Cedeca Glória de Ivone: “Nosso futuro é com as crianças e adolescentes”

15 junho 2025 às 17h34

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Criado em maior de 2007, o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Cedeca Glória de Ivone surgiu a partir da mobilização de mulheres atuantes na política da infância no Tocantins.
A proposta inicial era garantir que cada município do estado tivesse um Conselho Tutelar. Ao perceber a ausência de um espaço institucionalizado voltado à defesa dos direitos das crianças e adolescentes, o grupo decidiu fundar o centro, hoje referência na área.
Bárbara Xavier, assistente social e coordenadora de projetos , está a mais de 10 anos integrando a equipe do Centro e explica sobre como funciona a atuação, as principais demandas e as perspectivas futuras do Centro.
“O Cedeca surgiu em 2007, a partir do movimento de algumas mulheres que já atuavam na política da infância em todo o estado. E aí elas começaram a perceber a necessidade de que o estado tivesse um conselho tutelar em cada município. Quando ele é criado, ele homenageia duas mulheres, que são a Glória e a Ivone, pensando em manter a memória viva do legado delas no movimento da infância”, disse ela.
18 anos de existência e protagonismo juvenil
Ao completar 18 anos de existência, o Cedeca celebra sua maioridade institucional e mostra sua força com a formação de jovens protagonistas. A coordenadora enfatiza o papel do centro na valorização dos sonhos e potencialidades da juventude.
“A gente sempre trabalha na perspectiva dos sonhos, da construção daquilo que fortalece as habilidades, as vozes dos adolescentes, acreditando que eles têm potencial para ocupar diversos espaços. E aí não seria diferente para o Cedeca. A gente espera que, a partir dessa maioridade, consiga ser cada vez mais referência na defesa de direitos aqui no Tocantins.”
Como o Cedeca se mantém
A instituição, que é independente e não tem vínculos partidários, enfrenta dificuldades financeiras para manter suas portas abertas. A principal fonte de financiamento vem de editais internacionais, especialmente da Alemanha.
“Hoje os nossos apoiadores são majoritariamente internacionais são da Alemanha, é a KNH e a Misereor, que são vinculados à igreja evangélica e à igreja católica. É um grande desafio, porque cada vez mais no Brasil, sobretudo com os últimos acontecimentos no governo, as políticas para apoiar e financiar a sociedade civil foram diminuindo cada vez mais”, detalha Bárbara.
Segundo ela, atualmente o centro também busca apoio por meio de fundos municipais e estaduais da infância e da adolescência, mas os recursos são escassos e a luta por financiamento é constante.
Principais marcos e conquistas
Um dos avanços mais significativos apontados pela coordenadora foi a consolidação dos conselhos tutelares em todos os municípios tocantinenses. Além disso, destacou a recente aprovação do fluxo de atendimento a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, regulamentado pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca).
“Ter esse fluxo organizado e finalmente ter uma resolução que o regulamenta é muito significativo. Principalmente para mitigar a violência institucional e evitar a revitimização das crianças e adolescentes.”
Outro marco importante é a própria trajetória dos jovens que passam pelo centro. “Quando esses adolescentes chegam à juventude e vão conquistando outros espaços, a gente vê como é significativo ter as vozes deles fortalecidas. O Cedeca fortalece neles esse lugar de sujeito de direito.”
Atuação na prática: formação, incidência e monitoramento
O Cedeca atua principalmente no eixo da proteção jurídico-social, acompanhando casos graves de violação de direitos. Embora não faça atendimento direto, a instituição acolhe casos exemplares, orienta e monitora a atuação da rede pública.
“O Cedeca atua a partir da proteção jurídico-social. A gente lança mão de estratégias como a incidência política e a formação política de crianças e adolescentes. Entendemos que as próprias crianças e adolescentes devem ser protagonistas e suas vozes precisam ecoar”, afirma Bárbara.
Além disso, o centro monitora políticas públicas e participa de conselhos e fóruns como forma de exercer o controle social sobre os serviços oferecidos pelo poder público.
Demandas atuais: saúde mental e militarização das escolas
Entre os principais desafios enfrentados pelas crianças e adolescentes no Tocantins, Bárbara destaca o aumento da violência sexual, do trabalho infantil e as condições precárias nas unidades socioeducativas. Mas um problema emergente tem ganhado destaque nas escutas feitas pelo Cedeca: o impacto negativo da militarização das escolas.
“São espaços de sofrimento. Uma das coisas que as crianças e adolescentes falam é que ‘o cabelo não estuda’. Muitos deles são obrigados a cortarem o cabelo para se enquadrar nos padrões exigidos, o que fere diretamente o processo de construção da identidade deles. E o que a gente quer chamar atenção, na verdade, é para a saúde mental dessas crianças.”
Ela também alerta para a falta de espaços de participação em muitos territórios, o que dificulta a escuta e o protagonismo infantojuvenil nas decisões que os afetam.
Apesar da responsabilidade constitucional atribuída ao Estado, os desafios para garantir os direitos de crianças e adolescentes permanecem evidentes. Um deles, segundo o Cedeca, está na estrutura dos equipamentos públicos que deveriam servir de apoio e proteção a esse público. “A gente tira, por exemplo, o Cras, que deveria ofertar serviços de fortalecimento de vínculos com grupos, com crianças, com adolescentes, com famílias, e que nem sempre conseguem cumprir esse papel. Principalmente nos interiores, pela limitação de recursos e de equipes próprias”, relatou a coordenadora da entidade.
A ausência de espaços adequados para convivência, cultura e lazer, somada a questões estruturais como a insegurança alimentar, compõe um cenário preocupante, inclusive em municípios maiores como Palmas. “Tem muitas crianças vivendo situações graves, de hipossuficiência alimentar. Isso não é um problema do passado. É uma realidade atual”, completou.
A representante do Cedeca também comentou sobre a recente operação Caminhos Seguros, do Ministério da Justiça, que resultou na prisão de mais de 200 pessoas no Tocantins por crimes contra crianças e adolescentes. Para a instituição, embora a ação represente um avanço diante da complexidade da violência sexual infantil, que ocorre em grande parte dentro do ambiente familiar. “É importante que o Estado atue de forma firme, mas a violência sexual não está apenas nos espaços públicos. Ela acontece majoritariamente no âmbito intrafamiliar”, observou.
Para o Cedeca, as políticas públicas seguem fragilizadas, com falta de formação continuada para profissionais da rede de proteção e ausência de recursos adequados. “Ainda temos uma carência muito grande. As políticas estão sucateadas. E não é justo responsabilizar o profissional da ponta, que muitas vezes não tem respaldo técnico ou estrutura para atuar”, defendeu.
Segundo a coordenadora, o estudo mais recente do Cedeca sobre o orçamento revela uma incoerência entre o discurso oficial de prioridade absoluta à infância e a destinação orçamentária real. “Como se faz política pública sem orçamento?”, questionou.
Um dos casos recentes acompanhados pelo Cedeca também envolve a rede estadual de ensino. Um grupo de adolescentes passou mal após consumir a merenda escolar e não recebeu o devido atendimento. “Eles começaram a passar mal em cadeia, e não houve apoio da escola para encaminhá-los ao atendimento médico. Uma das mães procurou o Cedeca, e a denúncia foi formalizada”, relatou. Segundo a entidade, a situação está sendo acompanhada pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público.
Para além da responsabilidade institucional, o Cedeca defende que a sociedade civil e os próprios profissionais da comunicação também têm papel essencial na proteção à infância. “Todos nós temos uma responsabilidade compartilhada. A violência sexual quase sempre apresenta sinais. Cabe a nós, adultos, estarmos atentos e agirmos”, alertou, ressaltando ainda a importância de canais como o Disque 100, o Conselho Tutelar e o Ministério Público como meios de denúncia.
Ao completar 18 anos, o Cedeca segue com o compromisso da construção de uma cultura de proteção. O fortalecimento das ações comunitárias, a escuta ativa de crianças e adolescentes e o foco em pautas como a justiça climática fazem parte dos próximos passos da entidade. “Nosso futuro é com as crianças e adolescentes. E também é ancestral, porque cuidar delas é cuidar do coletivo, da nossa história e do que virá”, finalizou a coordenadora.