Justiça para quem? Supersalários no Judiciário aprofundam a desigualdade

04 julho 2025 às 09h23

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Em um país onde mais de 70% dos trabalhadores recebem até dois salários mínimos e milhões ainda vivem em situação de pobreza, causa indignação saber que, em 2024, os supersalários do Judiciário cresceram quase 50% em apenas um ano, passando de R$ 7 bilhões para R$ 10,5 bilhões.
Enquanto o mercado financeiro pressiona por cortes de gastos — muitas vezes focados em programas sociais —, magistrados seguem recebendo salários que não cabem na realidade do Brasil. O estudo do Movimento Pessoas à Frente, baseado em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), deixa evidente o abismo.
Juízes, que já deveriam ter salários altos para assegurar a independência de suas funções, recebem adicionais e indenizações que mais do que dobram seus rendimentos. Não à toa, a média líquida dos salários saltou de R$ 45 mil para R$ 66 mil em fevereiro.
É um aumento que passa longe de qualquer índice de inflação ou da realidade econômica do país. O pior é que esses “penduricalhos” — auxílios e benefícios — são legalmente classificados como verbas indenizatórias, ou seja, não sofrem Imposto de Renda e não entram no cálculo do teto constitucional, hoje fixado em R$ 46.366,19.
Com isso, uma minoria ínfima de servidores — apenas 0,06% do funcionalismo — concentra uma fatia desproporcional do orçamento público. E tudo dentro da lei. O problema não é apenas moral, mas estrutural.
Enquanto o país debate cortes, o Judiciário (e o Legislativo, que também abusa dos mesmos artifícios) não se dispõe a cortar na própria carne. São férias de 60 dias que se convertem em dinheiro, licenças-prêmio e aposentadorias compulsórias que, mesmo quando aplicadas como punição, garantem vencimentos integrais ao “punido”.
Não por acaso, o Brasil segue entre as nações mais desiguais do planeta. A concentração de renda no topo — legalizada pelo próprio Estado — perpetua a desigualdade. E quando se discute a necessidade de ajuste fiscal, quem paga a conta, mais uma vez, é a população mais pobre.
A reforma administrativa deveria começar exatamente por esses privilégios, sejam eles do Judiciário, Legislativo ou Executivo. É inaceitável que, num país em que a maioria sobrevive com tão pouco, uma casta continue blindada por benefícios que desafiam qualquer lógica de justiça social.
O Judiciário tem papel central na defesa da Constituição, mas não pode ser protagonista de um dos maiores símbolos de desigualdade do setor público. Enquanto magistrados e parlamentares resistirem a corrigir seus próprios privilégios, qualquer discurso de “responsabilidade fiscal” será hipócrita. A justiça que se quer defender começa pelo exemplo — e, no Brasil, ele ainda está muito longe de ser dado.