É natural do ser humano tomar algum tempo para se familiarizar com o uso de novas tecnologias, principalmente as que revolucionaram a nossa forma de existir. As gerações que não conheciam essas ferramentas sofreram no processo de adaptação ao se depararem com essas novidades. A televisão e a internet são alguns exemplos que podemos citar nesse contexto. 

Como usar, em que contextos usar, para que fins e quais as consequências do uso desregrado são alguns dos questionamentos que toda nova tecnologia traz consigo em seus primeiros momentos. Apesar de já ter algumas décadas de existência, o mundo globalizado conectado pela internet ainda se desenvolve e o seu alcance completo ainda não foi definido, portanto, ainda não dominamos inteiramente essa tecnologia que ocupa cada vez mais espaço em nosso cotidiano. 

O uso inicial da internet era majoritariamente voltado para o lazer, com o passar dos anos e o desenvolvimento dessa tecnologia, outros setores do nosso cotidiano migraram para esse ambiente. Atividades econômicas, políticas e sociais se concentram cada vez mais nesse espaço. 

Essa migração do cotidiano para o ambiente digital traz consigo desafios: quais são os limites das empresas ligadas às tecnologias de informação, o que elas podem e não podem fazer e o que elas devem fazer? Essas são perguntas ainda sem resposta, que puxam debates políticos em diversos países.

Exemplificando o debate está a postura de duas empresas diferentes: o Google o X (Antigo Twitter). No segundo semestre deste ano, o Ministério Público conseguiu capturar um médico acusado de armazenar 13 mil imagens de exploração sexual infantil graças a um alerta gerado pelo Google. A plataforma bloqueou a conta do suspeito e reportou automaticamente às autoridades. 

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Analisando as imagens, foi possível perceber que o médico gravava clandestinamente consultas de suas pacientes. O promotor do caso, Diego Barbiero, disse que: “Nós dificilmente chegaríamos em uma investigação de gravação clandestina de pacientes se não fosse ligado o alerta [pelo Google] do armazenamento de material contendo exploração sexual infantil”. 

As autoridades reforçaram o papel que as empresas de tecnologia podem assumir no combate a diversos crimes que se dão no meio digital. Transações bancárias suspeitas, armazenamento de cenas de exploração sexual infantil, comércio de substâncias ilícitas, ameaça, injúria, calúnia entre outros crimes podem ser coibidos com o apoio de empresas como o Google, a Meta e o Telegram, por exemplo. 

Contramão

Indo na direção contrária à esperada, temos os exemplos dos empresários Pavel Durov, fundador do Telegram, e de Elon Musk, dono do X (antigo Twitter). 

Durov chegou a ser preso na França, no dia 24 de agosto, acusado de não cooperar com as autoridades locais em investigações contra tráfico de drogas, crimes de pedofilia, fraude, entre outros. Ou seja, diversas atividades ilícitas estavam sendo encobertas pelo aplicativo de mensagens, sob o manto da defesa da ‘liberdade de expressão’. Quase um mês depois, Durov afirmou que irá colaborar com as investigações e irá entregar os materiais dos usuários que violaram as regras do aplicativo às autoridades. “Não permitiremos que pessoas mal-intencionadas comprometam a integridade da nossa plataforma para quase um bilhão de usuários”, disse em comunicado. 

No caso de Elon Musk, o X foi bloqueado no Brasil após ignorar diversas determinações legais envolvendo combate à disseminação de informações falsas ligadas ao meio político.  O empresário multi-bilionário acusou publicamente o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, de censura e se recusou repetidamente a cumprir as medidas. O presidente Lula da Silva (PT) chegou a se pronunciar sobre o caso, referendando as decisões do STF: “Não temos de aguentar o vale-tudo de Musk só porque é rico”.

Depois do desgaste, Musk decidiu, na semana passada, cumprir as determinações legais impostas pelo STF. Na quinta-feira, 19, o bilionário indicou um representante do antigo Twitter no Brasil e bloqueou alguns perfis que haviam sido determinados pelo ministro. A briga entre a Justiça brasileira e o ego de um bilionário que comprou a rede digital recentemente parece chegar ao fim. 

Possibilidades

Enquanto umas companhias reforçam seu compromisso com a legalidade e mostram iniciativa ao se aliar às autoridades, outras empresas, sob a égide da ‘liberdade de expressão’, acabam encobrindo crimes. Sobram desses embates, além de um mar de desinformação, os questionamentos: “qual o limite de atuação das empresas de tecnologia?”, “até onde vai a defesa da liberdade de expressão?” e “Como as novas ferramentas podem se tornar aliadas  da Lei e da Democracia”?