Quem deixou a previdência em situação difícil não foi o servidor público
19 dezembro 2023 às 15h57
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As razões pelas quais a Previdência Social é considerada um deficit nas contas públicas transcendem o tempo e os regimes de governo pelos quais o Brasil passou. Há uma tese que a Previdência Social nunca foi deficitária, mesmo pagando benefícios para quem nunca contribuiu e cumprindo uma função social importante na vida de milhares de pessoas. Mesmo que estas pessoas recebam apenas um salário mínimo e sem décimo terceiro, já ajudou a tirar muitas pessoas da miséria absoluta.
No Brasil tornou-se hábito colocar a culpa nos servidores públicos concursados das coisas ruins que acontecem no serviço público. Mas esquecem que são os servidores de carreira que impedem que a tal da corrupção seja maior. É bem verdade, que alguns podem se desviar na conduta, mas a maioria é quem faz a locomotiva do Brasil funcionar, puxando todo um trem de coisas importantes que se traduzem na viabilização do funcionamento de muitas coisas importantes para a população como um todo.
Mas voltando ao assunto previdência, depois do trabalhador assalariado da iniciativa privada, o servidor público é o que mais perdeu com as reformas promovidas no sistema de previdência brasileiro nos últimos 25 anos. É preciso fazer um parênteses aqui: o servidor público comum perdeu muito. Porque as carreiras sempre privilegiadas perderam poucas coisas, como era uma pensão dada a filhas solteiras de militares e do poder judiciário de alguns estados, como o Rio de Janeiro. A União gasta R$ 3 bilhões por ano com as filhas solteiras de militares, e vai continuar gastando até que todas morram.
Há também as chamadas desonerações para 17 setores da economia do período da pandemia, que o Congresso renovou por mais quatro anos agora, ao derrubar o veto do presidente à lei. As desonerações custam aos cofres públicos cerca de R$ 20 bilhões, sob a desculpa de poder gerar mais empregos. Já usaram o dinheiro da previdência até pra fazer pontes e outras obras públicas.
Outro detalhe é que os governos Neoliberais impuseram as primeiras reformas que vão empobrecendo o trabalhador que ganhava um pouco mais, ou mesmo os pequenos empresários que apostaram numa contribuição alta para ter um bom benefício no final da vida. Eles foram golpeados com o fator previdenciário, inventado lá pelo governo FHC, que impõe uma redução gradual nos vencimentos de quem aposentou pelo teto da previdência, até que ele chegue no patamar de um salário mínimo.
Uma pessoa com 80, 90 anos, tem gastos grandes com medicamentos, vitaminas, tratamentos médicos, exames, consultas. Sim, porque mesmo usando o Sistema Único de Saúde (SUS), os aposentados mais velhos ainda precisam gastar com medicamentos, mesmo que consiga um ou outro fornecido pelo governo. Além disso, tem que manter alimentação saudável, ou apenas manter alguma alimentação, com R$ 1.320,00.
Nos estados as reformas previdenciárias foram feitas e o Tocantins é o último a aprovar as leis para isso. Alguns estados conseguiram amenizar as perdas dos servidores e no Tocantins argumentou-se que “em pouco tempo o Igeprev não terá como pagar os benefícios” e que “o estado já está arcando com tantos milhões para Igeprev pagar todos os benefícios de aposentados e pensionistas”.
Oras, todos sabemos porque o Igeprev tem problemas para fechar suas contas. O primeiro motivo foram as gestões fraudulentas que colocaram recursos do Igeprev em aplicações duvidosas ou de grande risco. As operações Miquéias e Greenfield da Polícia Federal investigaram e apresentaram provas e documentos mostrando a fraude, estimada na época em R$ 1,2 bilhões, que correspondia a um terço dos recursos disponíveis para aplicação.
Não dá pra esquecer também que em vários governos o Estado simplesmente deixou de fazer os repasses totais devidos ao Instituto. Na primeira vez que isso aconteceu, último governo Siqueira Campos, havia oposição na Assembleia e houve questionamento da legalidade de parcelamento dos valores não repassados durante vários meses. Deputados de oposição consideram que seria obrigatório que a Assembleia Legislativa aprovasse o acordo de parcelamento, por se tratar de um empréstimo que o governo estava fazendo junto ao Igeprev. A votação da Assembleia não aconteceu e ninguém questionou mais.
Depois, já no governo Marcelo Miranda, também aconteceu do Estado não fazer os repasses e depois ter que negociar um parcelamento daquele recurso que serviria para pagar os benefícios mensais, obrigando a gestão do Igeprev a retirar recursos das aplicações para honrar pagar os beneficiários.
E aconteceu também no governo de Mauro Carlesse de deixar de fazer repasses ao Igeprev por alguns meses. Lembrem que estes repasses são devidos pelo desconto do percentual dos slaários dos servidores e também da parte devida pelo Governo como empregador.
Outro fator que causa prejuízo ao Igeprev é que o governo deixou de fazer concursos para várias áreas durante os últimos anos, optando por contratos temporários. Nem é preciso dizer quem é que decide a ocupação dessas vagas, mas é preciso lembrar que quando se tem um contrato temporário, o recurso da previdência vai para o INSS e não para o Igeprev.
A posse de cerca de cinco mil professores vai melhorar a arrecadação do Igeprev, mas é preciso mais. Fala-se que seria necessário um novo concurso do quadro geral e alguns quadros específicos com cerca de seis mil vagas, levando-se em conta as aposentadorias já ocorridas e muitas já previstas para os próximos dois anos. Isso, mesmo contando que a Reforma vai frear muitas aposentadorias.
Mas dentre os problemas da previdência estadual está a existência de várias categorias privilegiadas com benefícios integrais e corrigidas pelos mesmos índices dos servidores em atividade, categorias que ganham acima do teto do Executivo.
E ainda os programas de antecipação de aposentadorias que tiraram servidores da posição de contribuintes para a posição de recebedores de benefícios.
O servidor público do Executivo já foi penalizado com o aumento da contribuição de 11% para 14% e será penalizado mais uma vez pagando por fora uma “aposentadoria complementar”.
A aposentadoria complementar é o grande ponto desta reforma porque todo mundo que quiser ganhar mais que o teto do Regime Geral da Previdência (INSS) (R$ 7.507,49) vai ter que pagar uma contribuição complementar.
Quem vai ganhar muito agora são os bancos que vão oferecer as aposentadorias complementares a quem pode pagar, porque os que ganham pouco vão ficar mesmo a ver navios e tendo que trabalhar mesmo depois de aposentados.