O Tocantins ocupa a 8ª posição entre os estados brasileiros com maiores taxas de violência sexual contra pessoas com 0 a 19 anos, em 2023, segundo estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira, 14. O levantamento integra dados nacionais e regionais que mostram o agravamento dos crimes contra esse público no estado e no país. 

Na lista dos estados com as dez maiores taxas de violência sexual com vítimas de até 19 anos, figuram também os três estados da região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e o Mato Grosso do Sul. Seis estados da região amazônica, Tocantins, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Pará e Acre, estavam na lista das dez maiores taxas de violência sexual contra vítimas de 0 a 19 anos em 2023.

Na Amazônia Legal, onde está inserido o Tocantins, foram registrados 38 mil estupros e quase 3.000 mortes violentas intencionais de vítimas com até 19 anos de idade entre 2021 e 2023. A taxa de violência sexual no conjunto dos estados dessa região, em 2023, era 21,4% maior do que a média brasileira. Os municípios localizados a até 150 km da faixa de fronteira do Brasil apresentam índice de estupros acima da média regional.

Fonte: Unicef

Conforme o 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho, no Tocantins, os números seguem elevados. Em 2023, foram registrados 148 casos de estupro, queda de 8,6% em relação a 2022, e 777 casos de estupro de vulnerável. Em 2024, houve aumento: 178 ocorrências de estupro e 902 de estupro de vulnerável. Palmas figura na 37ª posição entre as 50 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes e maiores taxas de estupro, com índice de 67,7 casos por 100 mil habitantes.

Ainda de acordo com o Anuário, complementa o cenário, revelando que o Brasil registrou, em 2024, o maior número já contabilizado de estupros e estupros de vulnerável: 87.545 casos, média de mais de 240 por dia. Do total, 61% das vítimas tinham até 13 anos, sendo 88% meninas e 56% negras. Em 45% dos casos, o agressor era um familiar, e a maioria ocorreu dentro de casa. Considerando todas as faixas etárias de crianças e adolescentes (0 a 17 anos), 77,6% dos estupros registrados no país atingiram esse grupo.

Casos dentro do âmbito familiar

O estudo mostra que a maioria dos casos ocorre dentro das próprias casas das vítimas. Há indícios de que o crescimento dos garimpos ilegais e do narcotráfico na região, somado às dificuldades de atendimento a comunidades isoladas, possa ter contribuído para o aumento da exploração sexual de menores de idade. “Municípios que vivem situações de conflitos de terra, garimpo, [estão na] fronteira, precisam ter uma rede de proteção fortalecida para que se consiga realmente endereçar as causas da violência sexual”, afirmou a oficial de Proteção contra a Violência do Unicef no Brasil, Nayana Lorena da Silva. 

A pesquisa também indica que entre 2021 e 2023, 81% das vítimas de estupro na região eram pretas e pardas, 16% eram brancas e 2,6% eram indígenas. Os pesquisadores destacam que a situação pode apontar para uma vulnerabilidade maior e um padrão de subnotificação distinto do restante do país.

Repercussão de denúncia

Casos de exploração sexual infantil ganharam destaque no debate público nesta semana após a divulgação do vídeo “Adultização”, do youtuber Felca, que denuncia crimes cometidos contra crianças e adolescentes. Com duração de 50 minutos, o vídeo mostra diversas situações em que crianças têm suas imagens exploradas, tanto por familiares quanto por terceiros, que obtêm lucro com os vídeos publicados.

Em reação à repercussão, o governo Lula (PT) anunciou que enviará ao Congresso um projeto de lei voltado à proteção de crianças e adolescentes no ambiente online. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), declarou que o tema será tratado como prioridade e anunciou a criação de uma comissão e de um grupo de trabalho dedicado à questão.

Na região amazônica, embora grande parte do território conte com pouca infraestrutura de comunicação e transporte, a internet já chegou a comunidades isoladas. A chegada de serviços de internet via satélite de baixa órbita — como o Starlink, acessível a quem pode pagar pelo serviço — permitiu conexão em áreas antes inacessíveis da floresta. Para a oficial do Unicef, Nayana Lorena da Silva, a presença da internet não pode ser ignorada no contexto da violência sexual na Amazônia.

“A internet tem se tornado um vetor de violência contra crianças”, afirmou Nayana. “É preciso avaliar os impactos dessa exposição online de crianças e adolescentes e como ela contribui para o aumento das taxas de violência sexual nesses territórios.”

O município de Uiramutã, em Roraima, liderou o número de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes na Amazônia Legal no período, reforçando a tendência de maior prevalência em regiões fronteiriças. Entre as capitais, Porto Velho (RO) apresentou a maior taxa, com 259,3 estupros por 100 mil crianças e adolescentes, seguida por Boa Vista (RR), com 240,4, e Cuiabá (MT), com 184,5. As menores taxas da região estão no Maranhão e no Amazonas, tanto no contexto estadual quanto nas capitais São Luís (81,2) e Manaus (101,2).

Vítimas de violência

Outro dado do estudo aponta que, entre jovens de 15 a 19 anos dos centros urbanos da Amazônia, a probabilidade de se tornar vítima de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte ou morte por intervenção policial é 27% maior em comparação ao restante do país.

A violência letal contra crianças e adolescentes também cresceu em 2024, com 2.356 mortes violentas intencionais — aumento de 3,7% em relação ao ano anterior. Entre jovens de 15 a 19 anos, 83% das vítimas eram negras.

No Tocantins, os números seguem elevados. Em 2023, foram registrados 148 casos de estupro, queda de 8,6% em relação a 2022, e 777 casos de estupro de vulnerável. Em 2024, houve aumento: 178 ocorrências de estupro e 902 de estupro de vulnerável. Palmas figura na 37ª posição entre as 50 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes e maiores taxas de estupro, com índice de 67,7 casos por 100 mil habitantes.

O estado também registrou 13 feminicídios em 2024, abaixo dos 18 de 2023. No entanto, outros indicadores de violência doméstica subiram: ameaças (+19%), medidas protetivas (+20%) e casos de perseguição (stalking) (+39%).

Desaparecimento

Em relação aos desaparecimentos, o Tocantins contabilizou 578 casos em 2023 e 558 em 2024. Apenas 305 dos desaparecidos em 2023 foram localizados; em 2024, o número foi de 236. Entre os casos não resolvidos estão os de Laura Vitória, desaparecida em 2016 aos 9 anos, e Saphira Ferreira, desaparecida em 2021 aos 10 anos. “Os dados do anuário apontam que essa violência é fortemente influenciada por fatores sociais como raça, classe e gênero. É urgente o Estado Brasileiro investir em políticas públicas afirmativas e priorizar crianças e adolescentes na agenda pública, especialmente no orçamento”, afirmou a assistente social LaidyLaura P. de Araújo, consultora do Cedeca.

Segundo ela, a experiência no acompanhamento de famílias revela que, apesar das buscas por informações, muitas vezes elas se deparam com o silêncio das autoridades, sem assistência jurídica social.

Entre as recomendações do estudo estão: treinamento de profissionais que trabalham com crianças e adolescentes na região, ampliação do acesso a informações sobre direitos e serviços de proteção, fortalecimento dos órgãos policiais e de fiscalização e investimento em pesquisas sobre comunidades amazônicas.

Estupro de vulnerável resultantes em gravidez 

Paralelamente aos dados de violência sexual e letal, um estudo do DataSUS aponta que Itacajá e Tocantínia, no Tocantins, figuram entre os municípios brasileiros com as maiores taxas de fecundidade de meninas com até 14 anos, segundo levantamento do DataSUS. Entre 2014 e 2023, o país registrou 204.974 nascimentos nessa faixa etária, o equivalente a uma média anual de 20 mil casos. Pela legislação brasileira, qualquer relação sexual com menores de 14 anos é classificada como estupro de vulnerável.

O estudo mostra que as maiores taxas de maternidade infantil se concentram em localidades distantes de hospitais autorizados a realizar o aborto legal. A dificuldade de acesso é ainda maior nas regiões isoladas da Amazônia Legal, que abrange o Tocantins, Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e partes do Maranhão e Mato Grosso.

A pesquisa também destaca que a população indígena é a mais atingida. Entre os 100 municípios com maiores índices, 90 têm forte presença indígena. Além de Itacajá (TO) e Tocantínia (TO), estão na lista Campinápolis (MT), Nova Nazaré (MT), Assis Brasil (AC), General Carneiro (MT), Jacareacanga (PA), Alto Alegre (RR) e Uiramutã (RR), sendo este último o município com maior população indígena do Brasil, conforme o Censo 2022 do IBGE.