Operação Sisamnes: PF detalha rede de lobistas que atuava dentro do STJ
24 outubro 2025 às 09h11

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Um novo relatório da Polícia Federal, produzido no âmbito da Operação Sisamnes, revela detalhes de um suposto esquema de corrupção que teria funcionado dentro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com o documento exposto pelo Estadão, servidores ligados aos gabinetes dos ministros Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Og Fernandes mantinham contato direto com os lobistas Andreson de Oliveira Gonçalves e Roberto Zampieri, este último assassinado em dezembro de 2023.
Segundo a PF, o grupo estruturou uma rede sofisticada de intermediação para antecipar minutas de decisões, prometer influência sobre magistrados e disfarçar pagamentos de propina por meio de contratos de advocacia e consultoria de alto valor. “Eu comprei esse processo”, escreveu Zampieri em 10 de outubro de 2019, em uma das mensagens recuperadas pela PF.
Os ministros mencionados não são investigados. Em nota, o gabinete de Og Fernandes afirmou que o ministro desconhece os fatos e defende que “qualquer pessoa que cometa ato ilícito responda na forma da lei”.
A assessoria de Nancy Andrighi informou que procedimentos de responsabilização estão em andamento para esclarecer as denúncias.
Por meio de sua assessoria no STJ, Isabel Gallotti declarou que o inquérito tramita sob sigilo e colocou seu gabinete “à disposição para colaborar integralmente com as autoridades”.
Conversas expõem o modo de operação
Mensagens interceptadas mostram o funcionamento do esquema. Em junho de 2019, Andreson e Zampieri trocam informações sobre um processo que tramitava sob segredo de Justiça, supostamente no gabinete de Gallotti. “Veja valor”, escreveu Andreson.
Quatro meses depois, insistiu: “Manda ele pagar o da Gallotti, que já resolveu”.
Para os investigadores, a expressão “o da Gallotti” fazia referência a um servidor do gabinete envolvido nas negociações, sem indícios de participação da ministra.
Em outro trecho, Zampieri desabafa: “Eu comprei essa briga processual, estou nela há mais de dez anos. Ninguém imagina o que eu já gastei nisso.”
Mais tarde, em 2022, ele mencionou valores supostamente usados para influenciar decisões: “Vocês têm que preparar uns R$ 20 milhões pra resolver lá em cima, caso contrário é perigoso.”
Servidores sob investigação
Entre os citados pela PF estão Daimler Alberto de Campos, ex-chefe de gabinete de Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, também ligado à ministra; e Rodrigo Falcão, ex-chefe de gabinete do ministro Og Fernandes. Eles são apontados como responsáveis por interferir em processos, vazar informações sigilosas e articular decisões.
O relatório, assinado pelo delegado Marco Bontempo, afirma que o grupo “integrava uma estrutura organizada voltada à manipulação de decisões judiciais”, com características semelhantes às de organizações criminosas.
Nove mil mensagens recuperadas
A PF recuperou mais de nove mil conversas trocadas via WhatsApp entre Andreson e Zampieri entre 2019 e 2023. Os diálogos expõem desentendimentos, cobranças e disputas por influência em processos milionários, especialmente em casos ligados ao agronegócio e a grandes áreas de terra em Mato Grosso.
Os investigadores também descobriram que Andreson usava nomes falsos para salvar contatos em seu celular, prática comum, segundo o relatório, “em contextos de ocultação e dissimulação de ilícitos”.
Atualmente, Andreson Gonçalves cumpre prisão domiciliar em Primavera do Leste (MT), por decisão do ministro Cristiano Zanin, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). Zampieri foi morto a tiros em frente ao escritório de advocacia onde trabalhava, em Cuiabá, no final de 2023.
Alcance nacional
A Operação Sisamnes não se restringe ao STJ. O inquérito já atingiu tribunais de Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Espírito Santo e Maranhão, onde há suspeitas de decisões negociadas em troca de propinas.
As investigações levaram ao afastamento de 16 desembargadores e sete juízes de primeira instância. No campo administrativo, os casos são acompanhados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), enquanto as apurações criminais seguem sob supervisão do STF.
No Tocantins
No Tocantins, a Operação Sisamnes teve desdobramentos importantes, com a prisão de figuras conhecidas da política e do meio jurídico, entre elas o prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos, o advogado Thiago Marcos Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador Wanderlei Barbosa, o policial civil Marco Augusto Velasco Albernaz e o advogado Antônio Ianowich Filho. As investigações da Polícia Federal indicam que o grupo teria participado de um esquema de vazamento de informações sigilosas e possível interferência em investigações e processos judiciais, conectando-se ao núcleo nacional suspeito de comercializar decisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
