Por trás dos descontos sedutores e da suposta “conscientização” promovida pelo chamado Dia Livre de Impostos, esconde-se uma narrativa perigosa, alimentada por setores neoliberais que querem transformar a legítima insatisfação popular com a carga tributária em um ataque frontal ao papel do Estado.

Trata-se de uma tentativa ideológica de deslegitimar os tributos e, por extensão, o próprio pacto social que sustenta os serviços públicos, em benefício de um projeto político que concentra riqueza e fragiliza as estruturas de proteção coletiva.

A crítica aos impostos, colocada de forma descontextualizada e simplista, é um recurso recorrente do neoliberalismo. Em vez de promover um debate sério sobre a função social dos tributos e sua redistribuição, setores com esse propósito aproveitam o Dia Livre de Impostos para sugerir que o Estado é apenas um obstáculo entre o indivíduo e o mercado.

Essa visão ignora, além de esconder, deliberadamente, que os impostos são instrumentos fundamentais para garantir direitos sociais, financiar saúde, educação, infraestrutura e assegurar alguma equidade em uma sociedade marcada por desigualdades estruturais.

No entanto, é preciso ir além. A verdadeira crítica ao sistema tributário não deve se pautar por sua existência, mas por seu conteúdo de classe. O problema não é o imposto, mas a quem ele serve.

No Brasil, a estrutura tributária é regressiva: quem ganha menos paga proporcionalmente mais, enquanto grandes fortunas, heranças e lucros acumulam isenções e brechas. Os tributos, em sua configuração atual, não têm cumprido o papel de justiça social, mas sim o de preservar os interesses da burguesia, reproduzindo o poder do capital sobre o trabalho. Daí um dos motivos para a recente aprovação da reforma tributária.

Além disso, o desvio de recursos públicos, a falta de transparência e a corrupção endêmica não devem ser usados como justificativa para o desmonte do Estado. Ao contrário, exigem maior controle social, mais democracia e mais participação popular.

O Estado não deve ser entregue à lógica empresarial, mas deve ser transformado em instrumento da maioria, ou seja, da classe trabalhadora, para combater a exploração, garantir direitos e organizar a produção de forma coletiva.

É sintomático que o mesmo empresariado que promove campanhas contra os impostos seja o que mais se beneficia de subsídios, isenções fiscais bilionárias e renúncias tributárias sem contrapartida. São os mesmos que exigem “menos Estado” quando se trata de proteger o povo, mas correm ao Estado quando seus lucros estão em risco. Essa contradição precisa ser desmascarada.

Portanto, o Dia Livre de Impostos deveria servir não como palanque para o discurso da antipolítica, mas como momento de reflexão sobre o tipo de Estado que queremos. Um Estado capturado pelo capital, que cobra impostos dos pobres para beneficiar os ricos, ou um Estado construído com base na soberania popular, na justiça fiscal e na promoção do bem comum?

Os tributos devem existir, sim, mas como parte de uma política de redistribuição de renda, financiamento de direitos e fortalecimento das estruturas coletivas que sustentam a vida. A luta não é contra o Estado, mas contra a forma com que ele é apropriado por uma elite que teme a emancipação popular.