Ana Hickmann e o complexo de Cinderela
07 dezembro 2023 às 14h26
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O caso Ana Hickmann, na verdade, não é recente. Não é a primeira vez que a apresentadora vem a público expor um marido manipulador e truculento. Outras situações ocorreram no passado, tão permeadas por agressões quanto a atual. É uma violência que existe desde sempre, mas que chega a momentos de pico extremo. Como Ana, muitas mulheres de classe média alta e da classe alta são violentadas, abusadas moralmente, fisicamente, só que são “cinderelas” ensinadas “socialmente” a nunca exporem o que acontece dentro dos seus reinados. São “pobres meninas ricas” que um dia foram caladas por um pai com perfil semelhante ao do marido, geralmente, uma família inteira com este perfil patriarcal elitista.
As relações de violência de gênero paralisam as mulheres e fermentam para 59% na intitulada “classe alta”, de acordo com pesquisa do Instituto Data Popular, que mostra que mais da metade dos homens brasileiros, 56%, admitem ter tomado atitudes caracterizadas como violência contra a mulher. O fato é que o problema é global e está em todas as classes. Segundo Marcos Nascimento, doutor em Saúde Coletiva e coordenador-adjunto do Centro Latino-Americano de Sexualidade e Direitos Humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), virou um caso de saúde pública, de direitos humanos e, sobretudo, uma questão social.
Geralmente o foco midiático está sempre voltado para as classes populares, todavia, as cinderelas em seus “castelos” seguem tendo suas almas dizimadas. Mulheres da elite não vão se submeter a pesquisas estruturadas que mapeiem sua realidade e sua intimidade. Elas são amordaçadas pelo capital ou por acordos familiares, que geralmente são a base contratual de seus casamentos. São relações “weberianas”, em que a dominação de um sujeito sobre o outro é “acatada”. É esse poder patriarcal e patrimonial que define quem fala e quem se cala. Mas Ana viveu tanto tempo assim, submetendo-se, e agora surge com o discurso de “vitimização” da mulher? Na família burguesa, a mulher é hierarquicamente subordinada ao homem. Contrariando o senso comum, mulheres ricas e escolarizadas, também são agredidas, mas não entram nas estatísticas, pois o caso, geralmente, passa a ser privado, segundo dados de Delegacias Especializadas em Crimes contra a Mulher. Não vai ter Maria da Penha, o agressor não será denunciado e preso, porque o “acordo” será feito em um bom escritório de advocacia e o silêncio patriarcal será mantido.
Raramente, mas, por vezes, elas colocam a boca no trombone. Entre deterioração de patrimônio, o braço esquerdo machucado e imobilizado numa clínica particular, cabeçadas e a temida exposição pública, Ana Hickmann abriu o jogo. Trouxe à cena suas dores de tantos anos de humilhação e submissão como resultado do seu Complexo de Cinderela, que faz com que muitas mulheres idealizem um relacionamento onde há um “príncipe” para protegê-las, mesmo que seja um manipulador machista, violento e inescrupuloso. O caso segue em discussão na Vara da Família e Sucessões de Itu, em São Paulo.
Violência contra a mulher é crime, com pena de prisão prevista em lei. Ao presenciar qualquer episódio de agressão contra mulheres, denuncie!