O economista e pesquisador Waldecy Rodrigues defende a tese que o Tocantins foi a última experiência bem-sucedida de desenvolvimento regional no Brasil. O pesquisador aponta que o bom desempenho da economia após a criação do Estado é a comprovação inequívoca de que a redivisão territorial foi muito boa para o Norte de Goiás e para o Brasil. “A divisão trouxe muitas perspectivas para o Norte goiano. Depois de sua criação, a economia do Tocantins cresceu em média 7,5% ao ano ante 3% do País, mais que o dobro nacional. Isso mostra a pujança da economia do Estado”, afirma.

Para o pesquisador, o grande desafio do Tocantins tem sido transformar crescimento econômico em desenvolvimento. Segundo ele, isso passa pelo encontro da grande economia do agronegócio com a pequena economia da agricultura familiar. “De um lado, temos o sucesso do agronegócio; do outro, uma necessidade de alimentar melhor as pessoas, de servir melhor as cidades, nas pequenas economias também, ligadas aos pequenos produtores de leite, de queijo, aquele que planta mandioca, faz farinha e outras possibilidades que existem. Temos também uma juventude ávida por conhecimento, que está estudando, se capacitando no ensino superior e técnico. Temos de unir essas pontas para uma política de desenvolvimento que consiga compreender a grande economia, a pequena economia, o papel do conhecimento, da ciência, da tecnologia, de modo que realmente os resultados sejam melhores do que se nada fosse feito”, defende.

Waldecy ensina que desenvolvimento é mais que somente crescimento econômico, que pode vir sem políticas públicas de fomento aos pequenos negócios que contribuam para a distribuição de renda e fortalecimento da economia. No fim disso, vêm desequilíbrios, conflitos sociais, violência. “Temos de ver a questão do beneficiamento da soja, fábrica de ração, para fomentar outra cadeia produtiva, da produção animal, suíno, aves e também piscicultura. Se ligarmos esses pontos, promovemos desenvolvimento. Se não, vamos ter umas cem caminhonetes de gente muito rica e uma multidão padecendo, pedindo emprego no setor público. Se crescer muito dessa forma, o que se amplia também é a marginalidade e todas as questões relacionadas aos crimes”, pontua o pesquisador.

Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, dentro da temática Tocantins 35 Anos, o economista e pesquisador da Universidade Federal do Tocantins (UFT) – ligado aos programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, em Modelagem Computacional e em Gestão de Políticas Públicas – apresenta um panorama da economia do Tocantins enfocando os desafios e as oportunidades. Para ele, é inadiável o desenvolvimento de políticas públicas capazes de promover inclusão social, sob o risco do esforço do Estado para promover desenvolvimento continuar beneficiando apenas uma pequena parcela da sociedade: os mais ricos, que a cada dia estarão ainda mais ricos.

Redivisão territorial fez muito bem para esta parte do território brasileiro, antigo norte goiano

Como o sr. avalia o desenvolvimento econômico do Tocantins, conseguiu superar o longo período de atraso do então norte de Goiás?

Eu costumo dizer o seguinte: o Tocantins foi a última experiência bem sucedida de desenvolvimento regional no Brasil. Realmente, essa divisão territorial fez muito bem para esta parte do território brasileiro, antigo Norte goiano, que era uma região que vivia basicamente da BR-153, em cidades pequenas, com exceção de Araguaína e Gurupi, que tinham alguma prosperidade. A divisão trouxe muitas perspectivas para o [antigo] Norte goiano. Depois da criação do Estado, a economia do Tocantins cresceu em média 7,5% ao ano ante 3% do País, mais que o dobro nacional. Isso mostra a pujança da economia do Estado, fora do que se vê a olho nu a infraestrutura que foi expandida. Primeiro, a malha rodoviária, também a construção de hidrelétricas, que foram se sucedendo ao longo do tempo. E, por último, essa quase consolidação dos modais, com a Ferrovia Norte-Sul. Foi muito boa para o País a criação do Estado do Tocantins e melhor para as pessoas que moravam aqui e para as que para cá vieram.

Waldecy Rodrigues concede entrevista ao jornalista Ruy Bucar | Foto: Nonato Silva

A maior obra de infraestrutura foi a própria construção da nova capital

O que explica estes altos índices de crescimento e quais os segmentos mais impactados?

Nas décadas iniciais, o crescimento do Estado foi muito baseado na infraestrutura. E a maior obra de infraestrutura foi a construção da nova capital. Demandou uma série de indústrias e serviços ligados ao próprio segmento da construção civil. Outrora a economia da região tinha forte relação com a pecuária extensiva, como é o caso de Araguaína, Colinas [do Tocantins], Paraíso [do Tocantins] e algumas áreas agrícolas já de produção irrigável, que é caso de Formoso do Araguaína. Demorou um pouco a se dinamizar, mas isso vem acontecendo muito fortemente. Já na segunda metade da última década, de 2015 para cá, temos o fortalecimento de um setor que já não era mais o ligado a construção, que apresentou um natural declínio porque as obras foram sendo realizadas, consolidadas. O que vem se fortalecendo é a vocação agropecuária, agora com maior intensificação e com o surgimento de novas culturas, especialmente soja e milho, que outrora quase não existiam e que agora estão muito fortes.

Também têm as ocorrências minerais que vêm se ampliando. Já havia casos geológicos, mas esses não eram tidos como viáveis do ponto de vista econômico, mas agora vêm se expandindo bastante. Então, tudo caminha nessa direção. Por certo, o desafio é tentar fazer com que essa expansão atualmente baseada no setor agropecuário e um pouco de minérios, mas muito fortemente no setor pecuário, consiga expandir mais as oportunidades pelo território. Esse é um desafio grande.

Temos um grande potencial para a produção de peixe e hoje basicamente não existe essa produção para exportação

É preciso corrigir os desequilíbrios regionais internos que permanecem?

Isso de fato é um desafio grande também, porque não há vara mágica. Com a agroindustrialização, vem o desenvolvimento. O Estado faz políticas públicas, gestão de investimentos e tudo mais, mas aqui também tem uma riqueza hídrica imensa, essa riqueza hídrica outrora era explorada só para irrigação em alguns pontos, mas tem um potencial grande para a criação de peixes, para outros usos também, esportes náuticos, pesca esportiva etc. tudo aquilo que a água proporciona. Mas aqui tem um grande potencial para a produção de peixe e hoje basicamente não existe essa produção para exportação, salvo alguns em lugares do Estado, o que seria uma área muito importante. Então, o lema é: consolidar as vantagens competitivas na agropecuária, modernizando e ampliando o investimento em genética, tudo aquilo que faz com que melhore a produção vegetal e animal. Mas, por outro lado, também é preciso buscar duas coisas: agregação de valor, tanto na industrialização, quanto em serviços tecnológicos, serviços de alto valor agregado que permeiam esses setores; e incluir mais as pessoas nesses fluxos de oportunidades que existem. Tem de estimular muito realmente a inclusão de um maior número de pessoas, quer seja pela carteira assinada, quer seja pelo cooperativismo, quer seja pelo empreendedorismo. Não adianta nada olhar só para a grande economia e trazer grandes investimentos. Isso é importante, mas se não tiver uma estratégia para democratizar as oportunidades, vamos ter um modelo que concentra a renda.

Promove crescimento, mas para poucos?

Um modelo que concentra a renda e causa problemas diversos ao meio ambiente e tudo mais. É um desafio que tem que ser pensado amplamente pela sociedade.

Não se pode excluir as pessoas que aqui vivem. É preciso capacitá-las para montar seu negócio e ampliar as oportunidades

O sr. observa que a indústria tocantinense desacelerou na última década, mantendo o mesmo percentual do PIB, em torno de 11%, da década passada, quando já chegou a 22%. O que está acontecendo com o segmento no Tocantins?

O mundo real da economia parece com o mundo real da política. Existem as forças, as estruturas, as tecnologias. Grande parte delas já estão nas mãos do capital multinacional, algumas coisas nas mãos do capital nacional, mas se pegar os maiores produtores de alimentos, de ração, de marcas, são grandes multinacionais. Então, esse é o tabuleiro do jogo, a gente tem de jogar de acordo com as peças e com as regras que existem nesse tabuleiro. O que acontece, no Tocantins especialmente, é que a gente vive uma situação de expansão de matérias-primas, soja, milho, certa tecnificação na produção de carne. E aqui tem uma grande possibilidade para outras cadeias de produção animal, como por exemplo, aves, suínos e também a área de peixe, de piscicultura, tem um forte potencial natural mesmo de clima, de situação e vem também melhorando muito a questão do potencial logístico. Nossas vantagens logísticas vêm se ampliando.

O poder público tem um papel muito importante no fomento às pequenas economias

De um lado nós temos isso, do outro uma necessidade de alimentar melhor as pessoas, de servir melhor as cidades, nas pequenas economias também, ligadas aos pequenos produtores de leite, de queijo, a aquele que planta mandioca, que faz farinha e outras possibilidades que existem. Temos também uma juventude ávida por conhecimento, que está estudando, se capacitando no ensino superior, ensino técnico, nós temos de unir essas pontas para uma política de desenvolvimento que consiga compreender a grande e a pequena economia, o papel do conhecimento, da ciência, da tecnologia, para que realmente os resultados sejam melhores do que se nada fosse planejado. E aí tem toda uma gama de oportunidades também ligadas à bioeconomia, que é a produção de combustíveis limpos, e outras possibilidades que tambémdevem ser exploradas, mas sempre pensando, a meu ver, nessa conciliação da grande economia com a pequena economia. É necessário ter ações para a grande economia, atrair investimentos, multinacionais, que o Estado já faz, com pacote tecnológico e outras questões. Mas ao mesmo tempo não se pode descuidar das pessoas que aqui vivem e moram. Tem de capacitá-las para montar uma cooperativa, montar uma pequena empresa, para ampliar oportunidades. Nesse sentido, o poder público tem um papel muito importante, principalmente no fomento às pequenas economias. Tem de estar pensando nesse sentido, desenvolvendo estratégias nessa direção.

Há uma crítica ao modelo de desenvolvimento do Tocantins, segundo a qual o Estado ainda não foi capaz de superar a condição de o setor público ser o grande empregador. É um modelo paternalista que reflete a lógica do poder político?

Vou puxar outro assunto, mas vou chegar lá. Veja quanto que a escolha de uma sociedade é importante para sua trajetória de desenvolvimento, o quanto que é importante uma escolha consciente e pensada. Há muitos casos, mas vou pegar um caso que é bem emblemático, o do petróleo. Há países que têm reservas imensas de petróleo e que são muito pobres e países que têm essas mesmas reservas e conseguiram estruturar melhor as suas economias, a partir do petróleo. Da mesma forma há em relação à tecnologia. O que quero dizer é que depende muito da escolha que a sociedade faz, que é consubstanciada nos poderes políticos e econômicos, na cultura política, na cultura empresarial e na cultura geral das pessoas.

Então, falando da cultura empresarial, tem de ter empresários com visão de futuro, de compromisso com a sociedade e tudo mais. A visão das pessoas também, de saber qual ofício está passando para o filho, de como é a casa da família, a relação com o trabalho. E, por fim, a cultura política, que também é muito importante, porque significa, em grande parte, o rumo que o País vai seguir nas políticas que são importantes para o desenvolvimento. Infraestrutura, industrialização, comércio e serviços, tecnologia, educação, saúde, cultura. Então, de fato, essas escolhas são determinantes para a trajetória do desenvolvimento.

As pessoas dizem “quero que o Estado se desenvolva”, mas, na verdade, votam para quem promete um emprego público

Chegando a nossa realidade, que também é a mesma coisa, são as escolhas que a gente faz. Quer dizer, as pessoas dizem “quero que o Estado se desenvolva”, mas, na verdade, votam para quem promete um emprego público. Mas por quê? Porque a necessidade mais imediata é aquela. Agora, o que está acontecendo com o Tocantins e vai acontecer, ou pode acontecer, é muito associado com a outra etapa do ciclo econômico. O Tocantins só vai poder agora expandir seus serviços públicos se ele aproveitar melhor as oportunidades geradas pela mineração, pela industrialização das matérias-primas, para gerar economias próprias, para ampliar sua arrecadação tributária. Do contrário, a arrecadação vai permanecer como está, se nada de novo vai acontecer.

O Tocantins é um Estado jovem, daqui a pouco vai ter aumento da despesa previdenciária e, com a mesma receita. E mais: precisando de mais serviço público. Então, essa equação tende a não fechar. Então, na verdade, é um pouco que se não houver esse ponto de inflexão na economia, singularmente no setor privado, as coisas não vão andar fáceis por aqui. Mas a boa novidade é que as coisas vêm acontecendo naturalmente. Mesmo nos esforços que existem. Mas precisa de um rumo. Por exemplo, o Tocantins quer ser competitivo internacionalmente em quê? Nacionalmente em quê? Qual o rumo que ele quer seguir? Qual o cuidado que ele vai ter com as pequenas economias? No fomento ao cooperativismo, à pequena produção, ao empreendedorismo? Qual o papel da educação nesse processo? São as escolhas. Porque é óbvio, se busca a perspectiva que está mais próxima ao alcance. Nós como pessoas fazemos isso também. Mas só que, para a economia dar um salto maior, a política de Estado, de desenvolvimento, deve prescrever outras estratégias. Essa estratégia efetivamente de melhorar a educação, investir em ciência e tecnologia, atrair investimentos, melhorar a infraestrutura e começar a pensar em alguns setores que têm muito potencial e que está subutilizado. Nós temos isso ainda. Isso é uma dádiva. Aqui tem muita água, muito recurso hídrico, isso pode se tornar um recurso econômico, mas como? Tornando aqui um trade internacional na área de peixes. Já vendemos e exportamos carne, pode ser um grande exportador de peixe e outras coisas. Então, tem de melhor aproveitar as oportunidades que nós temos.

O Tocantins é o 10º Estado em volume do rebanho bovino e o maior produtor de grãos da região Norte do país. O que significam esses dados?

Representa uma oportunidade, a meu ver, que depende muito da escolha, do que vai ser feito. Então, naturalmente, o crescimento da soja, da produção de milho, da pecuária, tudo pode ser bem aproveitado. Isso é muito relacionado com a grande economia, embora tenha a pequena economia dentro também. É preciso aumentar a competitividade de nossos frigoríficos, tentar ampliar a cadeia de produção, com a produção de couro, artefatos etc., enfim, buscar possibilidades.

É preciso também observar questões como o beneficiamento da soja, a fabricação de ração, fomentar outra cadeia produtiva – da produção animal, com suíno, aves e também piscicultura. Se ligamos esses pontos, promovemos desenvolvimento. Obviamente, é preciso fazer isso com todas as práticas ambientais, respeitando o zoneamento ecológico-econômico, as áreas que podem e que não podem ser cultivadas. Mas, se não ligarmos os pontos, o que vamos ter? Umas cem caminhonetes de gente muito rica e uma multidão padecendo, pedindo emprego no setor público. Se crescer muito, mas dessa forma equivocada, vamos ampliar a marginalidade e todas as questões relacionadas a crimes.

O que falta ao País e a nosso Estado é a consolidação de uma visão de longo prazo

Dentro da temática Tocantins 35 Anos, qual a avaliação se pode fazer do ponto de vista econômico e de desenvolvimento? Ainda falta um grande plano de Estado e não apenas de governo?

É algo complicado, porque o mundo hoje é muito dinâmico. Todo dia tem uma novidade, boa ou ruim, em tudo. Mas o que falta ao País e também a nosso Estado, especialmente, é a consolidação de uma visão de longo prazo. O que queremos fazer no longo prazo? As pessoas têm a tendência de querer colher no próximo mês, na próxima semana. Não é assim que funciona. É preciso ter fundamentos nos vários campos para ter, então, um país mais desenvolvido, um Estado mais desenvolvido. A consolidação dessa visão de longo prazo é fundamental, porque planeja a economia e a sociedade para relações futuras. Por isso, é preciso investir em educação de qualidade na primeira infância, em cultura, em artes, em infraestrutura, tudo aquilo que é necessário para um grande plano. O que é fundamental aqui, nesse sentido? Duplicar a BR-153, unir a Ferrovia [Norte-Sul], a hidrovia no Ecoporto de Praia Norte. É assim,pensar em questões de longo prazo. E isso precisa ser um patrimônio da sociedade.

O que acontece muito no Brasil e no Tocantins é que a gente aposta demais na eleição e depois muda o rumo completamente

O que acontece muito no Brasil, em geral, e no Tocantins, em particular, é que a gente aposta demais na eleição. Depois da eleição, o rumo muda completamente. Se não tem uma construção de longo prazo, um problema de longo prazo, não vamos ter indicadores bons. A gente fica esperando, até pensando no caso da Argentina, inflação de mais de 100% ao ano, sem confiança na moeda, a pobreza aumentando. Lá têm terras maravilhosas, uma altíssima fertilidade, um clima subtropical, mais úmido, mais frio. Veja a crise que eles estão passando. Vai ter eleição. A eleição vai resolver as coisas, pelo fim do Banco Central, o que está sendo debatido lá, como a completa dolarização da economia, privatizar tudo e outras coisas? Estou tomando esse exemplo porque é um caso para estudos brasileiros. Parece que com a eleição se resolve tudo, mas só vai haver uma trajetória melhor se aprendermos com a história. O que a história nos diz? Que os países que se tornaram mais bem-sucedidos fizeram escolhas. Tiveram também muito sofrimento, com guerras, por exemplo, mas fizeram suas escolhas e mantiveram a visão de longo prazo e um senso de civilidade. Precisamos de um pacto por essa visão de longo prazo, que envolva educação, tecnologia e tudo o mais. Veja: hoje seu celular é coreano, meu relógio é chinês, tudo isso foi escolha, não nasceu do nada, afinal, eles não eram produtores de celular nem de relógio.

E nem tinham vocação natural para isso.

Foi uma visão de longo prazo, investimento nas pessoas e na educação. Então, pensando em Tocantins, a gente precisa conseguir estruturar uma visão de longo prazo, com educação de qualidade, investimento em ciência e tecnologia, nos jovens, nas cidades, chamar os municípios para os seus planos de desenvolvimento. É preciso montar cooperativas, pensar, como já disse na grande economia, mas também nas pequenas economias. Isso faz toda a diferença, em vez de achar que as coisas vão fluir naturalmente. Podem fluir naturalmente, mas os resultados serão muito piores do que se houvesse planejamento, esforço e visão de longo prazo.