Depois de cinco anos de investigação, o assassinato do então prefeito de Miracema do Tocantins, Moisés da Sercon (MDB), está correndo o risco de ser arquivado sem solução. O alerta é de familiares da vítima que cobram das autoridades uma resposta sobre o que está acontecendo para que a investigação não avance, deixando transparecer completo descaso. “Depois de cinco anos, a resposta que a gente tem é sempre a mesma: estão investigando, estão concluindo, e não chegam a lugar nenhum”, denuncia Fidel Costa, irmão do prefeito assassinado e que revela que o maior temor da família é o arquivamento do caso, sem solução, como tem sido aventado pela polícia.

Ele aponta uma série de “coisas estranhas” que aconteceram ao longo do processo de investigação e que o deixa indignado. Fidel reclama do longo tempo de investigação sem nenhum resultado, lembra o episódio do anúncio da prisão de um homem, em 2021, que sequer foi ouvido – nada mais foi falado sobre o personagem, que seria o primeiro suspeito pela morte. O irmão da vítima reclama ainda da inconstância da equipe de investigação, que já mudou várias vezes. “Cada vez que a gente vai lá é uma história diferente. Já mudou de secretário algumas vezes, mudou de delegado, mudou de investigador, todos os investigadores que iniciaram o caso não estão mais na investigação. Isso nos deixa ainda mais apreensivos, não há como não ter dúvidas”, comenta Fidel.  

Ele revela que a família resolveu solicitar a transferência da investigação para as autoridades federais. “Nós pedimos a federalização, por meio da Federação Nacional dos Servidores da Polícia Penal (Fenasppem), que fez a solicitação. Foram eles que entraram, a pedido nosso e com apoio da família. E o trâmite tem andado até de forma rápida”, explica Fidel Costa, enfatizando que a família volta a ter um fio de esperança de ver o caso solucionado. “Nada vai trazê-lo de volta, mas que pelo menos a família tenha paz para seguir em frente, sabendo o que aconteceu”, destaca.

O assassinato do prefeito de Miracema do Tocantins, Moisés da Sercon, caminha para completar cinco anos e até agora a investigação não saiu da estaca zero. O que está acontecendo?

Uma boa pergunta. E que nós nos fazemos todos os dias. O que falta para concluir esse inquérito? Depois de cinco anos, a resposta que a gente tem é sempre a mesma: estão investigando, estão concluindo, e não chegam a lugar nenhum. Pelo menos para nós da família, não temos nenhuma noção do que aconteceu, a gente não sabe o que pensar. Inclusive pedimos oficialmente para acompanhar o inquérito por meio de um advogado, e isso nos foi negado recentemente. A gente vive nesta luta esses anos todos, então é uma boa pergunta: o que falta? O que o Estado está fazendo, então, que não muda essa situação, que não conclui esse inquérito e dá a resposta não só para a família, mas para a sociedade, já que ele [Moisés] era um gestor público, que representava o povo? Por que não há essa resposta?

A gente não aponta o dedo pra ninguém, porém, a gente tem, sim, muitos questionamentos

O que explica essa inoperância da Polícia Civil do Tocantins na investigação deste caso, que, pelo que se sabe, deixou muitas pistas? A falta de explicação faz supor que exista algo poderoso por trás?

Isso deixa um ponto de interrogação, é uma pergunta que não quer calar o porquê de não se chegar ao desfecho desse caso. Já que ele era um gestor público, no exercício do mandato, que é só um caso, o único caso do Tocantins, que se tem notícia de um gestor no exercício do mandato que morreu nesta situação, foi assassinado nesta circunstância e que não chega à conclusão nenhuma. Então, a gente não aponta o dedo pra ninguém, porém, a gente tem, sim, muito questionamento em relação a isso. O porquê de não anunciar esse caso, de não mostrar, porque são cinco anos, já deu tempo de investigar, já deu tempo de apresentar o caso. São cinco anos, não são cinco dias.

Tem algo poderoso atrás disso? Provavelmente sim, a gente tem essa desconfiança

Na primeira semana a gente esperava a informação de quem era o cidadão envolvido no caso. Aí vai para um mês, para um ano, vai para dois, agora chegando a cinco anos e estamos ainda no começo, na estaca zero. Pelo menos é o que a família tem observado, a gente não tem resposta concreta. Cada vez que a gente vai lá é uma história diferente. Já mudou de secretário algumas vezes, mudou de delegado, mudou de investigador. Todos os investigadores que iniciaram o caso não estão mais na investigação. Então isso me deixa ainda mais apreensivo, deixa com mais dúvidas sobre o porquê de não se chegar à conclusão, e o porquê dessa mudança de profissionais que estavam no caso, que deveriam continuar. Porque cada vez que muda, tem, sim, uma demora pra retornar, pra começar de novo, então a gente fica com essa pergunta, por quê? Tem algo poderoso por cima disso, atrás disso? Provavelmente sim, a gente tem essa desconfiança e esperamos que se chegue a uma conclusão.

A família teme que o processo seja arquivado sem explicação? Como é lidar com uma situação dessas de insegurança sobre a investigação?

A gente vê com muita preocupação, porque, como eu disse, a gente vem acompanhando esse caso. Desde o início, lógico, e cobrando do Estado, cobrando da [Secretaria de] Segurança Pública, com essa repercussão toda, e o caso é essa inércia que não se sabe para onde vai. Então, a gente tem essa preocupação com o arquivamento do caso, porque não se vê muita mobilização para que seja apresentado um resultado. A gente teme essa ameaça de ser arquivado. Por quê? Durante tanto tempo pode até se perder provas. Então, por que de tanta demora? Por que não se chega a uma conclusão do que aconteceu com o Moisés naquele 30 de agosto? E qual a motivação? O que está por trás disso? Por isso, a gente tem a preocupação do caso de ser arquivado.

Qual foi a dinâmica do crime? O que aconteceu naquele fatídico 30 de agosto de 2018?

O que a gente tem de informações é que Moisés saiu para trabalhar com dois funcionários do escritório dele, serviço particular no escritório de contabilidade, atender clientes em Miranorte. Ele tinha uma filial lá no posto de Miranorte. E foram atender clientes, antigos, no escritório. Deixou os funcionários no escritório e foi até a Prefeitura de Miranorte. Contatou o prefeito no local, para resolver questão de maquinário para melhoria das estradas vicinais em parceria. Moisés teve a reunião com o prefeito e logo após saiu sozinho em sua caminhonete, voltando para buscar os funcionários. Até ligou pra eles e falou “fiquem na porta, que eu estou com pressa”. Porque ele tinha almoço em Miracema, tinha uma série de reuniões durante a tarde. Ele desapareceu nesse percurso entre a prefeitura, que fica no centro da cidade, até o posto que fica na BR-153, de frente para a cidade, em local de muita movimentação.

E o que se viu, além das câmeras da prefeitura, foi que ele passou em frente a uma casa rural, virou no sentido norte, para a BR. Daí para frente não se tem mais notícia. Ele apareceu 20 quilômetros depois, numa estrada vicinal, já assassinado na situação que todo mundo conhece. Então desse percurso, da saída da Prefeitura de Miranorte até o local do crime, não se tem notícia do que aconteceu. A polícia já nos disse algumas vezes que ele foi atraído por alguém. Foi ao encontro de alguém e até errou o caminho algumas vezes. Mas não falam nada mais para a gente.

Moisés, a vítima, e Fidel, o irmão que busca por justiça | Foto: Acervo pessoal

A polícia concluiu que ele foi assassinado do lado do motorista, fora do carro e colocado dentro do veículo pra simular um suicídio

Então, a gente não sabe o que aconteceu. O que se sabe é que ele já apareceu morto e a perícia concluiu que ele foi assassinado do lado do motorista, fora do carro, e colocado dentro do veículo para forjar um suicídio. Uma arma com numeração raspada foi encontrada no carro, nessa simulação de suicídio. Desde o início, a gente contestou isso, sabia que não era um suicídio e que também não era crime passional, pois não havia elementos materiais para tal.

Foi um crime político, um crime por interesses econômicos, ou um crime passional, como se falou muito à época? O que a família obteve de informação sobre a motivação?

A gente nunca acreditou em crime passional. Segundo a polícia, não foi crime passional, pelo menos foi o que falaram para a gente. Não foi suicídio, e descartaram várias outras possibilidades. Até pela situação da arquitetura do crime. Então, só pode ser algo muito superior, Moisés talvez estivesse mexendo com alguma coisa que desagradasse alguém. Não se sabe se foi um crime político, ou um crime por interesses financeiros, provavelmente por essa condição de gestor público. Ele estava em cargo político, nós não apontamos o dedo para ninguém. No entanto, tudo caminha para que seja isto, pelo fato de ser ocupante do cargo político em si. Não se sabe se foi um crime político mesmo ou de situações do meio político, mas foram descartadas todas as outras possibilidades. Há uma interrogação em relação a isso [de que possa ser um crime de interesse político].

A família tem procurado apoio em Brasília no sentido de federalizar a investigação. Qual é a expectativa da família com essa possibilidade?

Nós pedimos a federalização, por meio da Federação Nacional dos Servidores da Polícia Penal (Fenasppem), que fez a solicitação. Foram eles que entraram com o requerimento, a pedido nosso e com apoio da família. E o trâmite tem andado até rápido. Tramitou no jurídico e está com o procurador para analisar e encaminhar o caso para que seja federalizado. Estamos aguardando, mas tramitou rápido, porque foi para lá de março para abril. A gente tem acompanhado de uma forma bem diferente desde então: eles dão sempre atenção e o caso está andando bem lá em Brasília. A família acredita que vamos conseguir federalizar o caso. E todas as informações que nos foram solicitadas a gente encaminhou a tempo. A gente teve audiência com o secretário nacional e juntamente com toda a equipe. Protocolamos um dossiê completo de tudo que aconteceu, até mesmo antes da morte, com a eleição, a carreira política, o processo todo, fizemos todo o dossiê e protocolamos lá. E nos deram notícia, nos receberam muito bem. Temos dado muita atenção em relação a isso. E estamos aguardando realmente a federalização. Esperamos que até aqui no Estado, eu não sei do caso até antes disso, seria o melhor ainda, mas estamos confiantes de que vai ser federalizado.

Ainda há um fio de esperança de ver esse caso desvendado?
Um fio de esperança, exatamente. Um fio de esperança, porque a gente cansa, faz cinco anos e, se como prefeito, no exercício do mandato, tem essa demora toda, tem esse embaraço todo, essa falta de esclarecimento, imagine com uma pessoa comum, o que seria para um cidadão comum? Então é isso, por isso nossa luta, lógico, a gente age com o lado humano, pessoal, de um irmão que foi assassinado, um familiar, um ente querido, mas que isso sirva de exemplo para a sociedade tocantinense de que o crime não deve compensar. E acho que é para isso que a gente luta, para que seja elucidado. Lutamos muito, diariamente, semanalmente, mensalmente, na Secretaria de Segurança Pública, e às vezes a gente desanima, vê esse descaso, essa inércia do Estado, que já deveria ter dado alguma resposta. E foi por isso que nós resolvemos ir para a esfera federal, fazer esse pedido e ter o apoio da Federação Nacional dos Peritos Federais, que está nos ajudando nisso.

Fidel Costa, em sessão da Câmara de Miracema, fazendo apelo para que a morte do irmão prefeito seja esclarecida | Foto: Léo Santana

Prendem uma pessoa dizendo que está envolvida no crime, mas quem é o mandante? Quem mandou? O que aconteceu         

Em 2021, a 1ª Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Palmas chegou a anunciar a prisão de uma pessoa que seria o primeiro suspeito pela morte de Moisés, uma prisão em Rondônia. Em seguida, houve um completo silêncio sobre o caso, a ponto de não se saber se a prisão de fato aconteceu. O que a família conseguiu apurar sobre esse suspeito?

Fica muito estranho, porque, se depois de dois anos do caso, a própria polícia anunciou que foi preso o primeiro suspeito. Não deu o nome, mas sim a idade – 51 anos –, e deixou todo mundo ao mesmo tempo na expectativa e na esperança de que o caso fosse esclarecido. Mas passa o tempo e já foi para cinco anos agora, nada mais foi esclarecido. Então, o que aconteceu? Prenderam uma pessoa dizendo que estava envolvida no crime, mas quem é o mandante? Quem mandou? O que aconteceu? Qual foi o desenrolar dessa trama toda? Quem são os envolvidos? Aí fica essa dúvida. E a gente fica triste com isso. A pessoa tem culpa? Quem é? Por quê? Quem são os mandantes? O Estado tem a obrigação de esclarecer isso.

Essa pessoa não foi revelada, nunca foi ouvida, nunca disse nada?

Ninguém sabe o que aconteceu depois da prisão, não se sabe nada.

Não importa a motivação do crime, o que a gente quer saber é o que aconteceu

Qual o apelo que o sr. quer fazer para as autoridades que estão apurando esse caso? 

O apelo que eu faço, em nome da família, é que deem mais atenção para o crime do caso Moisés, não porque seja mais importante do que o que houve contra outras pessoas, todos os casos são importantes. Mas para que o Estado do Tocantins não se torne um Estado de bangue-bangue, onde o crime compensa. Um Estado novo, o mais novo da Federação. Que a Polícia Civil do Estado dê uma resolução para o caso. Dê uma resposta não só para a família, mas para a sociedade como um todo, já que ele era um gestor, representa uma comunidade que o elegeu como o prefeito mais bem votado do Estado. Ele estava muito bem avaliado na gestão e eu acredito, a família acredita, que a Polícia Civil deveria, sim, apresentar uma resposta para a sociedade, além da comoção familiar, mas também para todo o Tocantins. O que aconteceu? Foi o caso de maior repercussão, então deveria apresentar e mostrar o que aconteceu. E doa em quem doer, porque para nós o que mais importa é saber o que ocorreu, porque nada vai trazê-lo de volta, mas que pelo menos a gente tenha uma resposta. Então não importa a motivação do crime, o que a gente quer é saber o que aconteceu.

Os familiares se sentem ameaçados por continuar insistindo em procurar justiça?
Ameaças eu nunca recebi, graças a Deus. E acreditamos que Moisés também não as recebeu, porque, até onde a gente sabe, não tem notícia de ameaça, nem à família, nem a amigos. Era cercado o tempo todo de pessoas, nunca percebeu nada. Mas a gente tem preocupação, sim. A gente teme. Temos muita cautela, muita preocupação em saber exatamente por isso. Porque, se não é esclarecido, fica um leque de preocupações. Que a família tenha paz para seguir em frente, que não se fique julgando. Porque ainda tem essa questão do julgamento, não digo da família, mas da população. Ficar julgando um ou outro, e pessoas que são julgadas por aquilo que não fizeram. Que realmente seja punido quem cometeu o ilícito. Pedimos a Deus que nos proteja e que logo tudo seja resolvido.