Durante as festividades de fim de ano, como Natal e Réveillon, marcadas por grandes celebrações, alegria e confraternização para parte da população, outros grupos de seres vivos enfrentam situações de intenso sofrimento, como os animais de estimação. O uso de rojões e fogos de artifício com estampidos pode provocar ferimentos graves, sequelas e até mortes, em razão dos ruídos elevados produzidos por esses artefatos.

Embora as luzes que anunciam a chegada do novo ano sejam uma tradição secular em diversos países, os efeitos não são favoráveis para animais domésticos e silvestres. Além disso, o problema também alcança pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) ou com alta sensibilidade sonora. O tema tem mobilizado especialistas, tutores, pessoas afetadas e autoridades públicas municipais e estaduais, incluindo o Congresso Nacional, que analisa um projeto de lei voltado à proibição de artefatos pirotécnicos que emitem sons de alta intensidade.

A exposição a fogos de artifício está relacionada a alterações comportamentais e fisiológicas em animais, especialmente cães, em razão da elevada sensibilidade auditiva. Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, o médico veterinário Laécio Duarte explicou que sons considerados altos para humanos são percebidos de forma muito mais intensa pelos animais, sendo interpretados como estímulos inesperados e ameaçadores.

Segundo o veterinário, “os fogos de artifício causam impactos muito sérios nos animais, principalmente nos cães”. Ele afirmou que, diferentemente dos seres humanos, os cães possuem audição extremamente sensível, “um barulho que para o ser humano já é alto, para o animal é percebido como algo muito mais intenso, inesperado e ameaçador”.

O jornalista Guilherme Paganotto, tutor da cadela Fiona, de 5 anos, da raça Lhasa Apso com Shih Tzu, relatou que o período de fim de ano exige adaptações na rotina da família por causa do uso de fogos de artifício. Em entrevista, ele explicou que o barulho deixa a cadela apreensiva, o que demanda atenção redobrada dentro de casa. “Aqui em casa, o fim de ano pede um cuidado a mais”, afirmou.

Jornalista Guilherme Paganotto, tutor da cadela Fiona | Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Guilherme Paganotto, diante da reação de Fiona aos fogos, as comemorações assumem um caráter diferente. “Os fogos deixam apreensiva, então a comemoração vira um momento de proteção, carinho e companhia”, disse. De forma indireta, o jornalista relatou que a família se adapta, permanece próxima da cadela e busca atravessar o período com mais tranquilidade, reduzindo os impactos do barulho.

Estímulos fisiológicos

Laécio Duarte explicou que esse tipo de estímulo ativa mecanismos fisiológicos ligados ao estresse. “Esse estímulo sonoro intenso ativa uma resposta de medo e pânico. O organismo libera grandes quantidades de hormônios do estresse, como o cortisol e a adrenalina”, disse. De acordo com ele, essa resposta pode levar o animal a um estado de descontrole.

Em situações mais graves, conforme relatado pelo veterinário, o quadro pode evoluir para consequências mais severas. “Em situações mais graves, esse pânico pode resultar em tentativas de fuga, automutilação, convulsões e até morte, principalmente em animais mais sensíveis”, afirmou durante a entrevista.

Se tornou Lei!

No âmbito municipal, em Palmas, a Lei nº 3.209/2025, de autoria da vereadora MaryCats (Podemos), proíbe a comercialização, manuseio, queima e soltura de fogos de artifício que produzam barulho, tanto em eventos públicos quanto privados, realizados em recintos abertos ou fechados em toda a Capital. A medida atende a uma demanda recorrente de instituições e defensores da causa animal, que alertam para os danos causados aos animais, pessoas com hipersensibilidade auditiva, bebês e idosos.

A autora da lei, Mary Cats afirmou que a iniciativa está inserida no âmbito de sua competência legislativa e que a proposta também envolve o fortalecimento da fiscalização. Segundo a parlamentar, “fizemos essa lei, que é da minha competência legislativa, para proteger os animais, as pessoas, crianças, idosos e pessoas autistas”. De acordo com ela, após a sanção da norma, o Legislativo municipal passou a atuar para cobrar a efetiva fiscalização do cumprimento das regras estabelecidas.

Vereadora “MaryCats” é defensora da causa animal | Foto: Rozeane Feitosa

As medidas se estendem ao âmbito Estadual, ao ser sancionada a Lei nº 4.133/2023 de 12 de janeiro de 2023, publicado no Diário Oficial nº 6.244 de 6/01/2023, proíbe a queima e soltura de fogos de artifício de estampido e qualquer artefato pirotécnico de efeito sonoro ruidoso em todo o estado. 

Mary Cats explicou que a aplicação da lei ocorre de forma gradual. Conforme relatou, mesmo com a vigência da norma, ainda podem ser registrados casos de descumprimento. “Acredito que, imediatamente, ainda vamos nos deparar com problemas: pessoas vendendo ilegalmente e pessoas soltando fogos de forma irregular”, afirmou.

De forma indireta, a vereadora destacou que o objetivo central da legislação é promover um processo contínuo de mudança de comportamento social. Segundo ela, a proposta busca avançar na conscientização da população e garantir que aqueles que desrespeitarem a lei estejam sujeitos às penalidades previstas.

A parlamentar também informou que há articulação com diferentes órgãos responsáveis pela fiscalização. “Estamos articulando com todos os órgãos responsáveis para que realmente seja uma lei efetiva”, disse, ao comentar sobre as ações voltadas à implementação prática da norma no município.

Vale destacar que a lei é válida para ambientes fechados e abertos, tanto em áreas públicas quanto privadas. O descumprimento da lei estadual pode resultar em penalidades que variam de R$1.500 para pessoas físicas a R$4.000 para pessoas jurídicas.

Dicas que ajudam

O médico veterinário destacou que alguns grupos apresentam maior vulnerabilidade. Segundo ele, “os mais afetados são os cães idosos, animais cardiopatas, animais com doenças neurológicas, cães muito ansiosos ou que já apresentam histórico de medo de ruídos”. Para esses animais, o estresse provocado pelos fogos pode representar um risco elevado.

Ainda de acordo com Laécio Duarte, o manejo da situação não deve ocorrer apenas no momento em que os fogos são utilizados. Ele explicou que o ideal é um trabalho prévio de dessensibilização, realizado de forma gradual e positiva, com o objetivo de reduzir a resposta de medo ao longo do tempo.

Foto: Redes Sociais

Entre as estratégias citadas, o veterinário mencionou a associação do som a estímulos agradáveis. “Uma estratégia é associar o som a algo prazeroso para o animal, como um petisco ou brinquedo que ele goste”, disse. Ele acrescentou que “pode-se, por exemplo, reproduzir sons de fogos na televisão, começando com um volume bem baixo e aumentando progressivamente, sempre respeitando a resposta do animal”.

Laécio Duarte ressaltou que a proposta desse tipo de manejo não é expor o animal de forma forçada. “O objetivo não é forçar, mas reduzir o medo ao longo do tempo”, afirmou. Segundo ele, quando esse preparo não é realizado, o estresse vivido durante esses períodos pode gerar consequências graves.

Durante a entrevista, o veterinário relatou que já há registros de casos extremos. “Já tivemos relatos de animais que entraram em colapso, especialmente aqueles com comorbidades”, disse. Ele também destacou que os efeitos do barulho intenso não atingem apenas os animais, observando que pessoas idosas, pessoas com deficiência, crianças e indivíduos sensíveis ao som também podem ser afetados por esse tipo de estímulo.