Consumo de bebida alcoólica danifica o cérebro mesmo em pequenas quantidades, alerta neurologista

19 abril 2025 às 08h40

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Um levantamento conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) identificou uma associação entre o consumo de álcool em níveis considerados excessivos e a presença de lesões cerebrais ligadas a comprometimentos cognitivos típicos de quadros de demência. Os dados foram publicados nesta quarta-feira, 17, na revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia. Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, o neurologista do Hospital Geral de Palmas (HGP), Marcelo Cabral, comentou os resultados do estudo e ressaltou que não há níveis seguros de ingestão alcoólica.
“Realmente não existem níveis seguros nesses estudos mais recentes de consumo seguro de álcool. Inclusive aquele mito que uma taça de vinho por dia faz bem, caiu por terra. Então a gente vê que o álcool é uma toxina que não leva nenhum benefício ao organismo”, afirmou.
O trabalho considerou como referência a ingestão de oito doses ou mais de álcool por semana. Uma dose, segundo os parâmetros adotados, equivale a 14g de álcool — o que corresponde a uma lata de 350 ml de cerveja, uma taça de 150 ml de vinho ou 45 ml de destilados.
Os pesquisadores analisaram amostras de tecido cerebral de 1.781 pessoas, com idade média de 75 anos no momento da morte. Os cérebros fazem parte do acervo do banco de cérebros da USP, vinculado ao Grupo de Estudos em Envelhecimento Cerebral da Faculdade de Medicina. Os familiares dos doadores responderam questionários sobre os hábitos de consumo de álcool dos falecidos, possibilitando a classificação em quatro categorias.
O primeiro grupo, com 965 indivíduos, era composto por pessoas que nunca haviam consumido álcool. O segundo grupo, com 319 participantes, incluía os que ingeriam até sete doses semanais, classificados como consumidores moderados. O terceiro, com 129 pessoas, era formado pelos chamados “bebedores excessivos”, com consumo igual ou superior a oito doses por semana. O quarto grupo, com 368 indivíduos, reuniu os “ex-bebedores excessivos”, que mantiveram esse padrão de consumo em algum período da vida, mas o abandonaram.
Após ajustar os dados para fatores como idade, tabagismo e prática de atividades físicas, os pesquisadores identificaram que os integrantes do grupo de “bebedores excessivos” apresentavam uma probabilidade 133% maior de desenvolver lesões vasculares cerebrais em relação aos que nunca consumiram álcool. Já entre os “ex-bebedores excessivos”, o aumento do risco foi de 89%, enquanto os “moderados” apresentaram 60% mais chances.
As lesões identificadas, conhecidas como arteriolosclerose hialina, são caracterizadas pelo espessamento e enrijecimento de pequenos vasos cerebrais. Essa condição dificulta a circulação sanguínea e causa danos ao tecido cerebral, estando associada a quadros de prejuízo cognitivo e perda de memória — sintomas comuns em tipos diversos de demência.
Além disso, os pesquisadores também analisaram a presença de emaranhados da proteína tau, característica do Alzheimer. O estudo indicou que a probabilidade de ocorrência desses emaranhados foi 41% maior entre os “bebedores excessivos” e 31% superior entre os “ex-bebedores excessivos”, em comparação aos que nunca consumiram álcool.
“O álcool, além de ter um efeito direto no cérebro, também impede a absorção de outras vitaminas, inclusive a vitamina B12, que é a principal vitamina do nosso sistema nervoso. Com a deficiência de B12 e das vitaminas B6 e B1, que são essenciais ao sistema nervoso, ocorre não só o efeito direto do álcool, que já é muito danoso, mas também a má absorção, que pode levar à demência, neuropatias, fraqueza muscular e sintomas como parestesias, que são os formigamentos”, explicou Marcelo Cabral.
A pesquisa revelou ainda que o histórico de consumo igual ou superior a oito doses semanais estava associado a uma menor proporção de massa cerebral em relação à massa corporal e ao desempenho cognitivo inferior.
O neurologista também reforçou a importância de hábitos saudáveis para manter o bom funcionamento cerebral. “Para manter uma boa qualidade de vida, uma boa saúde cerebral, é necessário fazer atividade física e procurar uma alimentação que seja balanceada. Hoje em dia nós sabemos que as duas alimentações recomendadas pela Organização Mundial de Saúde são a dieta do Mediterrâneo — com bastante peixe, azeite, castanhas — e a alimentação tradicional brasileira, com frutas, cereais no café da manhã, e o clássico arroz, feijão, salada e proteína no almoço. Essa alimentação também é recomendada pelo Ministério da Saúde como saudável e balanceada”.
Outro ponto abordado pelo especialista foi a importância do sono para a memória e saúde mental. “Para a gente ter uma saúde mental é dormir bem, porque o sono é o guardião da nossa memória, o guardião da nossa saúde mental. Fazer uma boa alimentação e atividade física é fundamental, porque a atividade física, além de relaxar o cérebro, aumenta o metabolismo, o que faz com que se eliminem mais toxinas”.
Segundo ele, os efeitos do álcool se estendem a outros sistemas do corpo, interferindo no metabolismo e favorecendo o surgimento de doenças cardiovasculares. “O álcool interfere no metabolismo de outras substâncias, aumenta o risco de doenças cardiovasculares, faz um efeito direto lesivo nos vasos, predispõe ao risco de infarto e de AVC, que é a doença que mais mata no país. Ele também afeta o fígado, podendo levar a várias doenças hepáticas, fazendo com que o fígado não metabolize mais as substâncias, o que acumula toxinas que também afetam o cérebro. Então o álcool tem efeitos diretos e indiretos na nossa saúde cerebral”, concluiu Cabral.