Déficit de servidores na Polícia Civil do Tocantins gera impactos em investigações e atendimento à população, aponta MP
25 outubro 2025 às 08h00

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A escassez de servidores na Polícia Civil do Tocantins tem afetado diretamente a população, gerando atrasos em inquéritos e redução na produção de laudos periciais, segundo dados da Ação Civil Pública protocolada em julho deste ano, contra o Estado do Tocantins. A medida foi motivada pela ausência de concursos públicos para recomposição do efetivo, que está sem reposição há mais de 11 anos.
De acordo com os documentos ao qual o Jornal Opção Tocantins teve acesso, consta que o levantamento técnico e institucional identificou um déficit de 1.272 servidores, sendo 97 delegados, 1.016 oficiais investigadores, 132 peritos oficiais e 27 agentes de necrotomia. Além disso, delegacias no interior operam com quadro reduzido ou permanecem fechadas e a falta de médicos legistas provocou o fechamento de quatro núcleos regionais de medicina legal em Tocantinópolis, Araguatins, Colinas e Guaraí.
A demanda foi iniciada pelo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), que protocolou a ação alertando para a crise na Polícia Civil do Tocantins, contendo dados extraídos a partir de denúncias do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol) e Sindicato de Peritos Oficiais do Estado do Tocantins (Sindeperito). Segundo o texto, a falta de efetivo e a desativação de delegacias comprometem a segurança da população e a proteção do patrimônio. O documento reforça a necessidade de intervenção ministerial para assegurar os princípios da Administração Pública.
Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, o promotor de Justiça João Edson de Souza, coordenador do Gaesp, afirmou que diante de indícios de grave deficiência de pessoal na Polícia Civil, a situação pode comprometer as estratégias de segurança aplicadas no Tocantins. “O Ministério Público do Tocantins ajuizou Ação Civil Pública após indícios de grave deficiência de pessoal na Polícia Civil. São mais de 11 anos sem concurso público e um déficit de, aproximadamente, 1,3 mil servidores públicos, entre delegados, investigadores e peritos. Essa situação prolongada pode comprometer o funcionamento das delegacias, especialmente no interior, e violar os princípios constitucionais da eficiência e da segurança pública”. Segundo ele, o objetivo da ação é garantir que o Estado do Tocantins apresente um “plano concreto de recomposição do efetivo”, assegurando o pleno exercício das funções investigativas e periciais.

No documento consta que cinco delegacias estão completamente fechadas, sendo elas no município de Abreulândia, Marianópolis, Divinópolis, Monte Santo e Pugmil, deixando extensas regiões sem cobertura policial. Nas cidades menores, o funcionamento das unidades é restrito, geralmente das 8h às 14h, e as delegacias de plantão estão a mais de 100 km de distância.
O relatório do Ministério Público aponta ainda que múltiplas delegacias operam sem delegado titular ou com acúmulo de funções administrativas, comprometendo a eficiência do serviço. A situação se agrava com a ausência de peritos em áreas essenciais da Polícia Científica: em algumas especialidades, o déficit chega a 100%, com laudos de locais de crime não realizados por falta de pessoal e atrasos na entrega dos documentos necessários para processos judiciais.
Entre 2014 e 2025, o número de médicos legistas caiu de 74 para 41, uma redução de 45%, e o de peritos criminais de 165 para 134. Quatro núcleos de medicina legal foram completamente desativados em Tocantinópolis, Araguatins, Colinas e Guaraí.
A situação tem reflexos diretos na atividade judicial: magistrados da 1ª Vara Criminal de Paraíso do Tocantins têm afastado qualificadoras em ações penais devido à ausência de laudos periciais indispensáveis, segundo o Ministério Público.
O documento também destaca que procedimentos administrativos recentes foram abertos para apurar falhas na elaboração de laudos periciais e ausência de servidores nas delegacias mais afetadas. Apenas cinco peritos estão em atividade para atender 13 municípios no 5º Núcleo Regional de Perícia Criminal de Paraíso, com 518 laudos pendentes e redistribuição forçada de demandas entre outros núcleos devido à sobrecarga.
Segundo despacho da Delegacia-Geral da Polícia Civil, “requisições vinculadas apenas a Boletins de Ocorrências são frequentemente preteridas em detrimento daquelas vinculadas a Inquéritos Policiais”, evidenciando triagem de serviços devido à insuficiência de recursos humanos.
A Ação Civil Pública solicita que o Estado apresente um plano de recomposição do quadro funcional e publique o edital do concurso público, “observando o número mínimo de vagas necessárias para suprir o déficit funcional identificado”. O MPTO lembra que ainda não houve deferimento da liminar e que o agravo de instrumento interposto e aguarda julgamento no Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO).
João Edson explica sobre os impactos que essa deficiência tem gerado no Tocantins. “A falta de servidores traz impactos como o fechamento de delegacias, atrasos na conclusão de inquéritos e prejuízos diretos à produção de provas e laudos periciais. Há, por exemplo, quatro núcleos de medicina legal desativados e uma redução de 45% no número de médicos legistas desde 2014, conforme os dados levantados durante a apuração dos fatos. Essa carência pode fazer com que crimes fiquem sem investigação adequada, laudos deixem de ser emitidos e qualificadoras penais sejam afastadas por falta de provas técnicas. Na prática, isso enfraquece o combate ao crime e impacta de forma negativa a sensação de segurança da população tocantinense”, destacou.
Em nota enviada ao Jornal Opção, a Secretaria de Segurança Pública (SSP/TO) informou que o concurso já está em andamento, com previsão de 452 vagas: “323 vagas para oficial investigador de polícia, 69 para delegados e 60 para peritos”. Segundo a secretaria, o processo aguarda parecer técnico e, em seguida, será encaminhado à Secretaria de Administração (Secad) para contratação da empresa organizadora. O edital deve ser lançado ainda este ano.
Sobre o efetivo atual, a SSP/TO informou que a Polícia Civil possui 1.027 profissionais em atividade, considerando apenas policiais que trabalham nas delegacias, sem incluir servidores administrativos. A pasta detalha ainda que três unidades especializadas estão fora de funcionamento, as Divisões Especializadas de Repressão ao Crime Organizado (DEICs) de Araguatins, Colinas e Dianópolis, e que em 50 delegacias do interior não há delegado titular, sendo que 12 delas também não contam com oficial investigador de polícia. Nestes casos, delegados e oficiais de outras unidades são designados para acumular responsabilidades, garantindo o atendimento à população e a continuidade dos serviços até a realização do concurso.
Já com relação ao número de vagas solicitado pelo MPTO na ação, a SSP/TO destacou que aguarda manifestação judicial, e que qualquer alteração no certame já iniciado demandaria nova reserva orçamentária. A secretaria reforçou que todas as decisões da Justiça serão integralmente cumpridas.
No entanto, de acordo com o órgão, o estudo considerou dados oficiais da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança Pública e apontou um déficit de mais de mil cargos vagos, número que é “bem superior ao previsto no certame em elaboração”. E em nota o MPTO destacou que a ação judicial “visa garantir que o Estado apresente um plano de recomposição efetivo do quadro funcional, de modo a assegurar o pleno funcionamento das delegacias e a eficiência do serviço prestado à população”.
O promotor João Edson concluiu que caso as medidas que venham a ser adotadas não atendam às necessidades mínimas identificadas pelo Gaesp, novas poderão ser solicitadas, sendo passível de ajuizamento. “O Ministério Público continuará atuando judicial e institucionalmente até que o Estado do Tocantins cumpra a obrigação constitucional de prover estrutura adequada à Polícia Civil. Caso as medidas que venham a ser adotadas não atendam às necessidades mínimas identificadas pelo Gaesp, novas poderão ser solicitadas, inclusive com ajuizamento de outras ações ou a proposição de ajustes estruturais. O MPTO manterá o acompanhamento técnico permanente da execução de um plano de recomposição e da eficiência das unidades policiais em todo o Estado.”
Sindicatos se posicionam
Os presidentes dos sindicatos que representam delegados (Sindepol/TO), peritos oficiais (Sindeperito) e policiais civis (Sinpol) do Tocantins, respectivamente, Emerson Moura, Sílvio Marinho Jaca e Ubiratan Rebello do Nascimento, destacaram que, desde 2021, vêm denunciando o déficit crítico de profissionais na segurança pública e na perícia, e identificam que a situação já entrou em colapso.
O presidente do Sinpol, Ubiratan Rebello do Nascimento, falou sobre os impactos gerados no trabalho dos profissionais e destacou que a sobrecarga tem gerado problemas de saúde e afastamentos, reduzindo a capacidade operacional da corporação. “O déficit atinge diferentes cargos, incluindo oficiais investigadores, com 54,2% de carência, e médicos legistas, cuja falta prejudica diretamente os policiais. Hoje, há menos de 40 médicos para atender todo o Estado, trabalhando em plantão de um dia seguido de três de folga. Com férias e licenças médicas, o número de profissionais disponíveis diariamente é muito reduzido. Isso provoca deslocamentos longos, deixando delegacias temporariamente sem policiais, como em Guaraí, onde presos precisam ser levados até Araguaína. O concurso para a Polícia Civil é uma necessidade urgente.”

Já segundo o presidente em exercício do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado do Tocantins (Sindepol/TO), Emerson Moura, o último concurso para a Polícia Civil foi realizado em 2014 e, de 2019 até outubro de 2025, 37 delegados se aposentaram, número que se soma aos profissionais que deixaram o cargo para seguir outras carreiras. “Com relação ao déficit no Tocantins, por lei, o número de vagas para delegados no estado são 244 vagas. Atualmente, nós contamos com 148 delegados, ou seja, são 96 vagas que estão em aberto para serem preenchidas”.

O presidente do Sindeperito, Sílvio Marinho Jaca, alertou que a demanda por atendimento aumentou e que déficit resultou no fechamento de diversos núcleos de medicina legal. “O Sindeperito tem lutado há vários anos pelo concurso da polícia civil especialmente para que sejam repostos os mais de 50 cargos de médico legisla e 100 vagas de peritos oficiais criminais de outras áreas que estão vagos desde o último concurso realizado há 12 anos. Além disso são graves os problemas estruturais dos núcleos de perícia do interior e dos núcleos do IML também do interior que não tem mais condições de atender dentro das normas de segurança e saúde públicas gerando riscos de contaminação e acidentes de trabalho para os médicos legistas e agentes de necrotomia. Esperamos que as autoridades competentes acelerem as medidas necessárias para solução o quanto antes pois a população não pode ficar sem esse serviço essencial a justiça e a segurança pública”.

Discussão na Aleto
A pauta sobre o reforço do efetivo e a melhoria da estrutura da Segurança Pública do Tocantins voltou a ser discutida na Assembleia Legislativa (Aleto). Em agosto deste ano, o deputado estadual Moisemar Marinho (PSB) cobrou novamente a realização de um novo concurso público para a Polícia Civil. O parlamentar alerta que a corporação enfrenta uma situação crítica, com déficit de servidores e delegacias funcionando em condições precárias.
Na mesma linha, o deputado estadual Gipão (PL) protocolou, na segunda-feira, 20, um requerimento ao Governo do Estado pedindo a abertura de concurso público para a Polícia Civil e demais órgãos que compõem o sistema de segurança.
Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, Moisemar Marinho, que também é policial civil, alertou que a Polícia Civil do Tocantins enfrenta um déficit grave de servidores, operando com apenas metade do efetivo previsto em lei. “Atualmente a Polícia Civil vem enfrentando um déficit alarmante, pois opera com apenas 50% do efetivo previsto em lei, e esse número deve piorar com as aposentadorias que se aproximam. Já temos cinco delegacias fechadas e várias funcionando de forma precária. Isso compromete diretamente a segurança da população”.

O parlamentar destacou que a recomposição do quadro é urgente e afirmou que tem apresentado requerimentos pela realização imediata de concurso público. “A recomposição do efetivo é urgente e necessária. Já fizemos diversos requerimentos solicitando a realização urgente do certame, e contamos com este concurso para a melhoria e fortalecimento da segurança pública no nosso Estado. Enquanto deputado, policial civil, continuarei lutando por esta pauta, em parceria com as entidades representativas da classe”, afirmou Moisemar.
Os dois parlamentares destacam em seus discursos que a escassez de profissionais tem afetado diretamente o atendimento à população e ampliado a sobrecarga de trabalho sobre os servidores em atividade.
Gaesp
O Gaesp é responsável por coordenar e executar atividades de tutela da segurança pública e de controle externo da atividade policial no âmbito estadual. O grupo atua no diagnóstico, planejamento, proposição, fiscalização e monitoramento de políticas públicas, além de prestar apoio aos promotores de Justiça na apuração de desvios de conduta de agentes das forças policiais e na avaliação da eficiência dos serviços de segurança e investigação.
Confira as notas na íntegra:
Ministério Público
O Ministério Público do Tocantins (MPTO) informa que, por meio do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), ingressou com Ação Civil Pública contra o Estado do Tocantins em razão da não realização de concursos públicos para recomposição do efetivo da Polícia Civil. O quadro funcional está há mais de 11 anos sem reposição de pessoal. A ação (processo n.º 0032194-16.2025.8.27.2729) foi proposta após amplo levantamento técnico e institucional que revelou um déficit de 1.272 servidores na corporação, sendo 97 delegados de polícia, 1.016 oficiais investigadores, 132 peritos oficiais e 27 agentes de necrotomia, além de delegacias fechadas ou funcionando de forma reduzida em diversos municípios do interior.
De acordo com os dados apurados pelo Gaesp/MPTO, há indícios de que a falta de efetivo tem causado impactos diretos nas investigações criminais e na produção de laudos periciais, resultando em atrasos em inquéritos e prejuízos à persecução penal. Na ação, o Ministério Público informa ainda a redução de 45% no número de médicos legistas e o fechamento de quatro núcleos regionais de medicina legal em Tocantinópolis, Araguatins, Colinas e Guaraí.
A Ação Civil Pública solicita que o Estado apresente um plano de recomposição do quadro de pessoal e publique o edital do concurso público, observando o número mínimo de vagas necessárias para suprir o déficit funcional identificado. Nesse contexto, o MPTO lembra que não houve deferimento de liminar e que o agravo de instrumento — recurso — interposto (n.º 0015524-87.2025.8.27.2700) encontra-se para julgamento no Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO). Dessa forma, a publicação de eventual edital de concurso depende do Poder Executivo, e informações sobre cronogramas e prazos devem ser solicitadas à Casa Civil do Estado.
O Ministério Público do Tocantins ressalta que continua acompanhando o caso e atua de forma técnica e permanente para garantir o cumprimento do dever constitucional do Estado em prover estrutura adequada à Polícia Civil, assegurando à população tocantinense um serviço eficiente e contínuo de segurança pública e investigação criminal. Em caso de denúncias, a sociedade pode procurar as unidades do Ministério Público distribuídas por todas as regiões do Tocantins. O atendimento presencial regular é realizado em dias úteis, de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 18h. Também é possível entrar em contato por meio do aplicativo MPTO Cidadão ou do telefone da Ouvidoria, pelo 127. Outra forma de realizar denúncias é pelo WhatsApp, no número (63) 991002720. Mais informações em www.mpto.mp.br/ouvidoria.
Secretaria Segurança Pública
Em atenção aos questionamentos enviados por este veículo de comunicação, a Secretaria da Segurança Pública do Tocantins (SSP/TO) informa que:
Atualmente existe um processo para a realização de concurso público para a Polícia Civil em andamento. O planejamento deste certame é anterior a ação do Ministério Público, com previsão de 452 vagas, sendo 323 vagas para oficial investigador de Polícia, 69 para delegados e 60 para peritos.
O processo aguarda um parecer técnico para em seguida ser encaminhado para a Secretaria de Administração (Secad), que deverá realizar o processo de contratação da empresa que fará o certame. A previsão é que o edital seja lançado ainda este ano.
Sobre o número de vagas solicitado pelo Ministério Público na ação, a SSP/TO aguarda manifestação do Poder Judiciário. Qualquer alteração no número de vagas depois que o processo do concurso já foi iniciado demanda nova reserva orçamentária e por isso é necessário aguardar uma determinação judicial. Ressaltamos que todas as decisões da Justiça serão integralmente cumpridas por esta secretaria.
Sobre o efetivo atual, informamos que a Polícia Civil possui 1.027 profissionais em atividade atualmente. Este número é referente a policiais que trabalham em delegacias, sem levar em consideração os servidores administrativos.
A respeito das delegacias, três unidades especializadas estão fora de funcionamento. São as DEICs de Araguatins, Colinas e Dianópolis. Em 50 delegacias no interior do estado não há delegado titular e em 12 delas também não há oficial investigador de polícia. Nestes casos, são designados delegados e oficiais investigadores de outras unidades para cumulação de responsabilidades, conforme previsto em lei. A medida garante o atendimento à população e a continuidade dos serviços até a realização do concurso público.
Secretaria da Segurança Pública do Tocantins
