O caso do césio-137, um dos maiores acidentes radiológicos do mundo, ocorrido em Goiânia em 1987, voltou aos holofotes recentemente com novas revelações sobre um esquema de fraudes fiscais envolvendo militares e civis de Goiás e Tocantins. A Justiça de Goiás suspendeu as isenções de Imposto de Renda (IR) de um grupo que alegava ter sido contaminado pelo material radioativo, mas que, na verdade, teria utilizado laudos médicos falsificados para obter o benefício. A novidade, descoberta pela força-tarefa da Procuradoria Geral do Estado de Goiás (PGE), é que 134 pessoas estão envolvidas na fraude, ampliando o escopo das investigações.

A advogada Ana Laura Pereira Marques e seu escritório são acusados de manipular laudos médicos falsos para obter isenção do Imposto de Renda para os 134 clientes. A fraude incluía documentos que alegavam doenças graves, frequentemente relacionadas ao acidente radiológico com césio-137, para justificar o benefício. Muitas das pessoas envolvidas, segundo a investigação, eram oficiais da reserva da Polícia Militar de Goiás e do Tocantins.

A PGE identificou um total de 388 pedidos de isenção fiscal vindos do escritório, e 644 processos foram suspensos. A investigação revelou que outros advogados cederam seus tokens de acesso ao sistema judicial para permitir que Ana Laura entrasse com petições em nome deles. Além da advogada, o subtenente da reserva Ronaldo Santana Cunha foi indiciado como captador de clientes na PM-GO. A operação, chamada “Fraude Radioativa”, foi deflagrada em setembro, e a advogada, atualmente em prisão domiciliar, manteve-se em silêncio sobre as acusações.

A PGE afirma que o esquema promovia uma “litigância predatória” que onerava o sistema judiciário. A estratégia do escritório envolvia repetidas petições, às vezes em comarcas diferentes, para driblar decisões contrárias. Além disso, alguns clientes, ao perceberem o risco, tentaram retirar seus processos ou alegaram que desconheciam a inclusão de informações falsas, como laudos médicos e endereços residenciais.

Histórico

Em 1987, a exposição acidental ao césio-137 em Goiânia resultou em mortes, contaminações severas e um legado de problemas de saúde para muitas das pessoas diretamente afetadas. A gravidade do episódio levou o governo brasileiro a instituir benefícios para as vítimas, incluindo a isenção do Imposto de Renda para aqueles com doenças graves decorrentes da contaminação.

Durante anos, os benefícios fiscais foram concedidos àqueles que comprovavam sequelas ou condições de saúde associadas ao césio-137, como forma de compensação. No entanto, investigações da Polícia Civil de Goiás revelaram que muitos indivíduos usaram essa prerrogativa de forma fraudulenta, sem terem sido expostos ao material radioativo, em um esquema que envolveu militares e advogados.

Em setembro de 2024, a Polícia Civil de Goiás lançou a “Operação Fraude Radioativa” após suspeitas de que centenas de pessoas estavam obtendo isenção de IR com base em documentos falsificados. O esquema foi organizado por advogados que apresentaram laudos médicos forjados para pleitear isenções fiscais em nome de seus clientes. Entre os envolvidos estão ex-militares de alta patente do Tocantins e Goiás, bem como advogados que orquestraram o uso de exames fraudulentos.

As investigações mostraram que alguns dos documentos indicavam exames supostamente realizados no exterior, com a justificativa de que laboratórios brasileiros não teriam capacidade técnica para detectar contaminação por césio-137. 

O impacto financeiro da fraude já ultrapassa R$ 20 milhões. Entre os suspeitos estão coronéis aposentados e outros militares que, segundo as investigações, usaram a influência de sua posição para integrar o esquema e obter vantagens indevidas.

A PGE determinou a suspensão das isenções de IR para os envolvidos, e, em muitos casos, os valores recebidos de forma retroativa também serão alvo de recuperação judicial. As decisões de suspensão ainda não transitaram em julgado, o que permite que as defesas tentem reverter a situação. Contudo, a PGE destaca que a documentação fraudulenta e a participação direta dos beneficiários no esquema são evidências robustas.

No Tocantins, cinco ex-comandantes do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar tiveram direito ao benefício e tiveram processos suspensos. O número de pessoas que tiveram direito à isenção no imposto de renda pode ser maior, considerando a quantidade de clientes captados pelo esquema.  O Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Tocantins (Igeprev) ainda não comentou sobre o caso, mas o impacto da operação pode se desdobrar em medidas administrativas e judiciais contra os envolvidos também no Tocantins, considerando que a isenção do imposto de renda era dada no Estado. A Polícia Militar do Tocantins disse em setembro que acompanha o caso. O Ministério Público do Tocantins (MPTO) informou que não havia nenhum procedimento em andamento sobre o assunto até 17 de outubro.