Violência sexual e entraves institucionais marcam cenário das gestações precoces no Tocantins
23 novembro 2025 às 11h25

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Os dados preliminares do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, apontam que, em 2024, houve 172.857 nascimentos de filhos de meninas e jovens entre 8 e 19 anos no Brasil. No Tocantins, foram 21.452 registros ao longo do ano; desses, 3.303 eram filhos de mães com idade entre 10 e 19 anos. Pela legislação brasileira, qualquer relação sexual com menores de 14 anos é classificada como estupro de vulnerável, o que coloca todas essas gestações na categoria de violência sexual, uma vez que a lei não admite consentimento.
No Tocantins, o número de nascimentos apresentou queda ao longo do ano: foram 1.133 no primeiro quadrimestre, 1.087 no segundo e 733 no terceiro. As reduções representam 32,57% em relação ao segundo quadrimestre e 35,29% em comparação ao primeiro, indicando uma tendência de diminuição da gestação precoce no estado.
Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, a psicóloga e jornalista Raimara Lourenço explica que os efeitos emocionais e psicológicos enfrentados por meninas que engravidam após violência sexual são amplos e persistentes. Segundo ela, “as principais são o aumento de angústia, sentimento de desproteção, medo, estresse e desamparo social”. Apesar desse cenário, o acesso ao aborto legal, que é previsto há décadas no Código Penal para situações de estupro, risco de morte da gestante e, por decisão do STF, casos de anencefalia, permanece limitado e alcança apenas uma parcela reduzida das vítimas.

Nesses casos, Raimara destaca que a forma como o atendimento é conduzido pode gerar revitimização. Conforme explica, “a imposição de exigências excessivas, trâmites lentos, vários questionamentos sobre a violência sofrida ou múltiplos obstáculos administrativos pode reforçar a sensação de julgamento, isolamento e violação da autonomia”. Ela observa que, considerando que a maior parte dos casos ocorre no ambiente familiar, a necessidade de acolhimento especializado é ainda maior.
Ela também aponta fragilidades dentro da rede de proteção. A psicóloga cita “construção de concepções sociais preconceituosas, problemas de formação dos profissionais, regras institucionais confusas, exigências de pareceres desnecessários ou ameaças disciplinares” como elementos que prejudicam o atendimento. Esses fatores, segundo ela, podem levar serviços a não ofertarem direitos garantidos em lei.
Bancada
No campo legislativo, o debate ganhou destaque após a Câmara dos Deputados aprovar, em 5 de novembro, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 3/25), que suspende uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sobre o acesso de menores ao aborto legal. O texto recebeu 317 votos favoráveis, 111 contrários e uma abstenção. Todos os deputados do Tocantins presentes votaram a favor.
Obrigações legais do Estado
Raimara reforça que, embora o Estado tenha obrigações legais consolidadas, ainda há entraves que impactam as vítimas. Ela afirma que “o Estado já tem obrigações garantidas por lei”, mas que “regras institucionais confusas e exigências de pareceres desnecessários criam medo entre profissionais”. A psicóloga acrescenta que isso “desestimula o atendimento e faz com que serviços deixem de oferecer um direito garantido”, o que agrava os efeitos emocionais dessas meninas e pode resultar em “dificuldades futuras de interação social, bem como quadros de depressão e ansiedade crônicos”.
Raimara conclui que “o Estado já tem obrigações garantidas por Lei, no entanto o próprio Estado é na maioria das vezes violador destes direitos”. Ela acrescenta que essa combinação de obstáculos institucionais tende a intensificar os impactos emocionais da violência e da gestação, podendo resultar em “dificuldades futuras de interação social, bem como quadros de depressão e ansiedade crônicos”, sobretudo quando a idade gestacional avança e o procedimento se torna mais complexo.
