Indicado de Lula para diretoria da ANM omite vínculos familiares com mineradora que atua no Tocantins

28 março 2025 às 10h49

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O nome indicado pelo presidente Lula para a diretoria da Agência Nacional de Mineração (ANM), José Fernando de Mendonça Gomes, omitiu ao Senado possíveis conflitos de interesse envolvendo familiares com atuação direta no setor mineral — inclusive no Tocantins, onde a mineração tem se expandido de forma acelerada. A indicação ainda será sabatinada pelo Senado.
O filho do indicado, Caio Brilhante Gomes, é consultor jurídico da Aura Minerals, multinacional canadense com forte presença no estado. A empresa opera no município de Almas, onde explora ouro e movimentou mais de R$ 20 milhões em royalties em 2024. A esposa de Gomes, Poliana Bentes, também atua para mineradoras: ela é sócia de uma empresa de consultoria que presta serviços de relações institucionais e governamentais para o setor.
Mesmo com esses vínculos, José Fernando declarou ao Senado que nenhum de seus familiares possui ligação com sua atividade profissional. A possível nomeação levanta preocupações sobre conflito de interesse e perda de independência técnica da ANM — agência responsável por autorizar lavras, fiscalizar barragens, distribuir royalties e mediar disputas entre empresas e comunidades afetadas pela mineração.
A Aura Minerals, por exemplo, tem 117 processos ativos na ANM, que podem, dependendo do caso, chegar à diretoria para decisão final. Parte do trabalho de Caio envolve justamente a articulação desses processos junto à agência que pode vir a ser comandada por seu pai.
No Tocantins, a situação preocupa gestores e técnicos que acompanham o crescimento da atividade mineral. A presença de empresas estrangeiras tem aumentado, sobretudo no sudeste do estado, e o papel da ANM na regulação é considerado estratégico. “Há um risco concreto de captura regulatória”, alerta um servidor federal ouvido sob anonimato. “Mesmo sem participação direta, a simples presença de um diretor com esse perfil pode influenciar decisões internas.”
Em Almas, a mineradora Aura Minerals explora ouro no Tocantins utilizando um estudo ambiental desatualizado, sem considerar adequadamente o impacto sobre comunidades quilombolas da região. Além disso, quilombolas afirmam que não foram devidamente consultados, contrariando a legislação que garante o direito à participação de comunidades tradicionais em processos desse tipo.
Especialistas lembram que, pela legislação brasileira, o conflito de interesse não exige benefício direto, bastando a possibilidade de influência imprópria para configurar o conflito. A senadora Damares Alves (Republicanos) cobrou explicações do governo federal sobre a indicação. Damares quer saber se houve análise de conflito de interesses e se o governo pretende rever a nomeação.
José Fernando foi indicado para uma das cinco cadeiras da diretoria colegiada da ANM, cuja aprovação depende do aval do Senado. A nomeação ocorre no momento em que a agência busca reforçar sua atuação em estados como o Tocantins, que têm visto o avanço da mineração sobre áreas sensíveis do ponto de vista ambiental e social.
Procurados, Gomes, sua esposa e seu filho não se manifestaram. A Aura Minerals afirmou, em nota, que não tem relação com a indicação. A Bemisa declarou seguir normas rígidas de governança. A Vale, ex-empregadora de Gomes e com mais de mil processos ativos na ANM, informou que ele deixou a empresa há quatro anos e que a nomeação de diretores cabe exclusivamente ao Executivo.