Gustavo Soares

Com o Brasil enfrentando uma seca recorde e a aproximação dos meses mais quentes do ano, o governo estuda a possibilidade de reintroduzir o horário de verão, que foi suspenso em 2019. A proposta está sendo discutida com especialistas do setor energético, que divergem sobre a efetividade da medida e os impactos que ela pode trazer à rotina dos brasileiros.

Atualmente, cerca de 50% da energia consumida no país provém de hidrelétricas. Com a escassez de chuvas, os reservatórios dessas usinas estão em níveis críticos, o que aumenta a preocupação com o abastecimento energético. Nos meses mais quentes, o uso de aparelhos como ar-condicionado e ventiladores tende a crescer significativamente, pressionando ainda mais o sistema elétrico.

A proposta do horário de verão é adiantar os relógios em uma hora. A ideia é reduzir o uso de iluminação artificial no final do dia, especialmente durante o pico de consumo, que ocorre quando as pessoas retornam do trabalho. Isso ajudaria a equilibrar a demanda no sistema elétrico, evitando sobrecargas e o acionamento de usinas mais caras e poluentes.

Segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o horário de pico é justamente o momento em que a oferta de energias renováveis, como a solar e a eólica, começa a cair. “Nessa hora, o cidadão chega em casa, liga o ar-condicionado, o ventilador, toma banho e liga a televisão. É nesse período que enfrentamos os maiores picos de consumo”, ressaltou o ministro.

Na próxima semana, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) devem apresentar estudos detalhados sobre o impacto da volta do horário de verão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tomará a decisão final.

O professor Luciano Duque, especialista em Energia Elétrica, pondera que o perfil de consumo energético mudou consideravelmente nos últimos anos. Ele destaca que, hoje em dia, aparelhos como o ar-condicionado têm um peso maior no consumo do que a iluminação. “Mesmo com a mudança no horário, a economia gerada seria mínima, já que o maior consumo está nos aparelhos de refrigeração, e não nas lâmpadas ou chuveiros”, explicou Duque.

Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, confirmou essa visão,mostrando que, atualmente, a economia de energia com o horário de verão é estimada em apenas 0,5%. No entanto, ele observou que, mesmo sendo uma contribuição modesta, essa medida pode aliviar a demanda no início da noite, quando a produção de energia solar e eólica declina e é preciso acionar hidrelétricas e termelétricas.

Apesar da baixa economia, Sales lembra que o acionamento de termelétricas, além de ser mais caro, é prejudicial ao meio ambiente. Por isso, ele considera qualquer redução no consumo, por menor que seja, como positiva. Ainda assim, ele ressalta que o país não vive uma crise de energia iminente, já que os níveis dos reservatórios, embora preocupantes, são suficientes para garantir o fornecimento até o início da estação das chuvas, em novembro.

Especialistas concordam que medidas de conscientização sobre o uso racional de energia seriam mais eficazes. Luciano Duque defende que campanhas educativas podem trazer resultados mais concretos do que a simples mudança no horário. “O transtorno de adaptar-se ao horário de verão não compensa a economia gerada”, disse Duque.

O governo já assume outras ações para preservar a capacidade de geração de energia, como ajustes na operação de usinas hidrelétricas e um monitoramento mais rigoroso do consumo. A decisão sobre o retorno do horário de verão deve considerar não apenas o cenário energético, mas também os efeitos na economia e na qualidade de vida da população.