo: o domínio do objeto de seu jogo; o domínio de seu próprio corpo; e, por último, o domínio de sua própria mente.

Primeiro: não há nenhuma dúvida de que a bola lhe parecia extensão do corpo. As arrancadas e as frenagens de Pelé em campo não deixam nenhuma dúvida sobre isso. Talvez, entre os jogadores contemporâneos, apenas Lionel Messi faça alguma coisa próxima, como se prendendo a pelota ao pé com um cordão.

O domínio sobre o corpo fazia com que seu centro de gravidade fosse algo único. Mesmo quando estava em alta velocidade, quando alguém pode ser derrubado com um leve toque, Pelé não caía. São inúmeros os gols que perpetrava vencendo zagas inteiras, não importa se num campo no interior paulista ou em uma partida de Copa do Mundo (como, aliás, ocorreu contra o México, em 1962). E assim como era para frente, também era para cima: a inexplicável impulsão que tinha aquele negro de pouco mais de 1,70 metro, vencendo zagueiros gigantes. Há muita fotos registrando, mas basta ver o gol que abre o placar da final da Copa de 70, com ele cabeceando a pairar no ar sobre o italiano Burgnich para entender isso.

E o que dizer do preparo psicológico de alguém que parecia um veterano no corpo de um menino? Em tese, ninguém pode ser “rei” sem ter sido “príncipe”, mas a autoridade que Pelé impunha em campo era algo que o entronizava desde sempre dessa maneira. Sua superioridade não era só técnica, mas também mental.

Não dá para ter outro Pelé. Primeiramente, porque era um exemplar fisiológico singular: todas as fibras de seus músculos nasceram com o propósito de servir ao futebol. Em segundo lugar, porque na sociedade imagética que só se amplia, não há mais espaço para lendas. Não há nada que seja sólido, tudo se desmancha no ar – e nas redes sociais.

Ficamos combinados: na hora de fazer qualquer lista sobre melhores de todos os tempos, deixe o Rei quieto. Discuta quem foi o número 2 e daí em diante. E pule o número 10.