Entre palavras e mundos: resenha de Arquiteturas do Sentido

09 agosto 2025 às 17h02

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A linguagem, desde sempre, esteve no centro das inquietações humanas. O que nos distingue? Como nomeamos, interpretamos e recriamos o mundo? Em Arquiteturas do Sentido: linguagem, história e simbolismo (Editora Pontes, 2025), o professor e pesquisador Thiago Barbosa Soares (UFT) propõe uma travessia singular por essas e outras perguntas fundamentais, em uma coletânea que alia sofisticação teórica, sensibilidade filosófica e densidade epistemológica.
Dividido em duas partes bem demarcadas, o livro reúne ensaios e artigos que percorrem temas clássicos e contemporâneos das ciências da linguagem, indo do mito de Adão como primeiro nomeador à genealogia da análise do discurso e seus impasses atuais. A obra conjuga autores como Aristóteles, Saussure, Foucault, Rousseau, Vygotsky, Bakhtin, Aristóteles, Platão, entre outros, demonstrando não apenas erudição, mas uma capacidade de construir pontes entre pensamentos, épocas e disciplinas.
Na primeira parte, destaca-se o ensaio “Adão, o primeiro linguista”, em que o autor, lançando mão de uma leitura filosófico-linguística, reconstrói o ato inaugural de nomear como um gesto de cognição, simbolismo e poder. Tal operação é apenas o prenúncio de uma investigação mais ampla que se espraia em textos como “Arqueologia discursiva”, sobre os quatro discursos aristotélicos, e “Uma linguística iluminista”, que revisita o pensamento de Rousseau à luz das contribuições contemporâneas da linguística.
A segunda parte da obra é marcada por uma inflexão mais crítica e discursiva. Soares percorre os fundamentos e os desdobramentos da Análise do Discurso, de modo a problematizar suas categorias, limites interpretativos e amarras eurocêntricas. Textos como “Os limites da interpretação” e “Descolonizar a Análise do Discurso brasileira” funcionam como marcos desse esforço reflexivo, ao tensionarem não apenas os conceitos que operam nos discursos sociais, mas os próprios dispositivos que sustentam a produção de conhecimento sobre eles.
Mais do que um inventário conceitual ou uma compilação de textos, Arquiteturas do Sentido configura-se como uma verdadeira ecologia de saberes. Ao atravessar territórios como a filosofia da linguagem, a semiótica arquetípica, a história das ideias linguísticas e a crítica da razão discursiva, o autor nos convida a repensar a linguagem não como mero instrumento de comunicação, mas como instância fundante da experiência humana e do tecido social.
O estilo do livro, marcado por clareza argumentativa e vigor analítico, exige do leitor uma escuta atenta e uma disposição interpretativa afinada com a complexidade dos fenômenos simbólicos.
Trata-se de uma obra que não se entrega a verdades fáceis nem se acomoda em consensos: seu gesto é o de interrogar, tensionar e reinscrever saberes, abrindo espaço para novas cartografias interpretativas.
Em tempos nos quais o discurso se banaliza e a palavra é muitas vezes reduzida a ruído ou manipulação, Arquiteturas do Sentido reafirma a potência da linguagem como lugar de escuta, invenção e resistência. É leitura indispensável para estudiosos da linguagem, mas também para todos aqueles que desejam pensar, com rigor e sensibilidade, os modos como nomeamos o mundo e deixamo-nos, por ele, significar.