Autenir Carvalho de Rezende construiu uma carreira sólida no campo da economia e do planejamento regional. É doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Ao longo de sua trajetória, conquistou reconhecimento nacional ao vencer prêmios como o Brasil de Economia (2019), o BNB de Economia Regional (2012) e o Goiás de Economia (2008).

Com ampla experiência em pesquisas acadêmicas e aplicadas, Autenir participou de diversos projetos e publicou artigos em periódicos especializados. Atuou como consultor para os setores público e privado, além de ter passado por grandes empresas do setor farmoquímico brasileiro. Atualmente, é professor do Instituto Federal do Tocantins (IFTO) e integra o Programa de Pós-Graduação em Gestão de Políticas Públicas da UFT. Também lidera o Núcleo Aplicado de Estudos e Pesquisas Econômico-Sociais (Naepe), instituição que idealizou e dirige, com foco em estudos que ajudam a embasar políticas públicas e orientar decisões econômicas no estado.

Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, o economista Autenir Rezende explica sobre a queda no custo da cesta básica em Palmas, além de abordar sobre a possibilidade de uma taxação de 50% proposta por Donald Trump, destacando que, caso seja executado, essa medida pode trazer impactos econômicos importantes, tanto para o Brasil quanto para o mercado internacional.

Diretor do Núcleo Aplicado de Estudos e Pesquisas Econômico-Sociais (Naepe) | Foto: Divulgação

Segundo a pesquisa realizada pelo Naepe, o custo da cesta básica em Palmas registrou queda pelo terceiro mês consecutivo, encerrando o mês de junho com valor médio de R$ 703,09. Dados revelam uma deflação de 2,83% no período. Com esse resultado, o recuo acumulado no segundo trimestre de 2025 se aproxima dos 6%.

Os principais responsáveis pela redução foram o tomate, com queda de 9,4%, seguido pelo pão francês (-4,7%), arroz (-4,1%), feijão (-3,1%) e carne (-2,5%). Em contrapartida, quatro produtos registraram aumento de preço: banana (4%), café (4,3%), margarina (5,1%) e óleo de soja (1,1%).

E sobre essa queda consecutiva no custo da cesta básica, a que fatores você atribui essa deflação por três meses consecutivos? Existe algum elemento local específico influenciando nisso?

Local específico não, assim, tem uma questão local também da estabilidade climática agora, mas ela também se repercute nacionalmente. Essa deflação, de certa forma, era esperada devido aos três a quatro meses seguidos de alta. Em janeiro, fevereiro e março, tivemos um pico, taxas bem elevadas. Quando você tem taxas mais extremas, você sempre espera uma redução. E naturalmente, como já temos muitos anos nessas pesquisas de custo de vida, entendemos que existe uma sazonalidade. Todo segundo trimestre para o terceiro trimestre, alguns itens da alimentação começam a baixar. 

Tem essa questão da sequência que gera uma expectativa de redução, a sazonalidade e também o câmbio. No final do ano passado para o início deste ano, o câmbio disparou e depois veio reduzindo. Isso é importante, porque parte dos insumos usados na produção agrícola ou de alimentos depende do câmbio e de matéria-prima. Por exemplo, no caso do pão francês, que depende de trigo importado, o câmbio precisa estar favorável. Com essa redução recente, há uma combinação de fatores reduzindo o custo da alimentação.

Produtos no mercado | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A redução de quase 6% no segundo trimestre pode ser considerada algo significativo do ponto de vista macroeconômico?

Sim, porque quando pensamos que são só três meses e a taxa, na realidade, é 5,96%, arredondando dá 6%, então dá uma média de 2% ao mês. Se a gente projetar isso para o ano, seria algo acima de 20%, embora isso não vá acontecer. Mas considerando o trimestre, é uma taxa muito boa. Inclusive, equilibrou as altas acumuladas nos meses anteriores. A taxa acumulada de inflação é um dado adicional, mostra um saldo de apenas 1% a 1,5% de inflação nesses seis meses do ano. Houve picos seguidos de alta, depois meses de baixa, e no balanço, ficou em 1,5%. É uma taxa dentro da média da inflação nacional e da meta do IPCA.

Podemos dizer que há uma retomada de equilíbrio entre a oferta e a demanda no mercado de alimentos?

Sim. Se considerarmos, por exemplo, o caso do café, houve crise de oferta. Minas Gerais, que é um grande produtor, enfrentou seca e outras questões climáticas. Outros países produtores também tiveram dificuldades, mas a demanda se manteve. Agora, há uma reacomodação. Alguns alimentos específicos estão conseguindo suprir a demanda, evitando a transferência para os preços. Assim, os preços acabam se reacomodando.

Há alguma preocupação com efeitos climáticos nos próximos meses que possam influenciar a inflação alimentar?

Sim. A questão climática, quando é extrema, como a que se aproxima em um ou dois meses, dificulta a produção, o processamento e o armazenamento. A energia elétrica também encarece, e já estamos na bandeira vermelha, temos esses extremos. Isso impacta, por exemplo, na produção de leite, hortaliças e frutas. No caso do Tocantins, se as chuvas atrasarem, em outubro ou novembro, chega-se à feira com produtos murchos. E provavelmente encontraremos essa dificuldade, principalmente com alimentos mais sensíveis. Além disso, há o encarecimento da produção devido ao custo da energia. Sempre torcemos para que a chuva chegue e evite altas expressivas de preços.

O valor da cesta básica ainda consome 50% do salário mínimo líquido. O que esse dado revela sobre o custo de vida em Palmas?

Esse dado é importante porque é um indicador. Ele considera não só o custo da cesta básica, mas também o valor do salário mínimo. Nos últimos três anos, essa relação já chegou a 56%, 57%, quando a cesta era mais barata, mas o salário também era menor. Agora, ela chegou a 50%. Considerando que o salário aumentou, o que sobra é mais para o consumidor, embora outros preços também se desloquem. O custo de vida em Palmas é impactado por outros itens.

A cesta básica do Tocantins não é tão cara, tem um custo médio, inclusive um pouco abaixo da média nacional. Mas moradia, transporte, educação e saúde são mais caros. Em São Paulo, Florianópolis, ela passa dos R$ 800 e facilmente até R$ 900, por exemplo. Embora a cesta básica não esteja entre as mais caras, o custo de vida se torna elevado por causa desses outros itens.

Doutores, especialista e estudantes fazem parte do Naepe | Foto: Divulgação

Por exemplo, sempre comparamos com os estados vizinhos. No Goiás tem uma cesta básica muito próxima da nossa. Em Brasília já é um pouco mais alto, mas o Nordeste, que está aqui bem próximo, que inclusive tem uma grande parte da população que é nordestina aqui na Capital, Palmas já estaria com o valor da cesta básica acima. Então a cesta básica mais barata do país está no Nordeste.

O tempo de trabalho necessário para comprar uma cesta básica caiu, mas ainda é alto. O que pode ser feito, em termos de política pública, para melhorar essa relação?

Há políticas públicas em nível federal e local. No nível local, os governos têm pouco poder de manobra. Podem oferecer incentivos ou auxílios que ajudem a custear parte da cesta básica. Em nível federal, há discussões sobre isenção de impostos. Por exemplo, eu não vejo como positivo tributar carne, arroz, feijão, café e leite pode não ser adequado, já que são itens de sobrevivência.

O trabalhador precisa disso, inclusive para sua produtividade, se você pensar pela lógica de que é, o trabalho vai render. Então desonerar esses alimentos libera renda para outras necessidades. Está em discussão no Congresso uma nova cesta básica com base nessa ideia. É importante, mas precisa avançar.


É exatamente nesse sentido. Auxílios, incentivos e políticas públicas que reduzam o impacto do custo de vida. A questão da isenção tributária sobre itens essenciais é uma das ações mais discutidas.

Qual o papel de órgãos como o Ministério Público e o Corecon nessa articulação entre pesquisa e política pública? Existe diálogo?

Sim. Com o tempo, que realizamos pesquisas desde 2019, já são seis anos, fomos ganhando know-how e notoriedade para dialogar com essas entidades. O Corecon, sendo o Conselho dos Economistas, atua com economia aplicada e pesquisa. Nossas pesquisas são feitas com o apoio do Corecon, somos economistas e vinculados ao Conselho. Ele nos respalda, mostrando a credibilidade do trabalho.

O Ministério Público também nos apoia, especialmente por envolver estudantes carentes em pesquisa e iniciação científica, o que reduz a evasão escolar e melhora a qualificação. Evita o aluno de tentar ter que trabalhar fora para ganhar a sua renda, ou ajudar a família e acabar prejudicando seus estudos.

Estudos realizados em campo | Foto: Divulgação

Hoje, no Núcleo, temos mais de 15 estudantes só em Palmas e Porto Nacional, além de alunos em Gurupi, de instituições como IFTO e UFT. Também temos uma rede com profissionais de vários estados. A atuação começou em 2019, com pausa na pandemia, mas desde então estamos estruturados e ativos. Quando são pesquisas mais técnicas, acionamos a rede nacional. Quando é a pesquisa local de campo, usamos só a estrutura aqui do Tocantins, sendo o IFTO 100% responsável. 

No Núcleo tem economistas, contador, administrador, cientista político, estatístico, então é um grupo bem polivalente.

Qual seria o principal objetivo do Núcleo Aplicado de Estudos e Pesquisas Econômico-Sociais (Naepe) no Tocantins?

Manter o padrão das pesquisas e a formação dos estudantes com enfoque prático. Somos pesquisadores natos. Não nos restringimos à academia, como 99% dos grupos fazem.

Buscamos produzir conhecimento útil para a sociedade e para a formulação de políticas públicas, além da formação acadêmica tradicional. Realizamos pesquisa de campo com dados atualizados e aplicados.

É claro que tudo isso aí podemos transformar em artigo científico, TCCs, como já temos vários, monografia, dissertação, mestrado, orientações, mas a prioridade é a produção de conhecimento para a sociedade mesmo, de informação por meio das pesquisas de campo.

A queda no preço da cesta é reflexo da política monetária nacional, como a taxa Selic, ou há outros fatores determinantes?

Com relação à política monetária, não há impacto direto, porque hoje ela é bastante contracionista, no sentido de desencorajar o investimento. Isso é coordenado pelo Banco Central por meio de taxas de juros elevadas. A taxa de juros atual é muito restritiva, o que desestimula a produção. Ao desestimular a produção, você reduz a oferta e impacta diretamente os preços, dificultando o investimento. Infelizmente, essa política de juros elevados não é interessante para o custo de vida. O argumento usado para manter os juros altos é o controle da inflação, mas sabemos que não é exatamente esse o cenário. Hoje, a inflação não está relacionada a uma demanda aquecida. Embora haja desemprego mais baixo e renda um pouco maior, o verdadeiro problema está na oferta.

Naepe contribui com a formação acadêmica | Foto: Divulgação

Enfrentamos crises climáticas que afetam a produção, então é preciso incentivar o investimento e aumentar a oferta para atender a essa demanda. A taxa de juros começou a subir antes mesmo de a renda aumentar e o desemprego cair, ou seja, foi uma antecipação equivocada. A redução dos preços atualmente está mais ligada à política cambial e à estabilidade climática, que permitiram um melhor controle da oferta. 

A possível taxação de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros pode ter reflexos diretos ou indiretos no custo da alimentação no Tocantins?

Há dois caminhos. Um é a importação de insumos, outro é a exportação de alimentos prontos. Os Estados Unidos da América não estão entre os maiores importadores dos nossos produtos, exceto casos pontuais. Mas se houver impacto, eu acredito que ele pode ser mais positivo do que negativo do ponto de vista da alimentação. Por exemplo, o café. O café brasileiro é exportado. E os Estados Unidos é um grande importador do nosso café. Se vão taxar o nosso café por lá, provavelmente vai ser mais difícil, para o nosso café entrar lá.

Pode ser um café que certamente se tornará muito caro para eles e eles possam optar por café de outros países ou o próprio vendedor brasileiro opta já por seguir outro caminho. Então, isso restringe um pouco a exportação. Ou seja, você teria mais produtos aqui dentro, aumentando a oferta interna e reduzindo o preço posteriormente. Então, se pensarmos por esse lado, sobre o ponto de vista do que o Brasil exporta para os Estados Unidos, a gente exporta commodities, derivados da mineração, como ferro, aço e basicamente alimentos, carne, suco de laranja e café. Pode ter um impacto positivo nesse sentido, porque vai restringir as exportações para lá, e a gente fica com maior quantidade no mercado interno.

Impactos no comercio | Foto: Reprodução

A questão é que o caminho que vejo agora envolve muito ou uma negociação que surta um efeito rápido, ou o próximo passo é procurar novos parceiros comerciais. Ou seja, pode haver uma restrição das exportações para os Estados Unidos, mas isso pode incentivar as exportações para outros países em um segundo momento, não de imediato.

Vamos ver se a promessa se sustenta. É preciso observar também o caminho da diplomacia, se haverá algum efeito, e, por outro lado, quando surgirão outros parceiros comerciais. Acredito que, sob o ponto de vista da alimentação especificamente, pode até haver uma redução. E no caso do Tocantins, o que exportamos é muito específico. Não é uma exportação em larga escala, então há essas nuances. 

Existe risco de que a perda de mercado externo leve a excesso de oferta no Tocantins e uma nova queda nos preços? Isso pode ser bom ou ruim para a economia local?

Existe sim, mas também porque os Estados Unidos têm adotado algumas ações um pouco intempestivas. Isso, na realidade, faz parte de um processo longo de perda de domínio da economia global. Há também essa articulação dos BRICS, que funciona como um contrapeso.

Acredito que esse tipo de ação está, na verdade, preparando outros países para uma saída mais tranquila. Quando você anuncia, ameaça e depois volta atrás — ou mesmo que cumpra — está dizendo ao seu parceiro: “Olha, não quero mais”. Então o parceiro começa a olhar para outros lugares, buscar alternativas. E o Brasil faz isso muito bem.

Nossa política externa, desde os primeiros choques no início do ano, procurou novas saídas para os produtos. Por exemplo, tivemos o caso do ovo. O Brasil nunca exportou tanto ovo, e por isso ele ficou caro aqui. Nesse sentido, exportamos demais. Teve também o impacto das enchentes no Rio Grande do Sul, que atrapalhou um pouco. A partir desse momento, acho que a economia global está tentando formar novos acordos que não dependam tanto dos Estados Unidos, fugindo dessa influência. É isso que acredito que vai acontecer. No primeiro momento, há um rearranjo, podendo haver picos. Mas no médio e longo prazo as coisas tendem a se realinhar.

Especificamente para o Tocantins, não vejo um impacto direto.

Se houver uma redução na produção, por inviabilidade de exportar, isso pode, teoricamente, elevar os preços no mercado interno. 

Na teoria sim, mas acredito que, na prática, isso não vai acontecer. Seria uma decisão antieconômica por parte do empresário. Se ele já tem capacidade produtiva instalada, o primeiro passo é procurar vender, buscar novos parceiros. Se isso não ocorrer, pode sim haver aumento de preços, mas seria algo para daqui a seis meses, um ano, talvez até 2026.

No entanto, acredito que até lá novos parceiros já terão sido encontrados. É uma possibilidade remota.

Caso o governo brasileiro reaja com retaliação e encareça produtos importados dos EUA, como combustíveis, isso pode afetar o transporte e o preço dos alimentos?

Sim, nesse sentido, sim. Mas depende também da política nacional de produção de petróleo. A Petrobras poderia atuar como uma resposta. Temos bastante potencial para explorar petróleo nos nossos campos, então poderia haver um reordenamento. Mas certamente poderia haver um momento de impacto negativo para a população, pois o transporte pode encarecer.

Encontros e reuniões dialogando sobre economia aplicada | Foto: Divulgação

Dependemos muito do transporte rodoviário, mas nossa vantagem nesse ponto específico é justamente a Petrobras. Ela demonstra sua importância nesse tipo de cenário. A Petrobras poderia ser um caminho. 

Em um cenário de incerteza global, quais setores da economia tocantinense estariam mais expostos? Como isso pode afetar o consumo básico da população?

Basicamente, o setor mais impactado seria o agropecuário, inclusive já houve manifestações de associações representativas desse segmento. Em relação à parte industrial, o Tocantins ainda possui uma indústria muito incipiente.

O que realmente é afetado são os insumos que não conseguimos produzir internamente. Tecnologia, por exemplo, demanda tempo para ser desenvolvida. É difícil entrar nesse mercado e já estar competitivo. Não vamos, de imediato, produzir aqui a tecnologia que hoje importamos dos Estados Unidos. Então, o impacto maior seria sobre tecnologia de ponta, como equipamentos de informática e outros produtos dependentes da indústria americana.

Por outro lado, esses itens já vêm sendo produzidos por outros países, o que tem enfraquecido a hegemonia dos Estados Unidos, que era muito mais forte há um certo tempo.

Deseja acrescentar alguma informação à entrevista?

No caso do núcleo, a gente acompanha a cesta básica, que representa a alimentação dentro de casa. Mas também monitoramos a alimentação fora de casa, como restaurantes e lanchonetes. Inclusive, estamos prestes a divulgar, na próxima semana, os dados desse novo levantamento.

Além disso, estamos à disposição para colaborar com diversas pesquisas. Muitas vezes, recebemos pedidos de informações específicas, como preços de determinado item no ano passado ou variações de valor ao longo do tempo.

Estamos disponíveis para esse tipo de consulta, especialmente quando a produção ou algum setor precisa de dados que nem sempre são fáceis de encontrar. Podemos auxiliar nesse sentido.